Re: ARLA/CLUSTER: Rádio Natural - Uma modalidade com pergaminhos

Radiophilo radiophilo gmail.com
Terça-Feira, 20 de Abril de 2010 - 16:41:13 WEST


Caro João Costa,

Obrigado pelo comentário. Realmente a história da rádio é um dos meus temas
favoritos.
Em particular a questão agora lançada pela ARAM "Quem inventou a rádio?" é
um clássico muitíssimo interessante. Vamos ver o que resulta desta dscussão.

Cumprimentos,
António Vilela,
CT1JHQ

2010/4/19 João Gonçalves Costa <joao.a.costa  ctt.pt>

>  Caro colega António Vilela, CT1JHQ
> Excelente artigo com uma minuciosa compilação e que deveria ser publicado
> numa revista.
>
> João Costa, CT1FBF
>
>  ------------------------------
> *De:* cluster-bounces  radio-amador.net [mailto:
> cluster-bounces  radio-amador.net] *Em nome de *Radiophilo
> *Enviada:* sábado, 17 de Abril de 2010 12:18
> *Para:* Resumo Noticioso Electrónico ARLA
> *Assunto:* ARLA/CLUSTER: Rádio Natural – Uma modalidade com pergaminhos
>
>  Chama-se vulgarmente rádio natural ao conjunto de perturbações
> radioeléctricas que têm origem em fenómenos da natureza, ou seja, não
> produzidas pelo homem. São exemplos disso os sinais gerados pelas trovoadas,
> auroras boreais, meteoritos, ressonâncias de Schumann, entre outros
> fenómenos da natureza. Muitos destes sinais têm origem terrestre mas existem
> também outros de origem extraterrestre, como por exemplo a famosa radiação
> de Júpiter.
>
> Muitos amadores se dedicam à recepção destes sinais recorrendo para isso a
> receptores especiais, capazes de sintonizar frequências extremamente baixas
> até ao domínio das audiofrequências. Embora haja diversos motivos pelos
> quais alguém se possa dedicar à escuta destes sinais, é comum referir-se que
> alguns deles são de grande beleza musical.
>
> Uma das dificuldades desta escuta está associada à poluição
> electromagnética causada pelas redes de distribuição eléctrica, que espalham
> a grandes distâncias e com grande intensidade campos eléctricos de 50 (ou
> 60) Hz, aos quais se somam múltiplas harmónicas espalhadas ao longo da gama
> audível, o que leva estes amadores a procurarem zonas desertas afastadas da
> civilização para poderem ouvir os débeis sinais da natureza.
>
> Naquilo que foi possivelmente a primeira actividade de recepção de sinais
> radioeléctricos, a detecção de trovoadas feita por Popoff, este terá
> realizado o primeiro receptor de rádio que se conhece. Foi também no decurso
> destas experiências que Popoff inventa e realiza a primeira antena. Esta
> foi seguramente a primeira actividade de recepção de rádio natural de que há
> registo.
>
> Para as suas experiências Popoff utilizou o coesor, o primeiro detector de
> ondas radioeléctricas com sensibilidade suficiente para poder ter aplicações
> práticas, inventado algum tempo antes por Branly.
>
> Ambos estes elementos, coesor e antena, juntamente com a bobine de
> Ruhmkorff são vitais ao início das experiências de transmissão e recepção de
> sinais à distância empreendidas por Marconi no final do séc. XIX.
>
> A rádio natural nasceu assim nos finais do século XIX antes dos sucessos de
> Marconi e antes da TSF propriamente dita, e pode com toda a propriedade
> dizer-se que é uma modalidade com pergaminhos, e precursora das
> radiocomunicações.
>
> Como seria de esperar, a rádio natural não acaba com as experiências de
> Popoff e volta a dar que falar alguns anos mais tarde. Para além das
> experiências de Turpain, um outro académico francês, cabe porventura a
> Franck Duroquier, um radioamador influente em França no 1º quartel do séc.
> XX, a honra de fazer e reportar ao grande público as primeiras experiências
> da rádio natural utilizando detectores de semicondutor, neste caso um
> detector de cristal da sua própria construção. Note-se que o coesor de
> Branly não possuia a capacidade de detectar variações de amplitude dos
> sinais recebidos. Ele apenas passava do estado isolante ao estado condutor
> quando exposto a radiofrequência, facto que levou Branly a apelidá-lo de
> "radiocondutor".
>
> Uma das aplicações actuais da rádio natural é o chamado “stormscope” ou
> detector de trovoadas, que existe a bordo de algumas aeronaves. É
> descendente do dispositivo de Popoff e encontra-se normalmente associado ao
