Re: ARLA/CLUSTER: A boa educação dos "five nine"

AV radiophilo gmail.com
Terça-Feira, 30 de Agosto de 2011 - 20:53:53 WEST


Sábias palavras, meu caro Paulo Pinto,

Gostaria de continuar onde terminaste e o que a seguir vai é também um
complemento a textos aqui escritos pelos colegas Sérgio Matias, Pedro
Ribeiro, João Costa e Carlos Mourato, entre outros, que abordam os ataques
comerciais, industriais e legislativos ao espectro radioeléctrico neste
momento atribuido aos radioamadores.

O espectro radioeléctrico é administrado pelas nações. Cada uma tem a
responsabilidade, e o direito, de regular a sua utilização de acordo com os
seus interesses, em conformidade com as leis nacionais e no respeito das
convenções internacionais.

O sucesso de em 1927, durante a conferência internacional de Washington, o
radioamadorismo ser internacionalmente reconhecido como um serviço
radioeléctrico organizado e regulado é algo notável. Devemos esse
reconhecimento aos esforços das delegações da ARRL, IARU e EUA a essa
conferência, entre outros. Desse reconhecimento resultaram atribuição de
direitos e recursos, como sejam algumas faixas no espectro radioeléctrico.

Poderia pensar-se que essa dádiva teve um carácter benevolente ou
condescendente, mas não foi esse o caso. Os radioamadores, apesar do seu
carácter não comercial totalmente oposto ao grosso dos serviços então
regulamentados, eram muito bem vistos por vários motivos:

1. O radioamadorismo fornecia às nações grandes quantidades de operadores
qualificados, não só várias vezes requisitados para as fileiras militares
durante os tempos de guerra, mas também muitas vezes constituindo o núcleo
inicial de novos serviços de comunicações.

2. O radioamadorismo oferecia nesses tempos serviços públicos inigualáveis.
Sem qualquer investimento ou custo para os estados, o colectivo radioamador
proporcionava redes de comunicações muito fortes, seguras e fiáveis que
cobriam grandes distâncias e atravessavam vários segmentos da sociedade,
desde o acompanhamento de explorações científicas, comunicações de
emergência e pontuais para redes ferroviárias, difusão de notícias on
informações de grande relevãncia, e até colaboração técnica com forças
militares.

3. Os radioamadores contribuíam forte e desinteressadamente para o
desenvolvimento da técnica radioeléctrica em geral, constituindo um polo de
progresso a ser explorado pelos restantes sectores das sociedades.

Estes trẽs pontos contituem, na minha opinião, o contrato colectivo original
dos radioamadores com a sociedade. Apesar de todas as mudanças que o mundo
em geral, e o universo das comunicações, sofreram, estas continuam a ser as
razões nucleares pelas quais os estados se têm disposto a investir no
radioamadorismo parte do seu precioso recurso natural, que é o espectro
radioeléctrico.

Ora isso pode mudar por vários motivos e creio que temos assistido em tempos
recentes a várias mudanças significativas.

Por um lado, as sociedades ocidentais têm vindo a trocar o conceito de
propriedade pelo de gestão ou administração. Embora os estados detenham
ainda toda a soberania na administração do espectro radioeléctrico, o seu
exercício carece agora de alguma negociação e transparência. Mais ainda, os
critérios por que se rege esta gestão são agora mais liberais e de carácter
económico do que antes.
Acrescenta-se ainda a este lado da equação, a pressão exercida por diversos
interesses económicos.

Por outro lado, a contribuição absoluta, e a importância relativa do
radioamador para a sociedade parece ter diminuido substancialmente nas
últimas duas décadas, não só pela sua despromoção, mas também pelos
desenvolvimentos fantásticos nos sectores das comunicações públicas.
Hoje, os radioamadores andam com frequência a reboque de vários outros
sectores das comunicações. Pior ainda, os progressos que os radioamadores
experimentam não são explorados em todo o seu potencial, antes pelo
contrário.
As técnicas são simplificadas, formatadas e pré-construidas, para poderem
ser acessíveis. Muitos de nós, quiçá a maioria, não dispomos de
conhecimentos, tempo, e energia para compreeder e manipular as técnicas
radioeléctricas que utilizam. Nem a vida moderna permite, nem isso nos é
exigido.

Também ao nível das comunicações de emergência os radioamadores são uma
fraca alternativa. Hoje muitos países dispõem já de estruturas de
radiocomunicações de emergência profissionais, com meios modernos, treino
adequado e regularmente exercitadas. Os amadores podem apenas contar a seu
favor com o seu grande número.

Penso que a nossa resistência aos ataques que se têm sucedido, alguns ainda
em curso, e aos que irão ainda surgir, depende em grande medida da nossa
capacidade de mostrar à sociedade que ainda somos úteis e que a rescisão do
nosso contrato será uma perda para todos.

