ARLA/CLUSTER: Estrela Betelgeuse: Podemos estar à beira de observarmos uma supernova no nosso céu, com uma luminosidade semelhante à da Lua
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Quarta-Feira, 15 de Janeiro de 2020 - 10:23:19 WET
Os novos mensageiros do universo
LUÍS OLIVEIRA E SILVA 14/01/2020 09:24
Professor catedrático do Departamento de Física
Presidente do Conselho Científico Instituto Superior Técnico
web: http://web.tecnico.ulisboa.pt/luis.silva/
twitter: @luis_os
Não admira que a muito pequena probabilidade de estarmos quase a
observar uma supernova esteja a causar tanta excitação.
Uma das estrelas mais brilhantes no nosso céu, Betelgeuse, está a
diminuir de intensidade luminosa, tendo descido de décima estrela para
a 23.a estrela mais brilhante que observamos a partir da Terra. Esta
diminuição abrupta pode ser o prenúncio de uma supernova, uma
espetacular explosão e um evento astronómico de características
únicas. Muitos cientistas atribuem esta variação da intensidade
luminosa da estrela a outros fatores, não prevendo para já a
transformação desta gigante vermelha numa supernova, algo que deverá
acontecer nos próximos 100 mil anos. No entanto, a perspetiva de
observarmos uma supernova no nosso céu, com uma luminosidade
semelhante à da Lua, é demasiado excitante, tendo a evolução desta
estrela chegado até às páginas dos média generalistas [1].
Dada a facilidade da sua observação na constelação de Orion, esta
estrela tem sido estudada desde a Antiguidade. Existem registos da
alteração da sua cor e da variação da sua luminosidade ao longo do
tempo, e estudos recentes permitiram até determinar a sua velocidade
através do espaço interestelar e observar as ondas de choque que são
geradas à sua passagem. Toda a informação que recolhemos desta
estrela, assim como da generalidade dos objetos fora do nosso sistema
solar, chega-nos através da luz que emite, que funciona como principal
mensageira das estrelas. E se as primeiras “mensagens” de Betelgeuse
foram “recebidas” a olho nu e, depois, com telescópios que recolhem a
luz visível, atualmente, os astrónomos observam a luz das estrelas com
telescópios capazes de capturar a luz com diferentes comprimentos de
onda invisíveis, das ondas rádio e radiação infravermelha aos raios-x
e até raios gama. Da análise da luz recebida conseguimos inferir,
recorrendo à física, os elementos químicos que compõem as estrelas, o
tipo de estrela e o seu estado de evolução ou tempo de vida, a
distância à Terra, a sua velocidade, entre muitas outras propriedades
das estrelas e do universo.
Betelgeuse está a “apenas” 640 anos-luz de distância, ou seja, a luz
que estamos agora a receber foi enviada pela estrela no reinado de D.
Fernando. A supernova mais recente na nossa galáxia, observada a olho
nu, também conhecida como Supernova de Kepler, remonta a 1604 e estava
a uma distância muito maior, cerca de 20 mil anos-luz. A proximidade
de Betelgeuse promete, assim, não só um evento muito raro e mil vezes
mais espetacular do que a Supernova de Kepler, mas também uma
excecional oportunidade para compreendermos estas explosões em
detalhe. Temos agora ao nosso dispor telescópios com características
técnicas únicas para compreender e analisar a luz das estrelas, mas
também temos à nossa disposição detetores capazes de identificar
outros mensageiros do universo, como outras partículas elementares ou
ondas gravitacionais.
Nos últimos anos temos assistido a muitos resultados com ondas
gravitacionais, geradas nas colisões entre buracos negros e/ou
estrelas de neutrões. No caso de supernovas, será provavelmente muito
difícil, com os atuais detetores de ondas gravitacionais, medir o
sinal das ondas gravitacionais geradas na explosão. No entanto, há
outros mensageiros igualmente esquivos e difíceis de detetar que são
produzidos nestas explosões e que, combinados com a informação trazida
pela luz, podem esclarecer muitas questões que existem ainda sobre as
supernovas.
Numa supernova, apenas 1% da energia da explosão é luz. Os restantes
99% da energia da explosão são libertados num flash de dez segundos de
neutrinos. Estas partículas elementares, sem carga elétrica, são os
mensageiros perfeitos. Quase não interagem com a matéria e apenas
através da “força fraca”, e têm uma massa muito pequena. Somos
permanentemente atravessados por neutrinos com origem no Sol que
atravessam toda a Terra quase sem serem perturbados. Da mesma maneira,
os neutrinos da supernova Betelgeuse atravessarão a distância da
estrela à Terra sem se desviar até serem capturados nos detetores de
neutrinos que já estão instalados. Como são de muito difícil deteção,
precisamos de muitos neutrinos, como os produzidos numa supernova,
para detetarmos alguns. Uma supernova na nossa galáxia, como
Betelgeuse, poderá conduzir à deteção de vários milhares de neutrinos
num único detetor na Terra. Por exemplo, na supernova detetada em 1987
(SN 1987A), com origem numa galáxia próxima, foram medidos apenas 25
neutrinos em três detetores.
Não admira, portanto, que a muito pequena probabilidade de estarmos
quase a observar uma supernova esteja a causar tanta excitação.
Podemos estar à beira de um espetáculo verdadeiramente raro e
literalmente de proporções cósmicas que todos conseguiremos observar
no nosso céu. Será também uma oportunidade única para detetar e
estudar em detalhe os novos mensageiros que estão a transformar a
forma como compreendemos e conhecemos o universo.
[1] O artigo do New York Times é uma excelente síntese
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