ARLA/CLUSTER: Estas rádios actuais são, cada vez mais, formatadas, obtusas, espelho das castradoras playlists ...

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Segunda-Feira, 20 de Junho de 2016 - 16:29:58 WEST


Porque será que esta entrevista feita em 2006, se mantém tão actual.?

João Costa

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Entrevista a RICARDO MARIANO autor do programa "Vidro Azul".


Quando começaste a fazer rádio?

Fui seleccionado para o curso de programação da Rádio Universidade de
Coimbra em 2000. A RUC, todos os anos, promove cursos de Programação,
Informação e Técnica. A partir de Abril de 2002 – e ainda como
formando – comecei, efectivamente, a fazer rádio... inicialmente
através de uma crónica chamada "Quarto Escuro" no programa Metro do
Pedro Arinto. Nessa experiência inicial fazia uma espécie de abordagem
discográfica e biográfica a cantautores que gostava (e gosto): Nick
Drake, Mark Kozelek, Stina Nordenstam, Mark Eitzel e outros.

Quando começou o "Vidro Azul"?

A primeira emissão foi para o ar no dia 14 de Outubro, ocupando o
espaço 20h-21h na grelha de Inverno de 2002 – lembro-me que abri com o
tema “Sacrifice” da Lisa Gerrard.
Sabes, acho que poucos sabem mas o “Vidro Azul” (VA) entrou na grelha
mesmo à última. Como eu era dos poucos que já trabalhava – a maior
parte dos meus colegas nesse ano ainda estudava – tinha pouquíssimo
tempo disponível. Um dia, numa sessão de spots, olhei para a grelha
ainda provisória e vi aquele buraco das 20h. Achava-o ainda muito,
como dizer… pouco nocturno mas, como não me causava grande transtorno
pessoal avancei com a proposta. Foi aceite.

Agora o programa também habita o universo Podcast…

Já há algum tempo que pensava numa forma de disponibilizar o programa
para lá do directo e da emissão online. Foi aventada a hipótese de se
colocarem, para audição stream, alguns dos programas da RUC através do
servidor da rádio. No entanto, por razões técnicas que desconheço, foi
impossível concretizar essa pretensão. Assim, o Paulo Santos, um amigo
e realizador do excelente “RuClub” (programa de Jazz na RUC),
incentivou-me e ajudou-me a criar o Podcast utilizando o mesmo serviço
que ele. Foi assim, no final do ano passado.

Achas que o Podcast é uma ameaça à rádio tradicional?

Não acho que seja uma ameaça... pelo contrário! O caso do VA é
paradigmático. Como programa da RUC, rádio com sintonia de espectro
limitado, o Podcast possibilita a todos os que não residam em Coimbra
ou que, na altura do directo não podem escutar via emissão online,
ouvir o programa durante a semana até à emissão seguinte.
Pelas reacções que vou tendo e percebendo, ninguém deixa de ouvir o
directo do VA – se puder fazê-lo – para ouvir o programa mais tarde,
por download em formato Podcast. Há, de facto, algumas pessoas que
depois do directo guardam o programa para repetirem a audição – o que
muito me lisonjeia – e esta é uma das extraordinárias qualidades do
Podcast. Poder-se gravar, numa qualidade óptima um programa de rádio.
É magnífico.

Até onde achas que vai ter este fenómeno?

Sinceramente, não sei. Gostava muito que o Podcast servisse como um
formato promotor da rádio de cariz alternativo que se vai fazendo por
aí. E se calhar isso vai acontecer, espero. Acho que vai crescer
muito. Por arrasto, quando as coisas se agigantam, surge muita coisa
má. No entanto, o Podcast tem potencialidades divulgadoras e
informativas extraordinárias.

O programa "Vidro Azul", de que és autor, está a fazer o caminho
inverso. Começou numa rádio e agora está em Podcast. O Podcast é a
salvação para os autores?

Não vejo as coisas assim. O Podcast é um complemento do VA. Existe
para possibilitar a escuta para os que antes não o podiam fazer.
Poderá, no entanto, ser importante para dar voz àqueles que estão
"abafados" nas rádios de sintonia nacional e mais não podem fazer – há
excelentes exemplos por aí. Houve rádios que mudaram para pior, tendo
gente de uma qualidade excelente e agora desperdiçada. O Podcast para
essas pessoas pode ser um novo respirar.

Mas gostarias que o "Vidro Azul" continuasse no éter? Se sim,
gostarias que o programa "Vidro Azul" encontrasse espaço numa rádio
com maior dimensão?

O lugar do VA é no éter. Essa é a minha paixão. Não o concebo de outra
forma e é aí que me sinto confortável. Sabes, já quis que o VA
explodisse para mais gente, numa rádio maior. Mas, nunca tentei, e por
tudo aquilo que tenho dito, seria impossível. Não há quem me queira –
nem sei se tenho qualidade para outros voos – e estaria sujeito a
critérios editoriais que desvirtuariam a linha estética do programa.

Como vês o panorama actual das rádios em Portugal?

