RE: ARLA/CLUSTER: Rádio Natural - Uma modalidade com pergaminhos

João Gonçalves Costa joao.a.costa ctt.pt
Segunda-Feira, 19 de Abril de 2010 - 17:18:06 WEST


Caro colega António Vilela, CT1JHQ
Excelente artigo com uma minuciosa compilação e que deveria ser publicado numa revista.

João Costa, CT1FBF

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De: cluster-bounces  radio-amador.net [mailto:cluster-bounces  radio-amador.net] Em nome de Radiophilo
Enviada: sábado, 17 de Abril de 2010 12:18
Para: Resumo Noticioso Electrónico ARLA
Assunto: ARLA/CLUSTER: Rádio Natural - Uma modalidade com pergaminhos


Chama-se vulgarmente rádio natural ao conjunto de perturbações radioeléctricas que têm origem em fenómenos da natureza, ou seja, não produzidas pelo homem. São exemplos disso os sinais gerados pelas trovoadas, auroras boreais, meteoritos, ressonâncias de Schumann, entre outros fenómenos da natureza. Muitos destes sinais têm origem terrestre mas existem também outros de origem extraterrestre, como por exemplo a famosa radiação de Júpiter.

Muitos amadores se dedicam à recepção destes sinais recorrendo para isso a receptores especiais, capazes de sintonizar frequências extremamente baixas até ao domínio das audiofrequências. Embora haja diversos motivos pelos quais alguém se possa dedicar à escuta destes sinais, é comum referir-se que alguns deles são de grande beleza musical.

Uma das dificuldades desta escuta está associada à poluição electromagnética causada pelas redes de distribuição eléctrica, que espalham a grandes distâncias e com grande intensidade campos eléctricos de 50 (ou 60) Hz, aos quais se somam múltiplas harmónicas espalhadas ao longo da gama audível, o que leva estes amadores a procurarem zonas desertas afastadas da civilização para poderem ouvir os débeis sinais da natureza.

Naquilo que foi possivelmente a primeira actividade de recepção de sinais radioeléctricos, a detecção de trovoadas feita por Popoff, este terá realizado o primeiro receptor de rádio que se conhece. Foi também no decurso destas experiências que Popoff inventa e realiza a primeira antena. Esta foi seguramente a primeira actividade de recepção de rádio natural de que há registo.

Para as suas experiências Popoff utilizou o coesor, o primeiro detector de ondas radioeléctricas com sensibilidade suficiente para poder ter aplicações práticas, inventado algum tempo antes por Branly.

Ambos estes elementos, coesor e antena, juntamente com a bobine de Ruhmkorff são vitais ao início das experiências de transmissão e recepção de sinais à distância empreendidas por Marconi no final do séc. XIX.

A rádio natural nasceu assim nos finais do século XIX antes dos sucessos de Marconi e antes da TSF propriamente dita, e pode com toda a propriedade dizer-se que é uma modalidade com pergaminhos, e precursora das radiocomunicações.

Como seria de esperar, a rádio natural não acaba com as experiências de Popoff e volta a dar que falar alguns anos mais tarde. Para além das experiências de Turpain, um outro académico francês, cabe porventura a Franck Duroquier, um radioamador influente em França no 1º quartel do séc. XX, a honra de fazer e reportar ao grande público as primeiras experiências da rádio natural utilizando detectores de semicondutor, neste caso um detector de cristal da sua própria construção. Note-se que o coesor de Branly não possuia a capacidade de detectar variações de amplitude dos sinais recebidos. Ele apenas passava do estado isolante ao estado condutor quando exposto a radiofrequência, facto que levou Branly a apelidá-lo de "radiocondutor".

Uma das aplicações actuais da rádio natural é o chamado "stormscope" ou detector de trovoadas, que existe a bordo de algumas aeronaves. É descendente do dispositivo de Popoff e encontra-se normalmente associado ao radar meteorológico. Junto com este, mostra num ecran um mapa meteorológico completo com tempestades e trovoadas, contribuindo assim para um aumento da segurança da circulação aérea.

