ARLA/CLUSTER: Off Topic: Stephen Hawking diz que os buracos negros não existem

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Quarta-Feira, 19 de Março de 2014 - 20:12:10 WET


A informação sobre a matéria e a energia estaria prisioneira apenas de
forma temporária, e poderia emergir depois, embora de forma caótica

Stephen Hawking e os buracos negros estão indissoluvelmente ligados.
Não é que ele os tenha descoberto, nada disso, mas suas pesquisas e
importantes contribuições sobre esses exóticos objetos previstos
teoricamente e detectados (por seus efeitos) no universo remontam a
trabalhos cruciais feitos há mais de quatro décadas. Agora, porém, ele
afirma que os buracos negros não existem, pelo menos não como se
entendem habitualmente. Nesta semana (22 de janeiro de 2014 -
http://arxiv.org/pdf/1401.5761.pdf ) ele apresentou um artigo, uma
pré-publicação que ainda não passou pelo processo normal de revisão
científica, mas que imediatamente ganhou notoriedade. Assina-o
sozinho, tem quatro páginas (uma de apresentação, duas de argumentos e
a última de referências) e recebeu um título estranho: Conservação da
Informação e Previsão Meteorológica para os Buracos Negros. Os físicos
habitualmente apresentam seus artigos no site arXiv, onde são
públicos, antes de submetê-los ao processo de avaliação por pares,
algo obrigatório para a sua publicação oficial.

Um buraco negro, em princípio, é algo simples: um lugar em que a
matéria e a energia são tão densas que sua gravidade curva o
espaço-tempo, a ponto de que nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Mas
além disso, dadas as suas condições extremas, trata-se de um campo de
provas predileto dos físicos teóricos para explorarem suas
conjecturas.

O ponto crítico dos buracos negros que Hawking agora ataca é o
denominado “horizonte de acontecimentos”, essa fronteira a partir da
qual nada pode escapar da atração gravitacional, nem a luz. “Não há
saída de um buraco negro na teoria clássica, mas a teoria quântica
permite que a energia e a informação escapem dele”, explicou o próprio
Hawking à revista Nature, que informa em sua seção de notícias on-line
sobre esse último artigo do célebre físico britânico. Para explicar
todo o processo, seria necessário obter finalmente a plena integração,
sob uma teoria única, da gravidade com as outras duas forças
fundamentais da natureza (ou seja, a relatividade geral, que rege o
universo macroscópico, e a mecânica quântica, que rege o mundo
subatômico), reconhece o cientista. Mas essa fusão há muito tempo
desafia os esforços dos físicos, e, por enquanto, “o tratamento
correto continua sendo um mistério”, acrescenta Hawking.

Em seu novo artigo, ele propõe que não há um horizonte de
acontecimentos em torno do buraco negro, e sim um horizonte aparente,
que “aprisiona a matéria e a energia apenas temporariamente, antes de
emiti-la de novo, embora de forma caótica”, relata Zeeya Merali na
Nature. A ideia de Hawking é que os efeitos quânticos ao redor do
buraco negro provocam flutuações muito violentas para que essa
fronteira definida possa existir.

O horizonte de acontecimentos, consequência direta da Teoria da
Relatividade de Einstein, é a superfície ao redor do buraco negro que
não pode ser superada por nada que esteja apanhado dentro dele, nem
sequer a luz, razão pela qual nenhuma informação poderia sair de lá.
Segundo a teoria clássica, num famoso experimento teórico um
astronauta que caísse em um buraco negro atravessaria o horizonte de
acontecimentos sem notar nada de especial, e a partir daí ficaria
inicialmente esticado como um espaguete (a enorme atração
gravitacional é maior nos seus pés do que na cabeça), para então
acabar completamente esmagado no núcleo imensamente denso do buraco.

Mas, há alguns anos, o físico Joseph Polchinski alterou esse cenário
propondo em troca um muro de fogo: segundo a teoria quântica, o
horizonte de acontecimentos é na realidade uma região de energia muito
alta, em que o astronauta acabaria torrado. Isso pressupõe um desafio
à relatividade, recorda Merali na Nature, já que, segundo a teoria
einsteiniana, o horizonte de acontecimentos do buraco negro “deveria
passar despercebido” para o astronauta em queda. A alternativa que
Hawking propõe, respeitando tanto a relatividade como a teoria
quântica, é que os efeitos quânticos ao redor do buraco negro provocam
uma violenta flutuação do espaço-tempo, o que impede a existência de
uma fronteira bem definida, descartando assim o muro de fogo.