> radar meteorológico. Junto com este, mostra num ecran um mapa meteorológico
> completo com tempestades e trovoadas, contribuindo assim para um aumento da
> segurança da circulação aérea.
>
> O artigo a seguir reproduzido em tradução livre para Português, foi
> publicado por Franck Duroquier na revista La Nature nº 2075 de 1 de Março de
> 1913. É um testemunho comovente dos primeiros anos da exploração da
> radioelectricidade, feita em grande medida por amadores.
>
> “A TELEGRAFIA SEM FIO E A PREVISÂO DO TEMPO
>
> Qualquer perturbação meteorológica é invariavelmente acompanhada por uma
> perturbação eléctrica, susceptível de ser assinalada desde o seu início, e
> num raio muito alargado, pelos receptores hertzianos sensíveis às ondas
> parasitas que nascem do choque tempestuoso das vagas atmosféricas. Assim,
> uma das vantagens inesperadas da telegrafia sem fios é prestar-se ao estudo
> do estado eléctrico da atmosfera e fornecer informações úteis para a
> previsão do tempo.
>
> Até agora, a contribuição da nova ciência tem-se limitado ao registo das
> trovoadas. Dispositivos de campainha eléctrica ou dispositivos registadores,
> baseados em coesores ou em detectores electrolíticos, funcionam na maior
> parte dos observatórios; cada deflagração de trovoada, ao agir à distância
> sobre estes aparelhos, revela-se por uma chamada sonora ou por uma
> deformação brusca da curva do gráfico de registo.
>
> As informações que podem fornecer tais sistemas não são sem valor;
> parecem-nos no entanto, por motivo do carácter uniforme da sua manifestação,
> de uma utilidade muito limitada. Por outro lado, o emprego de um sinal
> sonoro ou de um registador gráfico exige, além de um ajuste delicado e
> complicado, a excitação de ondas potentes que restringe a uma sessentena de
> quilómetros o campo das observações meteoro-estáticas; consequentemente, o
> tempo de antecipação dos fenómenos anunciados é muito curto e pouco
> susceptível de ser aproveitado.
>
> Um método de observação muito mais simples, mas de todo sério, é o método
> de escuta telefónica no qual até agora pouco se pensou e que pode fornecer,
> num raio de investigação imenso, informações inestimáveis.
>
> Estudámos regularmente desta forma, ao longo de todo um ano, no nosso posto
> de experiência de Anché (Indre-et-Loire), os parasitas atmosféricos e
> impressionámo-nos pela variedade destes parasitas bem como pelo carácter
> específico de que se revestem de acordo com a natureza dos fenómenos
> atmosféricos que acompanham ou precedem.
>
> A trovoada, o frio, a chuva, a tempestade anunciam-se nos receptores
> telefónicos de um posto de T.S.F. por sinais característicos fáceis de
> reconhecer.
>
> Estalidos violentos são o indicador de uma trovoada vizinha que se aproxima
> se os estalidos se fizerem cada vez mais frequentes, que se afasta, pelo
> contrário, se ficarem mais espaçados ou se enfraquecerem.
>
> Uma forte nuvem de granizo que passa perto da antena provoca nos
> auscultadores um ligeiro assobio induzido pela sucessão rápida das descargas
> entre as pedras electrizadas que se entrechocam. Quando a antena ligada a um
> pente pára-raios deixa escapar das pontas deste pente pequenas faíscas
> brancas e ruidosas, é também o indicador de um tempo favorável ao granizo.
>
> Uma redução da temperatura, uma geada primaveril, são habitualmente
> precedidas de estalos secos, espaçados, bastante fracos.
>
> Se o vento mudar, os parasitas são de pequenos comprimentos de onda e
> parecem contas desfiadas de um rosário.
>
> Numerosas crepitações, às quais se misturam, a cada momento e bastante
> regularmente, estalidos fortes e esfuziantes, precedem as grandes depressões
> barométricas e anunciam a tempestade.
>
> A aproximação da chuva, da neve ou do nevoeiro, melhorando a
> condutibilidade do ar e o solo, favorece as comunicações radiotelegráficas;
> o frio e a seca pelo contrário comprometem-nas.
>
> Em noites muito calmas escutámos débeis parasitas cujo som recordava o
> choque cristalino de uma gota de água que cai no fundo de um poço; ouvimos
> outros cujo sopro apenas perceptível imitava um batimento de asas e outros
> que se assinalavam por um batimento breve e surdo no auscultador
