<div dir="ltr"><strong><font size="3">O mistério das parábolas na Serra da Nogueira (Bragança):<br></font></strong><div style="text-align:left"><br>     Os membros mais antigos do &quot;Fórum da Rádio&quot; porventura recordar-se-ão de um tópico (disponível <a href="http://www.mundodaradio.com/historia/serra_da_nogueira/serra_da_nogueira.pdf"><font color="#000099">aqui</font></a> [formato PDF] enquanto se procede ao reestabelecimento do Fórum) com fotografias dos emissores das rádios locais e nacionais a emitirem do Monte de São Bartolomeu e da Serra da Nogueira (concelho de Bragança). Se o tema do tópico por si só não tinha nada de extraordinário, uma particularidade da Serra da Nogueira despertou bastante interesse pela sua invulgar configuração: no topo da serra, bem perto das torres de emissão de rádio e televisão, surgem na paisagem <a href="http://r5---bru02t14.c.bigcache.googleapis.com/static.panoramio.com/photos/original/4788270.jpg?ms=tsu&amp;mv=m&amp;mt=1344965462&amp;cms_redirect=yes&amp;redirect_counter=2"><font color="#000099">duas</font></a> imponentes <a href="http://static.panoramio.com/photos/original/4788424.jpg"><font color="#000099">parábolas</font></a> iguais, impossí­veis de passar despercebidas atendendo às suas dimensões, sendo, naturalmente, motivo de curiosidade não só das populações locais como dos entusiastas das radiocomunicações. Segundo o relato do utilizador &quot;TMG&quot; no artigo mencionado, as infra-estruturas terão sido inauguradas com pompa e circunstância em meados da década de 60 do século XX, durante o Estado Novo, altura em que a explicação oficial era a de que se tratavam de antenas de comunicação com a Europa, pertencentes aos agora extintos serviços radioeléctricos dos CTT. Actualmente, as infra-estruturas pertencem, alegadamente, à Portugal Telecom. De referir que as antenas estão apontadas precisamente na direcção Nordeste, corroborando a tese que se tratam efectivamente de emissões provenientes e/ou destinadas a um qualquer ponto da Europa central.<br><br>      Volvidos vários anos do tópico original, numa pesquisa através da Internet onde procurava informação respeitante a outro assunto relativo às radiocomunicações, leio várias referências à Nogueira. Ávido de uma responta concreta a este mistério, consegui, finalmente, &quot;juntar dois mais dois&quot; e, finalmente, reuní dados que atestam que as parábolas situadas na Serra da Nogueira comunicavam de facto com a Europa. Mais concretamente, tratava-se de uma ligação através de &quot;<span style="font-weight:bold">troposcatter</span>&quot; entre este acidente geográfico brigantino e uma segunda estação situada em Artzamendi, uma montanha de 926m de altitude situada no Sudoeste de França, em pleno País Basco, bem próximo da fronteira franco-espanhola e a 490 Km em linha recta de Bragança. Ao que apurei, as estruturas foram construídas pela então<a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Marconi_Rela%C3%A7%C3%B5es_Internacionais"><font color="#000099"> Companhia Portuguesa Rádio Marconi</font></a>, empresa que prestava serviços telegráficos e telefónicos a nível internacional, ligando Portugal continental  às ilhas, às então províncias ultramarinas, à Europa central, ao Brasil e a outras zonas do mundo. Refira-se que a Marconi foi comprada pela Portugal Telecom em 1995, tendo sido alvo de fusão em  2002, desaparecendo  a marca com mais de 75 anos de história.<br><br><br><small><font size="2">Ver </font><a style="text-align:left;color:rgb(0,0,255)" href="https://maps.google.com/maps/ms?msa=0&amp;msid=208057489871770531930.0004c741597500950ee2f&amp;ie=UTF8&amp;t=h&amp;ll=42.779275,-2.548828&amp;spn=11.286465,18.676758&amp;z=5&amp;source=embed"><font size="2">troposcatter Serra da Nogueira - Artzamendi, Itxassou, França</font></a><font size="2"> num mapa maior</font></small><br><br> Todavia, perguntar-se-á o leitor, o que é o &quot;troposcatter&quot;?