O horizonte aparente, que a luz não consegue superar para emergir do
buraco negro, prossegue Merali, e o horizonte de acontecimentos seriam
idênticos em um buraco negro que não variasse. Mas, se o buraco negro
vai tragando mais material, o horizonte de acontecimentos cresce e se
torna maior do que o aparente. Além disso, com a famosa radiação
Hawking, proposta há quatro décadas, o buraco negro pode encolher, e o
horizonte de acontecimentos seria menor que o aparente. Essa variação
permitiria, na teoria, que a luz escape do buraco.

O físico britânico sugere que a fronteira real é o horizonte aparente,
e que “a ausência de um horizonte de acontecimentos significa que não
há buracos negros […] no sentido de regimes dos quais a luz não pode
jamais escapar”, embora ele não especifique como esse horizonte de
acontecimentos pode desaparecer.

“A ideia de um horizonte aparente não é completamente nova”, observa
Jacob Aron na New Scientist. Ele e Roger Penrose, recorda, já
utilizaram a relatividade geral para demonstrar que os dois horizontes
eram idênticos. Agora, “nesse último artigo seu, [Hawking] está
propondo que a mecânica quântica pode revelar que eles são
diferentes”. Mas essa não é a maior novidade do seu último trabalho,
considera Aron, e sim “a tentativa de utilizar essas ideias para
resolver a paradoxo do muro de fogo: ao eliminar o horizonte de
acontecimentos, mata-se também esse muro de fogo”. E isso significa
que desaparece também a consequência óbvia do mesmo, a saber, que a
informação não pode emergir de maneira alguma do sumidouro negro,
porque o muro de fogo a destrói.

Assim, Hawking dá uma oportunidade para que a informação escape da
matéria aprisionada no buraco negro. Mas com limitações: “A estrutura
de um buraco negro imediatamente por baixo do horizonte é caótica, o
que dificulta a compreensão da informação que possa sair dele, em
outras palavras, a informação se perde, no sentido de que seria quase
impossível interpretá-la, mas não está destruída”, afirma Aron. É como
a previsão meteorológica – daí o título do artigo do físico britânico
–, porque “não se pode predizer o tempo senão com alguns poucos dias
de antecedência”.

Don Page, especialista em buracos negros da Universidade de Alberta,
no Canadá, observa na Nature que o caos da informação no buraco negro
é tal que tentar interpretá-la após sua saída seria pior do que tentar
reconstruir um livro queimado a partir de suas cinzas.

O breve artigo do Hawking não inclui cálculos, salienta Aron, “o que
torna difícil tirar conclusões sólidas”. A nova ideia será estudada e
discutida, e inclusive pode ser que o físico britânico faça alguma
nova aposta com seus colegas, como já fez no passado – e às vezes
perdeu –a respeito de questões profundas da física teórica. O que está
claro é que nem a gravíssima incapacidade física da qual sofre nem
seus 72 anos recém-completados comprometem a mente desse grande
cientista.

‘Minha breve história´

Com uma clara alusão ao seu famoso livro de física Uma Breve História
do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros (1988), Stephen Hawking
escreveu recentemente sua autobiografia com o título de Minha Breve
História (Editora Intrínseca). O livro reúne suas recordações da
infância na Londres do pós-guerra, seus estudos, seu trabalho e sua
evolução intelectual, tudo isso salpicado de fotografias inéditas ou
pouco conhecidas desse homem que não se rende nunca.

Ele acaba de completar 72 anos e continua trabalhando em sua adorada
física teórica. Ocupou, até 2009, a cátedra Lucasiana de Matemática na
Universidade de Cambridge (Reino Unido) e já escreveu ao longo de sua
vida numerosos livros de divulgação, além de importantes trabalhos
científicos.

Com 21 anos, Hawking foi diagnosticado com uma grave doença
degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, que lhe provocou uma
paralisia muscular progressiva. Apesar de a expectativa de vida de
quem tem essa enfermidade ser geralmente de poucos anos, o cientista
britânico sobreviveu, mesmo sofrendo problemas de saúde devastadores,
como a traqueotomia que salvou sua vida em 1985, mas o deixou sem
fala. A perspectiva de morrer cedo, recorda Hawking agora em seu
livro, o impulsionou para o desafio intelectual.

“Hawking escreve de uma maneira comovedora”, escreveu o Financial
Times sobre a autobiografia, salpicada de curiosidades de sua vida.
“Nessa obra podemos escutar como sua voz é irradiada diretamente do
buraco negro de sua doença, sem a amplificação e o detalhamento que
acrescentavam os coautores com os quais escreveu seus últimos livros.”



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