> telefónico….
>
> Existem parasitas de todas as intensidades, todos os tipos, todos os
> comprimentos de onda como existe uma infinidade de fenómenos meteorológicos.
> Os mais interessantes de conhecer não são, vê-se, os assinalados pelos
> coesores, mas aqueles claramente caracterizados que revelam os detectores
> sensíveis. Descobrimos com o nosso detector de cristais F.D múltiplas
> variedades curiosas impossíveis de surpreender com o melhor electrolítico.
>
> Seria sem dúvida temerário estabelecer sobre os nossos dados solitários uma
> tabela de previsão do tempo, mas persuadimo-nos que o estudo continuado das
> perturbações eléctricas da atmosfera conduziria à uma meteorologia
> previdente e que prognósticos certeiros poderiam ser tirados de observações
> gerais judiciosamente ordenadas. O Estado, que favoreceu para o maior
> beneficio da agricultura do comércio e da navegação o estabelecimento de
> estações meteorológicas, não deverá desinteressar-se de organizar em breve
> nestes estabelecimentos um serviço de estudos aerológicos que utilizem a
> T.S.F. (1).
>
> O material necessário seria pouco dispendioso e sempre fácil de instalar; o
> método de observações poderia ser muito simples e o serviço das estações não
> seria minimamente sobrecarregado.
>
> Cada observatório deveria ser dotado de um pequeno posto receptor de T.S.F.
> utilizando com um detector muito sensível uma montagem em directo e uma
> montagem indutiva.
>
> O colector de ondas é constituído por uma grelha orientada feita de três
> fios de cobre estanhado de vinte décimos de diâmetro, distantes de 1 m. 50,
> colocados à 12 ou 15 m. de altura.
>
> Estes dados não são absolutos; mas múltiplos ensaios comparativos
> demonstraram-nos que eram os mais favoráveis; uma antena mais pequena não
> tem um raio de acção suficiente para previsões a longo prazo, uma antena
> maior recolhe demasiado copiosamente os parasitas; quanto à questão da
> orientação, é capital, porque importa que os parasitas se diferenciem pela
> sua eficácia segundo a sua direcção de origem.
>
> As observações são feitas vantajosamente três vezes por dia: a manhã às 6
> horas e às 11 horas, e a noite às 9 horas.
>
> Elas incluiriam:
>
> a) Utilização da montagem em directo: 1° sobre o estado eléctrico da
> atmosfera (calmo ou perturbado); 2º sobre o carácter específico das ondas
> parasitas (fortes, fracas, curtas, esfuziantes, crepitantes, isoladas,
> agrupadas, etc., etc.).
>
> b) Utilização da montagem indutiva: 1° sobre o comprimento de onda dos
> parasitas mais numerosos; 2º sobre o valor da recepção das emissões
> radiotelegráficas e particularmente as emissões ditas “musicais”. Esta
> observação, sempre possível à noite, visaria de preferência uma emissão
> fraca bastante familiar.
>
> Não duvidamos que em aproximando os registos destas diversas observações
> dos boletins meteorológicos comuns, não se perceba desde logo uma relação
> estreita entre uns e outros, relação de causa e efeito, de acordo com a qual
> se poderá elaborar uma nova ciência muito precisa da previsão do tempo.
>
> O Estado não pensará que uma experiência tão simples, mas recheada talvez
> de vantagens inapreciáveis, merece ser tentada?
>
> Franck Duroquier.
>
> 1. As Escolas normais de mestres-escola onde funciona já um serviço
> meteorológico muito bem compreendido , parecem-nos muito talhadas para
> experimentar o novo método. - F.D.”
>
> Mais informações, detalhe e projectos sobre rádio natural podem ser
> encontrados em várias páginas espalhadas pela internet, entre as quais:
>
> Altair's Natural Radio Projects <http://www.altair.org/natradio.html>
>
> Natural VLF Radio - Sounds of Space Weather - The Music of the
> Magnetosphere <http://www.auroralchorus.com/>
>
> RADIO WAVES below 22 kHz <http://www.vlf.it/>
>
> Live VLF Natural Radio <http://abelian.org/vlf/>
>
> NASA online VLF receiver: <http://spaceweather.com/glossary/inspire.html>
>
>
> Cumprimentos,
> António Vilela
> CT1JHQ
>
> _______________________________________________
> CLUSTER mailing list
> CLUSTER  radio-amador.net
> http://radio-amador.net/cgi-bin/mailman/listinfo/cluster
>
>
-------------- próxima parte ----------
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