<br><br>    Numa época onde as comunicações via satélite ainda não se encontravam generalizadas e a tecnologia estava longe das inovações dos últimos 20/30 anos, as comunicações a grandes distâncias eram difíceis. Se as comunicações em HF (3.000 - 30000 kHz) permitem efectuar transmissões a milhares de quilómetros, a largura de banda utilizável por cada serviço é demasiadamente reduzida para certos serviços, sobretudo transmissão de dados e comunicações telefónicas. As transmissões em LF, além dos problemas presentes também na HF,  exigem grandes potências de emissão para serem recebidas a centenas ou até a milhares de quilómetros. Restava, então, utilizar frequências muito mais elevadas, que oferecessem uma maior largura de banda mas que simultaneamente possibilitassem a recepção regular a grandes distâncias. Neste contexto, a engenharia electrotécnica desenvolveu as transmissões pelo sistema &quot;troposcatter&quot;.<br><br>    &quot;<span style="font-weight:bold">Troposcatter</span>&quot;  ou &quot;<span style="font-weight:bold">Tropospheric Scatter</span>&quot; são expressões inglesas equivalentes que poderiam ser traduzidas para português como &quot;dispersão troposférica&quot; e descrevem um método de transmissão utilizado não só em certas frequências UHF como também em frequências mais elevadas (microondas) que permite a recepção a centenas de quilómetros de distância do emissor. Trata-se de um sistema que aproveita o facto de determinados sinais serem sujeitos a uma dispersão à medida que atravessam as camadas superiores da <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Troposfera"><font color="#000099">troposfera</font></a>; para tal, os sinais são irradiados em forma de um feixe altamente direccional apontado à <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Tropopausa"><font color="#000099">tropopausa</font></a>, uma região localizada a meio da distância entre o emissor e o receptor. Normalmente, as emissões são realizadas em frequências na ordem dos 2 GHz, por se tratar da faixa mais adequada às condições de propagação. <br><br><a href="http://en.wikipedia.org/wiki/File:Tropospheric_scatter.jpg"><img style="border: 0px solid currentColor; width: 320px; height: 235px;" alt="&quot;troposcatter&quot; vs. linha de vista" src="http://www.mundodaradio.com/historia/serra_da_nogueira/320px-Tropospheric_scatter.jpg"></a><br> Figura 1 - &quot;troposcatter&quot; vs. transmissão em linha de vista<br><br>    Dado que a tropopausa é uma camada instável e turbulenta, além de sujeita a perturbações exteriores, apenas uma pequena parte da energia irradiada consegue chegar à antena receptora. Tal situação obriga a que as estações emissora e receptora estejam equipadas com antenas parabólicas de alto ganho ou antenas &quot;billboard&quot;, de forma a mitigar as elevadas perdas de sinal na troposfera. Normalmente, são utilizadas antenas parabólicas de grandes dimensões, ligadas a emissores que operam com potências entre 1 kW e 10 kW. <br><br>    Mercê das características de emissão, a dispersão troposférica é relativamente segura atendendo a que, como exige um alinhamento preciso das antenas de emissão e recepção, torna muito difícil a interceptação do sinal irradiado (mormente se a transmissão atravessar o oceano), pelo que, entre outras utilizações, foi e continua a ser usada para fins militares. Lendo o artigo &quot;<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Tropospheric_scatter"><font color="#000099">tropospheric scatter</font></a>&quot; da Wikipédia inglesa, fica-se a saber que as comunicações telefónicas e de dados da British Telecom entre as plataformas petrolíferas do Mar do Norte e as ilhas britânicas eram outrora efectuadas através de quatro caminhos de propagação via troposcatter, utilizando diferentes polarizações; os sinais das quatro transmissões eram recombinados de forma a anular as diferenças de fase. Esta técnica assegurava uma taxa de fiabilidade do serviço de 99,98% - equivalente a cerca de 3 minutos de indisponibilidade por mês. Um valor muito bom para a época...<br><br><br>    Voltando à ligação entre a Serra da Nogueira e Artzamendi, e tendo fé na publicação francesa &quot;<a href="http://www.bremenson.com/HOMMES_%20ET_TECHNIQUE.pdf"><span style="font-weight:bold"><font color="#000099">Les hommes et la technique témoignages - Histoire des faisceaux hertziens et des télécommunacation par satellite à Thomson CSF</font></span></a>&quot; [formato PDF], a Thomson desenvolveu o THC 955, que operava na faixa 830-960 MHz e tinha capacidade para 120 linhas telefónicas, recorrendo a um emissor de 1 kW. O tal THC 955 foi precisamente instalado na ligação Nogueira-Artzamendi; dada a distância elevada entre os dois pontos,  tiveram de instalar um amplificador de 10 kW e  fabricar parábolas de 27 metros de diâmetro que pesam 110 toneladas para resistir a ventos de até 220 Km/h!