ARLA/CLUSTER: Bougainville: Um novo país a nascer nas ilhas do Pacifico, entre a Papua Nova Guiné e as Ilhas Salomão

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Sexta-Feira, 13 de Dezembro de 2019 - 10:16:29 WET


Bougainville: a ilha com nome de flor votou para ser independente
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dn.pt

O próximo país independente poderá nascer no mar de Salomão, nos confins do
oceano Pacífico. A  Região Autónoma de Bougainville, onde vivem cerca de
300 mil pessoas, votou num referendo que estava a ser desenhado há quase 20
anos e que tem como objetivo tornar-se independente da Papua Nova Guiné.

Para trás ficou uma década de guerra civil, entre o Exército Revolucionário
de Bougainville e as autoridades papuas. O conflito que estava latente
desde finais dos anos 1960 rebentou em 1988, tendo como pano de fundo os
lucros da grande mina a céu aberto de ouro e cobre de Panguna, e só acabou
em 1998. Pelo meio, deixou a antiga capital Arawa em escombros (a atual
capital é Buka, mas há planos para voltar a Arawa) e terão morrido entre
dez mil a vinte mil pessoas.

O acordo de paz que foi negociado ao longo de dois anos com o apoio da
Austrália e da Nova Zelândia e foi assinado em 2001 incluía a eleição de um
governo para a região autónoma (o que acontece desde 2005), a entrega e
destruição das armas (que ainda continua) e um referendo que teria que ser
realizado, no máximo, até junho de 2020, tendo este sido adiado em duas
ocasiões.
[image: Os habitantes de Bougainville celebram a assinatura do cessar-fogo,
após nove anos de guerra civil.]Os habitantes de Bougainville celebram a
assinatura do cessar-fogo, após nove anos de guerra civil.

O referendo inclui duas possibilidades: maior autonomia ou a independência.
Estima-se que haja uma clara maioria de eleitores (dois terços ou mais de
um total de 206 mil) que opte por esta última opção. "Tal deve-se a um
conjunto de fatores: o seu antigo sentimento de identidade étnica separada
da Papua Nova Guiné, animosidade residual após anos de guerra e uma
sensação de falhanço do atual modelo de economia e reservas sobre o seu
futuro como parte da Papua Nova Guiné", lê-se num relatório de outubro do
Lowy Institute
<https://www.lowyinstitute.org/publications/bougainville-referendum-and-beyond>
.

A votação prolongou-se até 7 de dezembro (90% da população vive em zonas
rurais e metade é analfabeta, resultado dos longos anos de guerra que
impediram muitos de ir às aulas), sendo o resultado conhecido duas semanas
depois.

Mas o acordo de paz não previa que o referendo fosse vinculativo, sendo
necessária a luz verde do Parlamento da Papua Nova Guiné. E é aí que surgem
os problemas, havendo quem duvide que Bougainville tenha recursos para ser
um país independente (economicamente está ainda muito dependente), sendo
necessária uma negociação entre o governo papua e os líderes de
Bougainville.
[image: O primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, Mekere Morauta, recebe o
acordo de paz de Bougainville em Arawa, a 30 de agosto de 2001. Ao seu lado
está o líder do Congresso Popular de Bougainville, Joseph Kabui]O
primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, Mekere Morauta, recebe o acordo de
paz de Bougainville em Arawa, a 30 de agosto de 2001. Ao seu lado está o
líder do Congresso Popular de Bougainville, Joseph Kabui

Em setembro, o primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, James Marape, visitou
a província e prometeu o apoio total ao processo de referendo, defendendo a
necessidade de este decorrer em segurança. Mas a verdade é que a
independência ainda pode demorar anos.

