ARLA/CLUSTER: O mistério das parábolas na Serra da Nogueira (Bragança):

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Quinta-Feira, 2 de Julho de 2015 - 13:03:00 WEST


*O mistério das parábolas na Serra da Nogueira (Bragança):*

    Os membros mais antigos do "Fórum da Rádio" porventura recordar-se-ão
de um tópico (disponível aqui
<http://www.mundodaradio.com/historia/serra_da_nogueira/serra_da_nogueira.pdf>
[formato PDF] enquanto se procede ao reestabelecimento do Fórum) com
fotografias dos emissores das rádios locais e nacionais a emitirem do Monte
de São Bartolomeu e da Serra da Nogueira (concelho de Bragança). Se o tema
do tópico por si só não tinha nada de extraordinário, uma particularidade
da Serra da Nogueira despertou bastante interesse pela sua invulgar
configuração: no topo da serra, bem perto das torres de emissão de rádio e
televisão, surgem na paisagem duas
<http://r5---bru02t14.c.bigcache.googleapis.com/static.panoramio.com/photos/original/4788270.jpg?ms=tsu&mv=m&mt=1344965462&cms_redirect=yes&redirect_counter=2>
imponentes parábolas
<http://static.panoramio.com/photos/original/4788424.jpg> iguais,
impossí­veis de passar despercebidas atendendo às suas dimensões, sendo,
naturalmente, motivo de curiosidade não só das populações locais como dos
entusiastas das radiocomunicações. Segundo o relato do utilizador "TMG" no
artigo mencionado, as infra-estruturas terão sido inauguradas com pompa e
circunstância em meados da década de 60 do século XX, durante o Estado
Novo, altura em que a explicação oficial era a de que se tratavam de
antenas de comunicação com a Europa, pertencentes aos agora extintos
serviços radioeléctricos dos CTT. Actualmente, as infra-estruturas
pertencem, alegadamente, à Portugal Telecom. De referir que as antenas
estão apontadas precisamente na direcção Nordeste, corroborando a tese que
se tratam efectivamente de emissões provenientes e/ou destinadas a um
qualquer ponto da Europa central.

     Volvidos vários anos do tópico original, numa pesquisa através da
Internet onde procurava informação respeitante a outro assunto relativo às
radiocomunicações, leio várias referências à Nogueira. Ãvido de uma
responta concreta a este mistério, consegui, finalmente, "juntar dois mais
dois" e, finalmente, reuní dados que atestam que as parábolas situadas na
Serra da Nogueira comunicavam de facto com a Europa. Mais concretamente,
tratava-se de uma ligação através de "troposcatter" entre este acidente
geográfico brigantino e uma segunda estação situada em Artzamendi, uma
montanha de 926m de altitude situada no Sudoeste de França, em pleno País
Basco, bem próximo da fronteira franco-espanhola e a 490 Km em linha recta
de Bragança. Ao que apurei, as estruturas foram construídas pela então
Companhia Portuguesa Rádio Marconi
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Marconi_Rela%C3%A7%C3%B5es_Internacionais>,
empresa que prestava serviços telegráficos e telefónicos a nível
internacional, ligando Portugal continental  às ilhas, às então províncias
ultramarinas, à Europa central, ao Brasil e a outras zonas do mundo.
Refira-se que a Marconi foi comprada pela Portugal Telecom em 1995, tendo
sido alvo de fusão em  2002, desaparecendo  a marca com mais de 75 anos de
história.


Ver troposcatter Serra da Nogueira - Artzamendi, Itxassou, França
<https://maps.google.com/maps/ms?msa=0&msid=208057489871770531930.0004c741597500950ee2f&ie=UTF8&t=h&ll=42.779275,-2.548828&spn=11.286465,18.676758&z=5&source=embed>
num mapa maior

Todavia, perguntar-se-á o leitor, o que é o "troposcatter"?

    Numa época onde as comunicações via satélite ainda não se encontravam
generalizadas e a tecnologia estava longe das inovações dos últimos 20/30
anos, as comunicações a grandes distâncias eram difíceis. Se as
comunicações em HF (3.000 - 30000 kHz) permitem efectuar transmissões a
milhares de quilómetros, a largura de banda utilizável por cada serviço é
demasiadamente reduzida para certos serviços, sobretudo transmissão de
dados e comunicações telefónicas. As transmissões em LF, além dos problemas
presentes também na HF,  exigem grandes potências de emissão para serem
recebidas a centenas ou até a milhares de quilómetros. Restava, então,
utilizar frequências muito mais elevadas, que oferecessem uma maior largura
de banda mas que simultaneamente possibilitassem a recepção regular a
grandes distâncias. Neste contexto, a engenharia electrotécnica desenvolveu
as transmissões pelo sistema "troposcatter".

    "Troposcatter"  ou "Tropospheric Scatter" são expressões inglesas
equivalentes que poderiam ser traduzidas para português como "dispersão
troposférica" e descrevem um método de transmissão utilizado não só em
certas frequências UHF como também em frequências mais elevadas
(microondas) que permite a recepção a centenas de quilómetros de distância
do emissor. Trata-se de um sistema que aproveita o facto de determinados
sinais serem sujeitos a uma dispersão à medida que atravessam as camadas
superiores da troposfera <http://pt.wikipedia.org/wiki/Troposfera>; para
tal, os sinais são irradiados em forma de um feixe altamente direccional
apontado à tropopausa <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tropopausa>, uma região
localizada a meio da distância entre o emissor e o receptor. Normalmente,
as emissões são realizadas em frequências na ordem dos 2 GHz, por se tratar
da faixa mais adequada às condições de propagação.