<br><br>    Com a emergência de novos meios de transmissão, nomeadamente com a vulgarização da utilização de satélites de telecomunicações, redes de fibra óptica (e outras tecnologias) que não só proporciou uma melhor qualidade de comunicação como trouxe o advento de novos meios como a Internet (sem a qual esta página jamais teria sido escrita!), o &quot;troposcatter&quot; perdeu grande parte do fulgor, excepto para algumas aplicações específicas. Neste contexto, a ligação Nogueira-Artzamendi foi desactivada; segundo o sítio Internet &quot;<a href="http://www.zone-interdite.net/P/zone_4211.html"><font color="#000099">Zone Interdite</font></a>&quot;, as infra-estruturas na montanha francesa foram reconvertidas num radar. A mesma fonte <a href="http://www.zone-interdite.net/P/zone.php?idx=4212"><font color="#000099">indica</font></a> que o &quot;link&quot; terá sido também utilizada para comunicações militares. Contudo, ao que parece, a estação da Serra da Nogueira ainda estará em funcionamento e terá sido reconvertida num retransmissor de comunicações &quot;PAF&quot;(?).<br><br>    Saliente-se que o &quot;troposcatter&quot; não é apenas empregue em transmissões profissionais, sendo também conhecido e aproveitado por radioamadores que chegam a recorrer a antenas mais elementares e a frequências VHF e UHF para estabelecer contactos graças à dispersão dos sinais na troposfera. A quem se interesse por estas questões técnicas, sugiro a leitura dos artigos (em inglês) &quot;<a href="http://www.qsl.net/oz1rh/troposcatter99/troposcatter99.htm#_Toc458130255"><font color="#000099">Everyday VHF, UHF, and SHF propagation / 700 km DX anytime using troposcatter</font></a>&quot; e &quot;<a href="http://www.uksmg.org/content/tropo.htm"><font color="#000099">Troposcatter at 50 MHz</font></a>&quot;. Escritos por dois radioamadores, os artigos apresentam algumas informações interessantes a respeito dos problemas deste tipo de comunicação, incluindo as relações entre a potência de emissão e a perda de sinal expectável, mas também entre o ângulo de dispersão e a perda de sinal, entre outras. Conclui-se, portanto, que as características da propagação são muito mais complexas do que se poderia pensar à partida.<br><br>    Para finalizar, creio, (entrando no campo da especulação) que a escolha da Serra da Nogueira não terá sido inocente: será muito provavelmente, o acidente geográfico mais próximo (em linha recta) do território francês o que, aliado à opção por Artzamendi (também a montanha gaulesa mais próxima do nosso país), permitia encurtar a distância entre as estações (como já referi, pouco menos de 500 km). O factor distância entre antenas terá sido valorizado pelas entidades competentes, uma vez que, como já referi, neste tipo de tecnologia existe uma grande perda de sinal.<br><p class="MsoNormal" style="text-indent:7.1pt"><span style="line-height:115%;font-family:&quot;Times New Roman&quot;,&quot;serif&quot;;font-size:12pt"></span></p><br><br><br><br><hr style="width:100%;height:2px">CC) Luís Carvalho - alguns direitos reservados<br><a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/" rel="license"><img style="border-width: 0pt;" alt="Licença Creative Commons" src="http://i.creativecommons.org/l/by-nc/3.0/88x31.png"></a><br><span>O site &quot;Mundo Da Rádio&quot;</span> encontra-se disponível sob licença <a href="http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/" rel="license"><font color="#000099">Creative Commons Attribution-NonCommercial 3.0 Unported License</font></a>. É permitida a utilização do conteúdo desta página para fins estritamente <span style="font-weight:bold;text-decoration:underline">não comerciais</span><span style="font-weight:bold"></span>, incluindo-se o uso pessoal, científico, académico ou outros, desde que seja mantida de forma explícita a citação da fonte desta obra intelectual. Estas restrições não afectam os direitos protegidos pela licença Creative Commons e/ou pela legislação em vigor.<br><br> Questões relacionadas com o licenciamento do conteúdo desta página devem ser encaminhadas para o endereço electrónico:  <span style="font-style:italic">mundodaradio&lt; arroba&gt; <a href="http://gmail.com">gmail.com</a></span></div></div>