O artigo a seguir reproduzido em tradução livre para Português, foi publicado por Franck Duroquier na revista La Nature nº 2075 de 1 de Março de 1913. É um testemunho comovente dos primeiros anos da exploração da radioelectricidade, feita em grande medida por amadores.

"A TELEGRAFIA SEM FIO E A PREVISÂO DO TEMPO

Qualquer perturbação meteorológica é invariavelmente acompanhada por uma perturbação eléctrica, susceptível de ser assinalada desde o seu início, e num raio muito alargado, pelos receptores hertzianos sensíveis às ondas parasitas que nascem do choque tempestuoso das vagas atmosféricas. Assim, uma das vantagens inesperadas da telegrafia sem fios é prestar-se ao estudo do estado eléctrico da atmosfera e fornecer informações úteis para a previsão do tempo.

Até agora, a contribuição da nova ciência tem-se limitado ao registo das trovoadas. Dispositivos de campainha eléctrica ou dispositivos registadores, baseados em coesores ou em detectores electrolíticos, funcionam na maior parte dos observatórios; cada deflagração de trovoada, ao agir à distância sobre estes aparelhos, revela-se por uma chamada sonora ou por uma deformação brusca da curva do gráfico de registo.

As informações que podem fornecer tais sistemas não são sem valor; parecem-nos no entanto, por motivo do carácter uniforme da sua manifestação, de uma utilidade muito limitada. Por outro lado, o emprego de um sinal sonoro ou de um registador gráfico exige, além de um ajuste delicado e complicado, a excitação de ondas potentes que restringe a uma sessentena de quilómetros o campo das observações meteoro-estáticas; consequentemente, o tempo de antecipação dos fenómenos anunciados é muito curto e pouco susceptível de ser aproveitado.

Um método de observação muito mais simples, mas de todo sério, é o método de escuta telefónica no qual até agora pouco se pensou e que pode fornecer, num raio de investigação imenso, informações inestimáveis.

Estudámos regularmente desta forma, ao longo de todo um ano, no nosso posto de experiência de Anché (Indre-et-Loire), os parasitas atmosféricos e impressionámo-nos pela variedade destes parasitas bem como pelo carácter específico de que se revestem de acordo com a natureza dos fenómenos atmosféricos que acompanham ou precedem.

A trovoada, o frio, a chuva, a tempestade anunciam-se nos receptores telefónicos de um posto de T.S.F. por sinais característicos fáceis de reconhecer.

Estalidos violentos são o indicador de uma trovoada vizinha que se aproxima se os estalidos se fizerem cada vez mais frequentes, que se afasta, pelo contrário, se ficarem mais espaçados ou se enfraquecerem.

Uma forte nuvem de granizo que passa perto da antena provoca nos auscultadores um ligeiro assobio induzido pela sucessão rápida das descargas entre as pedras electrizadas que se entrechocam. Quando a antena ligada a um pente pára-raios deixa escapar das pontas deste pente pequenas faíscas brancas e ruidosas, é também o indicador de um tempo favorável ao granizo.

Uma redução da temperatura, uma geada primaveril, são habitualmente precedidas de estalos secos, espaçados, bastante fracos.

Se o vento mudar, os parasitas são de pequenos comprimentos de onda e parecem contas desfiadas de um rosário.

Numerosas crepitações, às quais se misturam, a cada momento e bastante regularmente, estalidos fortes e esfuziantes, precedem as grandes depressões barométricas e anunciam a tempestade.

A aproximação da chuva, da neve ou do nevoeiro, melhorando a condutibilidade do ar e o solo, favorece as comunicações radiotelegráficas; o frio e a seca pelo contrário comprometem-nas.

Em noites muito calmas escutámos débeis parasitas cujo som recordava o choque cristalino de uma gota de água que cai no fundo de um poço; ouvimos outros cujo sopro apenas perceptível imitava um batimento de asas e outros que se assinalavam por um batimento breve e surdo no auscultador telefónico....

