ARLA/CLUSTER: Morreu Rafael Correia, o algarvio que foi o criador e a voz do mítico programa “Lugar ao Sul”, da Antena 1.
João Costa > CT1FBF
ct1fbf gmail.com
Sexta-Feira, 6 de Março de 2020 - 18:50:37 WET
Tive o enorme prazer de chegar a conhecer pessoalmente e por duas
vezes, o Rafael Correia, aquando da realização das suas reportagens, e
que foi cognominado por alguns como "o eremita da rádio", só ele e o
seu gravador, que para mim foi a par com o trabalho do Michel
Giacometti, quem deu a conhecer através da RDP a verdadeira alma da
Música Regional Portuguesa.
Subscrevo inteiramente a afirmação do Adelino Gomes, que considerou o
“Lugar ao Sul” «o mais belo programa da rádio jamais feito sobre a
terra, as gentes, os costumes, a cultura do Sul do continente
português».
Sim, o Rafael Correia merecia em vida uma condecoração no dia 10 de
Junho do Presidente Marcelo pelo seu magnifico trabalho.
Amanhã e Domingo, a partir das 21:00 a Antena 1, retransmite alguns
dos programas “Lugar ao Sul” numa sentida homenagem a este grande
senhor da radio. Leiam, mais abaixo, um olhar da Fernanda Câncio sobre
o Rafael Correia, que quanto a mim descreve muito bem o homem que
conheci durante algumas horas.
Aqui, na RTP Play em:
https://www.rtp.pt/play/p650/lugar-ao-sul-reedicao tem disponíveis 93
episódios do programa Lugar Ao Sul (Reedição), muito embora tivesse a
ideia que o seu acervo pessoal seria muitissimo maior.
João Costa (CT1FBF)
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Rafael Correia, morreu esta sexta-feira, 6 de Março, aos 82 anos, em
Faro, vítima de doença prolongada.
Reformado desde 2008, Rafael Correia fez, durante longas décadas, o
programa “Lugar ao Sul”, um espaço de recolha – e divulgação – da
cultura popular, não só do Algarve, como do Alentejo. Nele cabiam as
tradições, as músicas e as gentes: no fundo, aquilo que conferia
identidade a um território.
Numa crónica publicada no Diário de Notícias, aquando do fim do
programa, em 2008, a jornalista Fernanda Câncio deu a conhecer a
maneira peculiar de trabalhar de Rafael Correia:
«Passou décadas a percorrer o país à procura de pessoas, vozes,
histórias, canções, usos e ofícios. A maior parte das vezes só, só ele
e o seu gravador, só ele e o equipamento de som. Fez da solidão uma
espécie de missão, talvez mesmo de fé. Dizem os colegas e os que o
chefiaram que também no estúdio, a montar o programa, se fechava
horas, só ele e o seu material».
Para o histórico jornalista Adelino Gomes, o “Lugar ao Sul” foi mesmo
«o mais belo programa da rádio jamais feito sobre a terra, as gentes,
os costumes, a cultura do Sul do continente português».
Mesmo já tendo terminado há mais de 10 anos, numa suspensão polémica,
este programa continua na memória de muitos ouvintes.
Disso mesmo deu conta João Paulo Guerra, hoje, aos microfones da
Antena1. «Ainda hoje há ouvintes a escreverem para o provedor do
ouvinte, a perguntar quando regressa o “Lugar ao Sul” e o Rafael
Correia», disse o provedor do ouvinte.
Entre os muitos prémios que recebeu ao longo da sua vida, Rafael
Correia, natural de Santa Bárbara de Nexe (Faro), foi agraciado, em
1994, com Prémio de Comunicação Social da Região de Turismo do
Algarve.
As cerimónias fúnebres decorrem este domingo, 8 de Março, na Igreja de
São Luís, em Faro.
Fonte: Pedro Lemos in Sul Informação
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Um olhar de Fernanda Câncio sobre o Rafael Correia.
«Durante quase 30 anos, fez na RDP o programa "Lugar ao Sul". Ganhou
uma legião de fiéis e um lugar único na história da rádio portuguesa,
que chegou este Verão (setembro de 2009) ao fim.
Retrato difícil de um homem secreto com um talento precioso, o de
ouvir e fazer falar. E o de perder tempo.
Passou décadas a percorrer o país à procura de pessoas, vozes,
histórias, canções, usos e ofícios. A maior parte das vezes só, só ele
e o seu gravador, só ele e o equipamento de som. Fez da solidão uma
espécie de missão, talvez mesmo de fé.
Dizem os colegas e os que o chefiaram que também no estúdio, a montar
o programa, se fechava horas, só ele e o seu material, "numa espécie
de missa".
Fazia tudo sozinho, desde conduzir o carro ao resto. Era um trabalho
de paixão, chegou a meter dinheiro dele para fazer aquilo. Noel
Cardoso, chefe de produção da RDP Sul, não se poupa no retrato.
Tinha uma aptidão extraordinária para descobrir assuntos e pessoas. E
era incrível a pôr gente a falar, mesmo a mais rural e fechada. Tinha
essa habilidade. Nunca queria falar com os ‘conhecidos’, perdia muito
tempo a procurar. Era o ‘Portugal profundo’ – a gente do artesanato,
das lendas, das canções de trabalho... E fazia três horas de gravação
para aproveitar vinte minutos.
A ideia do "Lugar ao Sul" ter-lhe-ia surgido, diz Noel Cardoso, depois
de uma estada em França, a partir de algo de semelhante que lá ouviu.
Verdade é que programas parecidos chegaram a existir em Portugal,
antes e durante, mas ninguém contesta a superioridade do de Rafael.
