ARLA/CLUSTER: A Teoria Perfeita - Livro conta a história da relatividade geral, e o que torna algo uma ciência

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Segunda-Feira, 12 de Setembro de 2016 - 12:10:40 WEST


O livro de Pedro Gil Ferreira,The Perfect Theory: A Century of
Geniuses and the Battle over General Relativity (“A Teoria Perfeita:
Um Século de Gênios e a Batalha pela Relatividade Geral”, em tradução
literal, sem edição em português), nos conta o que outras pessoas
fizeram com a teoria da relatividade geral de Einstein depois que ele
a desenvolveu. Ainda que um capítulo inteiro seja dedicado aos árduos
esforços de Einstein para aprender a geometria não-Riemaniana e para
construir as equações de campo que definem a teoria, o livro realmente
descola depois de 1917, quando vários homens e mulheres descobriram as
incríveis implicações dessas equações. O livro é uma leitura rápida e
faz um ótimo trabalho retratando personalidades diversas e descobertas
empolgantes reveladas pela relatividade geral.

Em 1919 a teoria já estava bem estabelecida como parte da empreitada
científica, especialmente após ter ditado o valor correto do periélio
de Mercúrio e previsto a curvatura da luz estelar observada por Arthur
Eddington, uma descoberta que projetou o nome de Einstein para as
manchetes de todos os principais jornais do mundo. Eddington foi o
herdeiro de Einstein, dominando profundamente a teoria e compreendendo
suas implicações para a estrutura estelar. Ironicamente, ele não ousou
levar essas implicações até sua conclusão lógica. Essa tarefa foi
deixada para um jovem astrofísico indiano chamado Subrahmanyan
Chandrasekhar, que abriu o caminho para a descoberta de buracos negros
ao considerar o que acontece quando estrelas ficam sem combustível e
colapsam sob a contração gravitacional. A repreensão de Eddington às
descobertas de Chandrasekhar ficou famosa, e revelou que ele era muito
parecido com Einstein: um revolucionário na juventude e um reacionário
na maturidade.

A história dos buracos negros é uma das principais linhas seguidas
pelo livro. As ideias de Chandrasekhar foram desenvolvidas por Lev
Landau, Fritz Zwicky e Robert Oppenheimer na década de 30. A história
de Oppenheimer é especialmente interessante, já que foi ele quem
descobriu teoricamente os buracos negros, mas que depois se dissociou
completamente deles, não demonstrando qualquer interesse na
relatividade geral até o fim de sua vida. Na verdade, Oppenheimer via
a relatividade como a vasta maioria dos físicos que foram pegos nas
revoluções nuclear e quântica das décadas de 30 e 40. A mecânica
quântica e a física de partículas eram as novas fronteiras; a
relatividade era só especulação.

Foi o eminente físico de Princeton, John Wheeler, quem continuou o
trabalho de Oppenheimer. Wheeler realmente é o pai da relatividade
moderna, já que foi ele quem reacendeu o interesse pelo assunto nas
décadas de 50 e 60. Muitos de seus alunos, como Jacob Bekenstein e Kip
Thorne, se tornaram proeminentes na área. Na Grã Bretanha essa área
veio à luz com Dennis Sciama, e seus alunos Roger Penrose e Stephen
Hawking abriram o caminho para a compreensão de singularidades e do
Big Bang. Hawking, especialmente, criou uma ligação muito importante
entre informação, relatividade, termodinâmica e mecânica quântica por
meio de sua exploração do que atualmente chamamos de “paradoxo da
informação em buracos negros”.

O trabalho de Hawking com singularidades se conecta à segunda linha
principal do livro, dessa vez envolvendo as aplicações da relatividade
geral ao Universo inteiro. A história começa logo após Einstein
desenvolver seu trabalho, quando Alexander Friedmann, um piloto russo
de bombardeiro, e Georges Lemaître, um padre belga, descobriram que
uma das soluções das equações seria um Universo em expansão. Em um
famoso momento que Einstein chamou de “o maior deslize” de sua vida, o
físico encontrou essa solução mas, com base nas observações de um
Universo localmente estático, aplicou um fator de correção – uma
‘constante cosmológica’ – para deter a expansão,e isso acabou tendo
grande importância quase oito décadas mais tarde. A história de
Lemaître e Friedmann conduz logicamente à de Edwin Hubble que, em
1929, observou o desvio para o vermelho de galáxias, assim inaugurando
uma das maiores eras na exploração do Cosmo. Essa era culminou na
descoberta da matéria e energia escuras, e na transformação da
cosmologia em uma ciência exata, e tudo isso abriu fronteiras com que
Einstein sequer sonhava. E Ferreira espera que essas belas equações
produzam muito mais surpresas no futuro.