"Tal como todos os outros passos desde o final do conflito sangrento, a
jornada vai continuar a precisar de tempo, paciência e de um compromisso
inabalável na paz por meios pacíficos. Também vai precisar do apoio
contínuo da comunidade internacional à medida que os dois governos
conversam, procuram compromissos e alcançam um consenso"; escreveu no *The
Guardian* Bernie Ahern
<https://www.theguardian.com/world/commentisfree/2019/nov/21/peace-agreements-normally-fail-within-five-years-bougainville-is-a-lesson-to-us-all>,
que foi primeiro-ministro da Irlanda entre 1997 e 2008 e é o
presidente da comissão
responsável pelo referendo. <http://bougainville-referendum.org/>
A ilha que partilha o nome com uma flor

Se ao ler Bougainville pensou nas buganvílias, não andou longe. A flor não
é nativa da ilha, mas o nome de ambas tem a mesma origem: o almirante da
marinha francesa Louis Antoine de Bougainville, que nas suas expedições
andou por esta zona do Pacífico. A flor é nativa da América do Sul, tendo
sido descrita pela primeira vez pelo botânico europeu Philibert Commerçon,
que acompanhou Bougainville na sua viagem científica de circum-navegação da
Terra em 1763.

Formada por 168 ilhas (a maior é Bougainville), a Região Autónoma fica
geograficamente localizada na continuação do arquipélago das Ilhas Salomão
(de facto era anteriormente a província de Salomão do Norte). Mas,
politicamente, é uma província da Papua Nova Guiné (a 700 quilómetros para
Oeste) desde a independência deste país da Austrália, em 1975.

Habitada há quase 30 mil anos, o primeiro europeu a ter contacto com os
habitantes da atual Região Autónoma de Bougainville foi o almirante francês
que deu o seu nome à principal ilha. Mas os franceses não ficaram lá. O
arquipélago acabaria sob o controlo da Nova Guiné Alemã em 1885, passando
para a influência australiana em 1914, na I Guerra Mundial.

Ocupada pelos japoneses na II Guerra Mundial, Bougainville foi palco de
intensos combates com as forças aliadas, estimando-se que um quarto da
população indígena tenha morrido. Os australianos voltaram a ficar com o
controlo depois disso nas ilhas, localizadas estrategicamente nas águas que
separam a Ãsia da América.
[image: Soldados norte-americanos em combate com os japoneses em
Bouganville, durante a II Guerra Mundial.]Soldados norte-americanos em
combate com os japoneses em Bouganville, durante a II Guerra Mundial.
A mina

A descoberta de uma mina gigante de ouro e cobre em Panguna, nos anos 1960,
alterou para sempre a paisagem da ilha (a mina é a céu aberto), mas também
o seu futuro. A exploração mineira começou em 1972 e já na década de 1970,
os dividendos da mina eram responsáveis por 14% do PIB da Papua Nova Guiné
e quase 50% das exportações.
[image: A mina de Panguna deixa marcas em Bougainville.]A mina de Panguna
deixa marcas em Bougainville.

"Apesar de a mina ter trazido infraestruturas e ajudado a modernizar
Bougainville, as desigualdades percebidas na distribuição de remuneração e
receita alienaram as populações locais. Desde o início, a mina provocou
protestos, com as mulheres a retirar marcadores de pesquisa e a
colocarem-se diante dos bulldozers", lê-se num relatório de outubro do Lowy
Institute
<https://www.lowyinstitute.org/publications/bougainville-referendum-and-beyond>
.

Na mina, gerida por uma subsidiária da australiana Rio Tinto, o facto de
ter sido necessário recorrer a mão de obra do resto da Papua e as críticas
à forma de distribuição dos rendimentos da exploração mineira fomentaram
vários movimentos separatistas. A 1 de setembro de 1975 chegou a haver uma
declaração unilateral de independência, ignorada tanto pela administração
australiana que estava de saída, como a da Papua Nova Guiné que ia entrar.

Tais movimentos culminaram na guerra em 1989, que obrigou a cessar os
trabalhos em Panguna. A mina não reabriu desde então, mas a promessa de
riqueza continua viva.

"Apesar de Bougainville ter abundantes recursos naturais e uma geração mais
velha qualificada, como nação independente irá enfrentar muitos desafios,
incluindo autos-suficiência fiscal, consenso sobre as questões de
mineração, unidade e integridade política", acrescenta.

Em relação ao futuro económico da ilha, a China tem estado a apostar na
região, tendo assinado acordos com as Ilhas Salomão no mês passado
(abandonado a lealdade para com Taiwan). O mesmo fez o Kiribati, mostrando
o interesse chinês na região. Do outro lado, os EUA, tal como a Austrália,
a Nova Zelândia e o Japão têm providenciado fundos para ajudar na
realização do referendo.
-------------- próxima parte ----------
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