[image: "troposcatter" vs. linha de vista]
<http://en.wikipedia.org/wiki/File:Tropospheric_scatter.jpg>
Figura 1 - "troposcatter" vs. transmissão em linha de vista

    Dado que a tropopausa é uma camada instável e turbulenta, além de
sujeita a perturbações exteriores, apenas uma pequena parte da energia
irradiada consegue chegar à antena receptora. Tal situação obriga a que as
estações emissora e receptora estejam equipadas com antenas parabólicas de
alto ganho ou antenas "billboard", de forma a mitigar as elevadas perdas de
sinal na troposfera. Normalmente, são utilizadas antenas parabólicas de
grandes dimensões, ligadas a emissores que operam com potências entre 1 kW
e 10 kW.

    Mercê das características de emissão, a dispersão troposférica é
relativamente segura atendendo a que, como exige um alinhamento preciso das
antenas de emissão e recepção, torna muito difícil a interceptação do sinal
irradiado (mormente se a transmissão atravessar o oceano), pelo que, entre
outras utilizações, foi e continua a ser usada para fins militares. Lendo o
artigo "tropospheric scatter
<http://en.wikipedia.org/wiki/Tropospheric_scatter>" da Wikipédia inglesa,
fica-se a saber que as comunicações telefónicas e de dados da British
Telecom entre as plataformas petrolíferas do Mar do Norte e as ilhas
britânicas eram outrora efectuadas através de quatro caminhos de propagação
via troposcatter, utilizando diferentes polarizações; os sinais das quatro
transmissões eram recombinados de forma a anular as diferenças de fase.
Esta técnica assegurava uma taxa de fiabilidade do serviço de 99,98% -
equivalente a cerca de 3 minutos de indisponibilidade por mês. Um valor
muito bom para a época...


    Voltando à ligação entre a Serra da Nogueira e Artzamendi, e tendo fé
na publicação francesa "Les hommes et la technique témoignages - Histoire
des faisceaux hertziens et des télécommunacation par satellite à Thomson CSF
<http://www.bremenson.com/HOMMES_%20ET_TECHNIQUE.pdf>" [formato PDF], a
Thomson desenvolveu o THC 955, que operava na faixa 830-960 MHz e
tinha capacidade para 120 linhas telefónicas, recorrendo a um emissor de 1
kW. O tal THC 955 foi precisamente instalado na ligação
Nogueira-Artzamendi; dada a distância elevada entre os dois pontos,
 tiveram de instalar um amplificador de 10 kW e  fabricar parábolas de 27
metros de diâmetro que pesam 110 toneladas para resistir a ventos de até
220 Km/h!

    Com a emergência de novos meios de transmissão, nomeadamente com a
vulgarização da utilização de satélites de telecomunicações, redes de fibra
óptica (e outras tecnologias) que não só proporciou uma melhor qualidade de
comunicação como trouxe o advento de novos meios como a Internet (sem a
qual esta página jamais teria sido escrita!), o "troposcatter" perdeu
grande parte do fulgor, excepto para algumas aplicações específicas. Neste
contexto, a ligação Nogueira-Artzamendi foi desactivada; segundo o sítio
Internet "Zone Interdite <http://www.zone-interdite.net/P/zone_4211.html>", as
infra-estruturas na montanha francesa foram reconvertidas num radar. A
mesma fonte indica <http://www.zone-interdite.net/P/zone.php?idx=4212> que
o "link" terá sido também utilizada para comunicações militares. Contudo,
ao que parece, a estação da Serra da Nogueira ainda estará em funcionamento
e terá sido reconvertida num retransmissor de comunicações "PAF"(?).

    Saliente-se que o "troposcatter" não é apenas empregue em transmissões
profissionais, sendo também conhecido e aproveitado por radioamadores que
chegam a recorrer a antenas mais elementares e a frequências VHF e UHF para
estabelecer contactos graças à dispersão dos sinais na troposfera. A quem
se interesse por estas questões técnicas, sugiro a leitura dos artigos (em
inglês) "Everyday VHF, UHF, and SHF propagation / 700 km DX anytime using
troposcatter
<http://www.qsl.net/oz1rh/troposcatter99/troposcatter99.htm#_Toc458130255>"
e "Troposcatter at 50 MHz <http://www.uksmg.org/content/tropo.htm>".
Escritos por dois radioamadores, os artigos apresentam algumas informações
interessantes a respeito dos problemas deste tipo de comunicação, incluindo
as relações entre a potência de emissão e a perda de sinal expectável, mas
também entre o ângulo de dispersão e a perda de sinal, entre outras.
Conclui-se, portanto, que as características da propagação são muito mais
complexas do que se poderia pensar à partida.

    Para finalizar, creio, (entrando no campo da especulação) que a escolha
da Serra da Nogueira não terá sido inocente: será muito provavelmente, o
acidente geográfico mais próximo (em linha recta) do território francês o
que, aliado à opção por Artzamendi (também a montanha gaulesa mais próxima
do nosso país), permitia encurtar a distância entre as estações (como já
referi, pouco menos de 500 km). O factor distância entre antenas terá sido
valorizado pelas entidades competentes, uma vez que, como já referi, neste
tipo de tecnologia existe uma grande perda de sinal.





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