O produto das rádios nacionais, de sintonia nacional, é muito igual e
absolutamente desolador. Estas rádios são, cada vez mais, formatadas,
obtusas, espelho das castradoras playlists que afogam o papel do
realizador de rádio e abreviam a oferta de novos, alternativos e
criativos programas de rádio. Depois isto é um ciclo vicioso. As
rádios das massas regem-se, inevitavelmente, conforme os critérios e
padrões umas das outras. Falta coragem, muita coragem. Temos as
antenas 1, 2 e 3: a rádio pública. A Antena 3, quando surgiu,
assumiu-se como uma rádio diferente. É o que se vê!... Com a excepção
de alguns programas nocturnos, não oferece nada de novo. A Antena 2 lá
se vai abrindo ao Jazz – ainda pouco – mas tem ali espaço para tanto e
ninguém põe mão naquilo. Será que, por exemplo, a “Íntima Fracção” do
Francisco Amaral não cabe ali? Haja coragem!

Referiste-te às playlists… o que pensas do uso e abuso das playlists?

As playlists são uma imposição das grandes editoras. Infelizmente, no
nosso país, há muito o "efeito bola de neve" – as rádios nacionais
tendem a seguir as piores políticas.
É claro que as rádios menos poderosos têm de seguir estes critérios
editoriais para sobreviver, mas, a meu ver, as playlists são impostas
pela indústria e as rádios nem esperneiam.

O que pensas da nova lei sobre as quotas de música portuguesa?

Ridícula, ditatorial, mais uma perigosa e negra notícia para a rádio.
Obrigar-se uma rádio e os respectivos realizadores (se ainda os há!) a
passar uma percentagem delimitada de música portuguesa é de um
autoritarismo bacoco impressionante e datado. Depois é a história da
música que se oferece... estou certo que a música portuguesa de
qualidade não vai passar (essa, salvo raras excepções, nunca passa). A
rádio vai jorrar uma autêntica "Chuva de Estrelas".

És ouvinte de rádio? Quando começaste a ouvir e o quê?

Gosto muito de rádio. Lembro-me de escutar muito a "Hora do Lobo" do
António Sérgio, depois a "Íntima Fracção" do Francisco Amaral – que
infelizmente descobri tarde – e, desde sempre, a RUC.

Da rádio que actualmente ouves, o que é que não perdes de ouvido?

As notícias e o desporto da TSF e Antena 1 e o que a RUC passa.

E os radialistas que mais gostas. Quais são?

Continuo a gostar do António Sérgio mas, as minhas referência são,
desde sempre, o Pedro Arinto (RUC) e Francisco Amaral (RUC). No
entanto, também gosto do estilo de locução do Henrique Amaro... tem
muita sobriedade. Tenho, também, colegas na RUC que são óptimos: Paulo
Santos (“RuClub”), Inês Saraiva (“Livro de Cabeceira”), Rui Caniço
(“Botox”), Inês Patrão (“Inter Rail”) e outros.

Tens saudades dos tempos das piratas?

Bem, eu não acompanhei esses tempos. Embora já ouvisse a RUC enquanto
rádio Pirata. Mas, felizmente, ela é ainda "meio pirata"!

O "Vidro Azul" é o "teu" programa ou o programa "possível"?

É, definitivamente, o meu programa!!

O que dizes dessa experiência de trabalhar numa rádio de autores como
a RUC? Respira-se um ambiente estimulante e de criatividade contínua?

Sem dúvida. A liberdade é total e partilha-se de uma forma muito forte
e emocional o amor que se tem pela rádio. Somos todos uns carolas,
ninguém recebe. Ainda há diletantes e isso é comovente e sustenta o
espírito da RUC.

Tens tido bom feedback do programa através da Internet e do Podcast?

Sim, a resposta tem sido surpreendente... o que me deixa um pouco embaraçado.
É óptimo saber que vou tendo novos ouvintes e que eles podem chegar do
mundo inteiro. E depois é engraçado perceber que havia pessoas que
passavam há muito pelo blogue e nunca tinham escutado o “Vidro Azul”.
O Podcastveio possibilitar este encontro.

Queres continuar a fazer rádio até que a "voz te doa"?

Sim, claro. A rádio e a música provocam-me um sentimento inexprimível.


VIDRO AZUL
Um programa de rádio e outros "estilhaços"...

RUC – Rádio Universidade Coimbra (107.9 FM ): 2ª Feira (23:00/01:00)
Repetição: Sábado p/ Domingo (02:00/04:00)
Rádio: http://www.ruc.pt/
Blogue:http://www.vidroazulruc.blogspot.com/
Podcast:http://www.vidroazul.libsyn.com/


Os programas de autoria nas rádios locais gozam de uma liberdade
criativa actualmente quase inalcançável nas estações de maior
dimensão. Há casos de puro amadorismo, onde ainda se joga com amor à
camisola, o que é compreensível e necessário, pois as pessoas que
querem fazer rádio têm de começar por algum lado. Existem programas
com longo historial nas pequenas rádios e que já se tornaram "parte da
mobília". São marcas das estações que os emitem e têm seguidores
atentos e fãs fiéis. Estes realizadores, de alma romântica, subsistem
no éter pelo poder da força de vontade e não pela vontade da força.


Francisco Mateus



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