Existem parasitas de todas as intensidades, todos os tipos, todos os comprimentos de onda como existe uma infinidade de fenómenos meteorológicos. Os mais interessantes de conhecer não são, vê-se, os assinalados pelos coesores, mas aqueles claramente caracterizados que revelam os detectores sensíveis. Descobrimos com o nosso detector de cristais F.D múltiplas variedades curiosas impossíveis de surpreender com o melhor electrolítico.

Seria sem dúvida temerário estabelecer sobre os nossos dados solitários uma tabela de previsão do tempo, mas persuadimo-nos que o estudo continuado das perturbações eléctricas da atmosfera conduziria à uma meteorologia previdente e que prognósticos certeiros poderiam ser tirados de observações gerais judiciosamente ordenadas. O Estado, que favoreceu para o maior beneficio da agricultura do comércio e da navegação o estabelecimento de estações meteorológicas, não deverá desinteressar-se de organizar em breve nestes estabelecimentos um serviço de estudos aerológicos que utilizem a T.S.F. (1).

O material necessário seria pouco dispendioso e sempre fácil de instalar; o método de observações poderia ser muito simples e o serviço das estações não seria minimamente sobrecarregado.

Cada observatório deveria ser dotado de um pequeno posto receptor de T.S.F. utilizando com um detector muito sensível uma montagem em directo e uma montagem indutiva.

O colector de ondas é constituído por uma grelha orientada feita de três fios de cobre estanhado de vinte décimos de diâmetro, distantes de 1 m. 50, colocados à 12 ou 15 m. de altura.

Estes dados não são absolutos; mas múltiplos ensaios comparativos demonstraram-nos que eram os mais favoráveis; uma antena mais pequena não tem um raio de acção suficiente para previsões a longo prazo, uma antena maior recolhe demasiado copiosamente os parasitas; quanto à questão da orientação, é capital, porque importa que os parasitas se diferenciem pela sua eficácia segundo a sua direcção de origem.

As observações são feitas vantajosamente três vezes por dia: a manhã às 6 horas e às 11 horas, e a noite às 9 horas.

Elas incluiriam:

a) Utilização da montagem em directo: 1° sobre o estado eléctrico da atmosfera (calmo ou perturbado); 2º sobre o carácter específico das ondas parasitas (fortes, fracas, curtas, esfuziantes, crepitantes, isoladas, agrupadas, etc., etc.).

b) Utilização da montagem indutiva: 1° sobre o comprimento de onda dos parasitas mais numerosos; 2º sobre o valor da recepção das emissões radiotelegráficas e particularmente as emissões ditas "musicais". Esta observação, sempre possível à noite, visaria de preferência uma emissão fraca bastante familiar.

Não duvidamos que em aproximando os registos destas diversas observações dos boletins meteorológicos comuns, não se perceba desde logo uma relação estreita entre uns e outros, relação de causa e efeito, de acordo com a qual se poderá elaborar uma nova ciência muito precisa da previsão do tempo.

O Estado não pensará que uma experiência tão simples, mas recheada talvez de vantagens inapreciáveis, merece ser tentada?

Franck Duroquier.

1. As Escolas normais de mestres-escola onde funciona já um serviço meteorológico muito bem compreendido , parecem-nos muito talhadas para experimentar o novo método. - F.D."

Mais informações, detalhe e projectos sobre rádio natural podem ser encontrados em várias páginas espalhadas pela internet, entre as quais:

Altair's Natural Radio Projects<http://www.altair.org/natradio.html>

Natural VLF Radio - Sounds of Space Weather - The Music of the Magnetosphere<http://www.auroralchorus.com/>

RADIO WAVES below 22 kHz<http://www.vlf.it/>

Live VLF Natural Radio<http://abelian.org/vlf/>

NASA online VLF receiver:<http://spaceweather.com/glossary/inspire.html>


Cumprimentos,
António Vilela
CT1JHQ
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