Ferreira se dedica muito a descrever essas duas linhas principais. Um
dos aspectos mais importantes do desenvolvimento da relatividade foi o
impulso que a teoria recebeu com as observações experimentais de
objetos distantes feitas pelos rádio-telescópios de Martin Ryle,
Jocelyn Bell e outros. De fato, o livro destaca que, sem essas
observações, a relatividade continuaria a ser considerada uma
brincadeira matemática no pior dos casos, e uma ciência especulativa
no melhor deles. A fixação da relatividade ao mundo real por meio da
descoberta de quasares, pulsares, estrelas de nêutrons e buracos
negros torna bastante clara a importância fundamental de evidências
experimentais para qualquer teoria. Pessoalmente, eu teria apreciado
se Ferreira também tivesse considerado algumas outras evidências para
a relatividade geral, como a observação do efeito Lense-Thirring
[NOTA: No original frame-dragging, que pode ser traduzido como arrasto
de estrutura, arrasto estrutural, arrasto referencial, arrasto de
referenciais entre outros) pela Sonda Gravitacional B, uma maravilha
técnica e um fenômeno de cair o queixo em medidas precisas, se é que
já existiu um.

A última parte do livro se dedica ao desafio das últimas quatro
décadas para combinar a relatividade geral e a mecânica quântica, um
esforço que foi iniciado por Wheeler e seu aluno Bryce DeWitt na
década de 60. As mesmas técnicas de teoria de campo que levaram a
sucessos tão espetaculares na física de partículas – culminando no
Modelo Padrão – foram um fracasso abismal quando aplicadas à
relatividade. Uma das possíveis saídas para esse problema é a teoria
das cordas, que tem a virtude de fazer a gravidade emergir
naturalmente do quadro teórico. Outra teoria promissora é a gravidade
quântica em loop. O problema com a teoria das cordas, que já é bem
conhecido atualmente, é que ela não faz previsões testáveis e seu
universo de soluções é tão vasto que qualquer coisa pode ser acomodada
em seu grandes braços. Na ciência, uma teoria que pode explicar tudo
normalmente é considerada uma teoria que não explica nada.

Uma das coisas que me marcou foi a importância de experimentos e
observações para levar uma teoria do reino da especulação para o da
realidade prática. Vale a pena comparar o progresso da mecânica
quântica, da relatividade geral e da teoria das cordas nesse contexto.
A mecânica quântica foi desenvolvida na década de 1920, e
imediatamente explicou dezenas de fatos experimentais anteriormente
confusos. Seu sucesso só cresceu na década de 30 e 40, quando ela foi
aplicada à física de estado sólido, à química e à física nuclear,
sempre amplamente apoiada por experimentos. Os problemas filosóficos
da teoria – que ainda nos dão trabalho – não a afetaram devido a seu
grande sucesso experimental. Em contraste, a relatividade geral foi
desenvolvida cerca de 10 anos antes. Por volta de 1940, ela tinha duas
grandes previsões para lhe dar crédito: a curvatura da luz estelar e a
expansão do Universo. Mas até o fim dos anos 50 ela não tinha se
tornado parte da física dominante e era considerada mais matemática
que física, principalmente porque lhe faltavam evidências
experimentais. Como mencionado acima, foi o desenvolvimento da
radioastronomia que deu solo firme a essa teoria.

Assim, a mecânica quântica não precisou de tempo nenhum para se tornar
respeitável, enquanto a relatividade precisou de quase 40 anos, mesmo
com duas observações experimentais incríveis de suas previsões. A
grande diferença foi a quantidade de evidências experimentais:
numerosas no caso da mecânica quântica e escassas no caso da
relatividade. Se comparada a essas duas, a teoria das cordas já existe
há quase 40 anos e ainda não existe nenhuma evidência experimental
não-ambígua em seu favor. Do ponto de vista puramente histórico, isso
pode indicar que talvez estejamos no caminho errado. Existe um motivo
para Feynman ter dito que o único teste verdadeiro de uma teoria
científica é a experimentação.

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Pedro Gil Ferreira é Professor de Astrofísica na Universidade de
Oxford. Formou-se no Instituto Superior Técnico em Lisboa, doutorou-se
na Universidade de Londres e esteve como investigador na Universidade
de Berkeley e no CERN. Pedro Gil Ferreira estuda a origem e evolução
do Universo, focando-se no fundo de radiação cósmica e no problema da
matéria e energia escura. Tem mais de uma centena de artigos
publicados em revistas e conferência internacionais, escreve para o
Guardian, New Scientist, Scientific American, Science, Nature.

Fonte: , Scientific American Brasil



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