Ganhou quase tudo o que havia para ganhar em rádio, em termos de
prémios e galardões, garante o director de produção da RDP.
Apesar de tantas distinções, recusava quase sempre entrevistas. Fotos,
impossível: o mais que se encontra é uma coisa tipo passe, de há muito
tempo. O telefone de casa toca, sem ninguém atender; de telemóvel
ninguém lhe ouviu falar. A vida fora da rádio e do programa é um
mistério: autodidacta como sétimo ano "antigo" (actual 11.°); uma
mulher e uma filha, talvez; uma casa em Faro; a passagem por um banco
e por explicações de inglês, a entrada na Emissora Nacional como
jornalista, a passagem a realizador, a ida para França, alguns dizem
que "por causa de uma paixão", o regresso e o início, há 29 anos, do
"Lugar ao Sul".
Ele não fala com ninguém, o problema é esse, lamenta Noel Cardoso. E
não fala do programa dele: ‘Quem quiser falar do programa oiça e fale,
eu não falo’.
O programa, de duas horas, era semanal, ao sábado. Ouvintes
referiam-se, em cartas para a RDP, ao autor como "parte da família" e
quando o "Lugar ao Sul" passou, recentemente, para metade do tempo
choveram protestos e temores, o de que fosse a antecâmara do fim. Um
temor de que o próprio, adianta João Coelho, director da Antena 1 da
RDP, de 1996 a 2002, padecia. Passava a vida a achar que lhe iam
acabar com o programa. De cada vez que eu pedia para falar com ele,
vinha convencido que era dessa. É preciso perceber que quando o
conheci, nos anos 80, era o tempo da rádio do ‘disc jockey’ e ele era
tudo ao contrário disso: levava muito tempo a fazer as coisas, e
fazia-as de uma certa maneira. Sofria muito com a mediania dos quadros
intermédios, o que terá criado nele um bocado o sentido da
perseguição.
Que terá nascido primeiro, o isolamento ou a solidão? Que terá feito
de Rafael Correia o "bicho-do-mato", na expressão de João Coelho, que
tantos sublinham? Aquilo que lhe posso dizer do Rafael Correia é que é
uma pessoa muito tímida, muito introvertida, muito individualista. Mas
conseguia-se sempre colocar no patamar sintáctico, cultural, dos seus
interlocutores, fossem quem fossem. Tem um talento muito invulgar. E
recolheu um mosaico interessantíssimo do País, diz José Manuel Nunes,
director da RDP, de 1984 a 1991, e presidente do respectivo Conselho
de Administração, de 1995 a 2002.
Um colega da RDP de Faro prossegue o desenho: É uma pessoa de poucas
falas, muito fechada, de feitio um pouco difícil. Recusava até os
contactos dos ouvintes e das pessoas que entrevistara. Elas ligavam
para a RDP e ele não as atendia.
Confere com o testemunho de Álvaro José Ferreira, um dos maiores
admiradores do programa "Lugar ao Sul" e do seu autor. Quando o e-mail
dele da RDP estava activo, o que sucedeu até Junho passado, cheguei a
enviar-lhe várias mensagens, quer para pedir informações sobre temas
musicais que passava no programa quer para lhe sugerir pessoas a
visitar, mas nunca tive a sorte de obter uma resposta, apesar de saber
que teve em consideração algumas das sugestões que lhe fiz.
Criador de um "grupo de amigos do LUGAR AO SUL" no MySpace
(http://www.myspace.com/lugaraosul) e detentor de um blogue sobre
rádio (http://nossaradio.blogspot.com/), Álvaro Ferreira reproduziu
neste último uma longa exortação a várias entidades (a começar pelo
Presidente da República e a acabar no Provedor do Ouvinte da RDP) na
qual, com o título "Lugar ao Sul": um programa-património, enumera não
só as qualidades do mesmo e os prémios e distinções de que foi alvo
como cita vários elogios de académicos e ouvintes para, finalmente,
secundar Adelino Gomes, actual Provedor da RDP, no repto à
administração da RDP para a edição discográfica "do melhor desse
inestimável acervo", sugerindo também a colocação on-line do espólio
do programa. Mas não fica por aqui: propõe a realização de uma
homenagem nacional a Rafael Correia, "talvez no Coliseu dos Recreios".
João Coelho pega na ideia. Fazia-me sentido que ele recebesse uma
condecoração no 10 de Junho. Se alguém merece, é ele." À falta, claro,
do que fazia sentido a toda a gente que não passava sem o "Lugar ao
Sul" — que continuasse.
Aos 72 anos, porém, após a reforma obrigatória e já com contratos a
termo certo (um expediente que a RDP utiliza para manter ao serviço
aqueles que assim o desejam) Rafael Correia terá desistido. A
explicação que mais colhe é a de ter sido convocado para uma nova
formação tecnológica - é a justificação que Feliciano Estêvão, o
director da RDP Sul, adianta.
Ele não gostava nada de ter de lidar com novos equipamentos, resistia
sempre muito, lembra José Manuel Nunes. João Coelho encolhe os ombros:
Às vezes isso é não saber lidar com as pessoas. Não que eu defenda um
registo de excepção, mas... Enfim, presumo que ele tenha resolvido
fazer um real manguito.
Fernanda Câncio, in "Diário de Notícias", 26.09.2009
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Segundo o blog, " A Defesa de Faro": De acordo com informações
facultadas por fontes internas da própria RDP (insuspeitas), Rafael
Correia foi empurrado para a reforma, contra sua vontade, sendo que a
sua alegada "desistência" em meados de 2009 se prendeu, entre outras
desconsiderações, com o abstruso vínculo contratual que lhe foi
proposto como condição ‘sine qua non’ para a continuação do programa.
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