ARLA/CLUSTER: O meu (bem passado) dia em modulação de amplitude

Miguel Andrade (CT1ETL) ct1etl gmail.com
Domingo, 3 de Novembro de 2013 - 20:27:26 WET


Caros colegas,

Aqui está uma daquelas raras oportunidades para lerem uma mensagem minha,
especialmente nestes últimos tempos. Por isso preparem-se porque vos vou
compensar-vos pela longa ausência, com um "concentrado à moda antiga" (que
quase daria um artigo para a revista QSP). 
É porém somente minha intenção dar-vos conta de um dia de rádio muito bem
passado (mais um), graças à colaboração (leia-se participação) de
aproximadamente 4 dezenas de estações que se cruzaram comigo nas ondas da
rádio nesta data.
O dia até começou mal, sinceramente vos digo.
Entre as 8:00 e as 9:00, nos 80 metros apenas um "avistamento de terra
firme" a mensagem da estação CR5AMD no QRZCQ a confirmar que me tinham
recebido.
Nessa hora fiz apenas 2 contactos e ambos nos 40 metros, a provar que a
função dos horários propostos apenas foi pensada como factor de aglomeração.
Até meio da manhã, as coisas não correram de facto como esperávamos. Uma
considerável quantidade dos colegas que agora lêem estas palavras deve ter
desistido de participar, em particular perante a esmagadora (e irritante)
infernal agressão das rugidoras interferências provocada pelas estações
próximas de nós a operarem em banda lateral única; um flagelo que nos tem
acompanhado e atormentado desde a primeira edição.
A falta de respeito pela operação em amplitude modulada provém, na sua
maioria, pelo aglomerado de estações que participam em concursos que têm
lugar aqui ao lado, no país vizinho, os quais tomam conta do espectro
radioeléctrico aos fins-de-semana, especialmente nas faixas de frequência
que permitam contactos via rádio para toda a Península Ibérica e ilhas
atlânticas.
Como seria previsível, a certa altura a tortura começa a diminuir,
atenuando-se aos poucos.
Para os mais resistentes os contactos já mais próximos das 12:00 UTC
tornaram-se visivelmente compensadores.
Até a tarde entrar pela actividade a dentro, ao ritmo da rotação do planeta,
os 40 metros foram o paraíso dos "praticantes da modalidade". Alguma
atenuação natural e QSB não prejudicaram no entanto magníficos contactos por
esse país fora, de lés a lés, com sinais espantosos para os nossos escassos
20 a 30 watts e o uso da onda portadora nem sempre feita com a mestria
devida (provocando quase sempre desvios negativos do ponteiro). É
imprescindível lembrar, nesta parte da minha crónica, que nas transmissões
em amplitude modulada a potência de emissão tem que ser distribuída entre a
onda portadora e as respectivas bandas laterais de telefonia, pelo que, se
for usada uma portadora com potência excessiva não sobrará energia
suficiente para as bandas laterais que transportam parte da informação.
Dessa forma o nível da emissão não deve supera muito os 25 watts, nos
modernos equipamentos de 100 watts, devendo ter-se um cuidado adicional com
o ganho de micro e a sua calibração através do ALC (Automatic Level Control
- Controlo Automático de Potência ou Controlo Automático de Amplitude). 
Escassos nos 20 metros mas mais pródigos nos 10 metros, os contactos em
longas distâncias pasmaram pelo uso da "primitiva" modulação de amplitude,
muito mais modesta na eficiência do uso da energia irradiada do que as mais
modernas portadoras de banda lateral única.
Em 2 metros descobri inusitadas interferências locais que não estavam lá em
FM... e nos 6 metros... desta vez não havia antena calibrada para a emissão,
pelo que fiquei nessa banda aprisionado num "Mar dos Sargaços".
Muito mais massacrada por tudo quanto fosse interferência, ruído, QRM,
incursão ou investida do mais irritantes e inoportunos factores de
perturbação e barreiras à comunicação, a nossa velha AM lá ia segura de si
tarde a dentro, qual menina donzela de outros tempos a fazer lembrar a letra
de uma não menos famosa clássica da Bossa Nova:

«Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar»...

O dia (que ainda não acabou) tem valido a pena e valerá sempre repetir pois,
apesar das cáusticas agressões, irritantes e desmotivadoras, mostrou a quem
nos ouviu que não há radar russo nos 10 metros, concurso espanhol nos 40
metros, poluição radioeléctrica urbana em todas as bandas, ou massacre dos
tempos modernos, que abafe o prazer de escutar a musicalidade do som quase
perfeito de alguns clássicos que nos brindaram hoje com a sua presença.
Senti-me, nesse aspecto, como numa viagem a Cuba, passando os dedos pelos
soberbos veículos americanos com mais de meio século que se passeiam,
orgulhosos e soberbos, lustrosos como novos, nas ruas de Havana e por outras
partes do país de Castro.
Essa viagem no tempo não tem preço. Bem hajam os colegas que ma
proporcionaram hoje.
A frase do dia foi - «desde 1964 que não transmitia em AM».
Foi igualmente salutar escutar alguém dizer que há muitos anos não ouvia
tanta gente à boleia da velha senhora, que hoje se portou condignamente e
abriu horizontes a muitos incrédulos... isto é, quando lhe foi permitido
brilhar, entenda-se.
O problema desta iniciativa está aí.
Raros foram os momentos em que nos deixaram em paz para a mística AM mostrar
os seus dotes e demonstrar que, apesar da idade, não perdeu os seus encantos
que o decote arrojado evidencia, sem se notar a passagem do tempo no seu
peito de menina.
Há que reagir e agir.
Vamos repensar a actividade no próximo ano de forma a lidar com as
modernices que a agridem, para que muitos de nós não se desiludam e tenham
que se ficar por um fugaz e frustrante voo na máquina do tempo.
Nesse aspecto reparei que a existência de um indicativo comemorativo pode
ajudar, mas teremos que promover ligeiras diferenças nalguns campos.
Hoje notou-se que, apesar da preocupação dos operadores da CR5AMD, que
estiveram à altura da responsabilidade e souberam gerir muito bem os
momentos de congestionamento na frequência única, termos que ponderar numa
forma de todos se contactarem, sem grandes delongas e "longas filas de
trânsito", tão desmotivadoras como o "pára-arranca" dos acessos
congestionados das grandes cidades em hora de ponta, sobretudo quando algum
acidente de viação causa a conhecida perturbação no fluir de algumas vias
conhecidas das nossas maiores áreas urbanas.
Em relação a este último aspecto, testemunhei hoje momentos de grande
fluidez nas trocas de contacto em os presentes, mas também momentos
penalizadores para alguns que só conseguiram fazer um único contacto e que,
claro está, acabaram por desistir, engolidos pelo turbilhão que os sugou
para o anonimato, após uma eternidade à espera que lhes fosse oferecida uma
outra oportunidade de emissão.
Enfim, o texto já vai longo mas não me poderia despedir sem vos deixar com a
ideia da sabedoria Japonesa, a qual defende que, mais do que «males que vêm
por bem» os obstáculos, contrariedades e fracassos devem ser vistos como
lições e não como prejuízos ou danos. Para o ano há mais e por isso temos
que evoluir e aprender a contornar os obstáculos que tiraram algum brilho a
esta jornada, que tinha tudo para ser um dos dias de radioamadorismo mais
bem passados do ano.
Mais logo à noite há mais e o dia ainda não acabou ;) 

Até já!            

73 de Miguel Andrade ( CT1ETL )
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