Neste panorama, o abandono das nossas faixas, a CBização do radioamadorismo,
a despromoção técnica do radioamador, a proliferação do radioamadorismo
desportivo e exclusivamente lúdico, e ainda a vulgarização da linguagem e a
relativização da ética entre os radioamadores, só nos pode trazer prejuízos.

Repetindo a tua importante conclusão: "Acho que é tempo de justificarmos os
privilégios que nos são concedidos".

73,
António Vilela
CT1JHQ

Caros Colegas, ****
>
> ** **
>
> Permitam-me algumas considerações em relação à questão levantada. ****
>
> ** **
>
> Em primeiro lugar, penso existir na sociedade - e consequentemente no
> espectro radioeléctrico - uma grande falta de ética e deontologia. Não será
> necessário dar exemplos do que afirmo, pois todos nós conhecemos sobejamente
> casos de atropelos, faltas de respeito e imoralidades nas mais diversas
> áreas da vida social. Em tempos, algo longínquos, estava convencido que a
> classe dos radioamadores formava um grupo de pessoas que pugnava pela
> diferença, constituindo-se como uma pleiade de indivíduos que nutrem
> respeito pelos seus pares e desenvolvem os seus projectos dentro do que são
> as suas apetências, enquadradas pela lei. Não sendo eu um radioamador antigo
> - e não podendo falar com conhecimento de causa dos anos anteriores aos 90
> -, tenho vindo a verificar uma degradação do respeito e da camaradagem entre
> nós. Este comportamento é concomitante com a sociedade em geral, o que me
> sugere ser o radioamador do presente um reflexo do nosso sistema educacional
> e do nosso sistema de valores. Se, na pós-modernidade, a crise é mais de
> valores do que económica, o resultado só pode ser o descrito pelo colega
> Mourato.****
>
> ** **
>
> Em segundo lugar, gostaria de abordar a questão da abordagem ao
> radioamadorismo. Ninguém discordará do colega António, CT1TE, e da paixão
> com que coloca a tónica no espírito de partilha técnica e de enriquecimento
> pessoal que outrora era apanágio das bandas, como ninguém discordará das
> vantagens de um concurso de DX, no que traz de desafiador para quem gosta de
> investigar sistemas radiantes ou padrões de propagação. ****
>
> ** **
>
> Por último, teço duas considerações finais.****
>
> ** **
>
> A primeira tem a ver com a minha experiência pessoal. Tendo começado nas
> bandas amadoras por ser um amante da "caça" às novas entidades DXCC e dos
> concursos (não todos!), senti a necessidade de enriquecer os meus
> conhecimentos técnicos e poder desfrutar de algo que para mim é
> gratificante: a satisfação que o conhecimento proporciona. Entrando por
> determinada porta, cedo me apercebi da dimensão do que se me deparava.
> Aspirarei sempre a mais, ciente que as nossas capacidades permanecem, *grosso
> modo*, inexploradas. ****
>
> ** **
>
> A segunda tem a ver com o respeito de que falava no início. Não percebo
> porque é que as discussões têm que acabar sempre em desavenças entre os
> participantes. Saber discutir as diferentes opiniões com abertura suficiente
> para delas retirarmos novas ideias que nos façam questionar as nossas
> posições é algo que demonstra inteligência. Não estou a querer dizer que
> devemos entrar na lógica da relativização, onde tudo tem cabimento, pois
> dessa forma cada opinião tem o mesmo valor. Estou a querer dizer que não
> devemos prescindir das nossas mais profundas convicções, desde que tenhamos
> sabido "digerir" outras posturas, ideias e sugestões. Se tudo for efectuado
> dentro dos padrões éticos e do respeito mútuo, parece-me que estaremos no
> bom caminho para mudarmos alguma coisa. Reconheço ser necessária uma boa
> dose de paciência para lidar com algumas situações, mas, mais uma vez,
> sempre foi e será assim em toda a actividade do ser social. Daí resultarão,
> naturalmente, os grupos de afinidades. E se se estabelecerem pontes entre
> esses grupos, tanto melhor.****
>
> ** **
>
> Gostava de ver uma sã convivência entre os que nutrem carinho pelo
> radioamadorismo e que estão no *hobby* com nobres interesses. Acho que é
> tempo de justificarmos os privilégios que nos são concedidos.****
>
> ** **
>
> Com os meus melhores 73,****
>
> CT1ETE, Paulo Pinto****
>
> --
> Fonte: *:* ct-comunicacoes-e-tecnologias *Em nome de *CT1ETE Paulo Pinto
>
> ****
>
> _______________________________________________
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> CLUSTER  radio-amador.net
> http://radio-amador.net/cgi-bin/mailman/listinfo/cluster
>
>
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