ARLA/CLUSTER: Top band urbana, ou a arte de fazer omoletas sem ovos.

Miguel Andrade ct1etl gmail.com
Sábado, 1 de Setembro de 2012 - 01:39:58 WEST


Na nossa sociedade podemos passar uma vida inteira a imporem-nos limites.
A palavra "não" é porventura aquela que um bebé/criança mais ouve quando
inicia a sua "exploração do mundo". Nem sei como é que a primeira palavra
proferida costuma habitualmente ser «mamã».
"Não" porque é perigoso, "não" porque faz mal, "não" porque é proibido,
"não" porque não fica bem, "não" porque não vais conseguir, "não" porque
vais cair e "não"... simplesmente «porque não»!
De tanto ouvir a palavra "não" por vezes convencemo-nos que... não.
Quiçá sem bases científicas ou sequer uma daquelas conversas em frequência
que o garantisse (até com base em algum mito urbano), estava completamente
dominado por mais um "não". Não era possível um contacto na faixa dos 160
metros para escassos 9 quilómetros de distância em ambiente urbano... usando
antenas ineficazes.
Assim o desmentiam o tremendo e sempre presente ruído provocado por fontes
"poluidoras" de origem humana no sinal recebido na faixa dos 160 metros.
Esta tragédia é infelizmente abundante hoje em dia até já nos menores
centros urbanos, pelo que os insignificantes sinais, em teoria previsíveis
devido ao uso de antenas infrutuosas e muito pouco eficientes, seriam
completamente aniquilados.
"¡No pasarán!" era o lema do derrotismo.
E com este "não" a somar à experiência com o sinal obtido habitualmente nas
mesmas circunstâncias entre as nossas estações, tanto nos 40 metros como nos
80 metros... era impensável conceber sequer um ensaio, daqueles que os
miúdos traquinas fazem quando as mães lhes explicam que não devem tocar no
ferro de alisar a roupa (engomar) porque está muito quente.
Eis senão quando, um miúdo mais traquina do que eu, o ilustre e insigne João
Costa (CT1FBF), resolve experimentar se o ferro de engomar está mesmo
quente, ou se tudo não passa de uma história inventado pelos "adultos".
É natural que utilizando 2 antenas em condições aceitáveis, instaladas à
devida altura... o teste nos 160 metros era o mesmo que espalmar a mão
inteira num ferro de passar a roupa desligado há várias horas.
Contudo não era este o caso. 
A nossa experiência foi mais equivalente a espetar o dedo na base do ferro
com este a funcionar há várias horas.
Acredito que, nas circunstâncias em que íamos fazer o teste, devem todos
concordar comigo ao escrever que nos era exigida uma grande dose de
coragem... ou muita fé e inocência. 
Entenda-se o conceito de antenas em condições aceitáveis como termos
instalado previamente cada um a sua antena dipolo, com 1/4 de onda em cada
ramal (antena de meia-onda ou Hertz).
Só que para esse efeito, era necessário dispor de quase 85 metros e uma
altura de pelo menos uns 40 metros em relação ao solo.
E o que é isso numa cidade onde há prédios de 15 e mais pisos uns ao lados
dos outros?
Está-se mesmo a ver que o único obstáculo são as malditas Assembleias-gerais
de condomínio, essa infernal invenção de mentes diabólicas com o intuito
principal de criarem úlceras nervosas e doenças bem piores aos
Radioamadores.
Pois fiquem sabendo que, no caso destes 2 intrépidos aventureiros até nem
era esse o problema principal... ou melhor; os problemas principais.
Os nossos principais obstáculos eram mesmo os irmãos "altura & espaço".
Sim, porque essa possibilidade de se viver em zonas da cidade com
"arranha-céus" é quase sempre fino... e caro.
Dada a nossa miserável sorte optámos por seguir a via da sabedoria popular e
usamos como lema, para espetarmos o dedo no ferro quente, «quem não tem cão
caça com gato».
Podíamos para o efeito ter escolhido uma chita, o felino mais aparentado dos
canídeos que se conhece, para irmos à caça.
E porque não domesticar um leão?
Não (outra vez a maldita palavra), como somos rapaziada que gosta de
desafios, fomos à caça do elefante com gatinhos domésticos (sim porque o
cumprimento de onda nos 160 metros é o elefante das faixas de frequência que
nos estão naturalmente atribuídas pelo QNAF).   
De entre as 250 raças de gato doméstico (ou gato urbano - Felis silvestris
catus), a minúscula cria que o João Costa levou à caça foi um pachorrento
Munchkin, um gato de pernas curtas e corpo alongado, de temperamento dócil,
sociável e amável... mas pouco eficaz nos saltos devido às diminutas
dimensões das suas pernas, as quais que chegam a medir apenas um terço do
tamanho observado nas outras raças.
O meu filhote seria um Bobtail Japonês acabado de desmamar, pequeno e
magricela gatinho que, quando for adulto, se caracterizará um dia por
possuir uma pequena cauda, medindo apenas entre oito e dez centímetros
quando esticada. Revelou-se no entanto um bichinho cheio de genica com uma
boa musculatura e vontade de fincar os finos dentes de leite no primeiro
elefante que tivesse o azar de passar ao largo.
Tecnicamente estamos a falar de um condutor eléctrico multifilar com cerca
de 16 metros, lançado varanda fora para cima das árvores plantadas na via
pública. É a chamada "antena da couve-galega", como o seu proprietário
orgulhosamente a apelida quando a estação CT1FBF está no ar.
Do meu lado, estamos a falar de um vulgar condutor eléctrico unifilar de 1
m/m protegido com capa de pvc e medindo, de uma ponta à outra,
aproximadamente uns 38 metros bem distribuídos por um "design" completamente
inédito.
Imaginem um "L" deitado, sendo que a parte menor da lera corresponde à
secção "vertical" da antena e a maior à secção horizontal. O problema é que
a chamada secção vertical não é na realidade lá muito aprumada. Os primeiros
3 metros são de facto verticais (e muito encostadinhos à parede do prédio),
mas a seguir, embora seguindo a mesma rota rumo ao cotovelo principal, dá-se
um desvio em direcção à posição horizontal num ângulo de 50º. A porção maior
é de facto praticamente horizontal (está ligeiramente elevada a meio,
formando quase um "V" invertido mas muito aberto), só que tem ainda a
particularidade de possuir um outro cotovelo, aí por volta dos 20 metros,
voltando para trás de novo, a cerca de 40 cm de distância da outra metade do
ramal, com se fosse uma das metades de um dipolo dobrado (enfim, o terraço
só tem 20 metros de comprimento, o que queriam que eu tivesse feito?).
Ficou perceptível o desenho?
Ambos os sistemas irradiantes (se é que podem ter esse nome), são acoplados
por sintonizadores ligados por sua vez por um cabo coaxial ao equipamento
emissor/receptor.
No caso da minha estação, uma ponta da famosa antena "emaranhado CT1ETL"
liga directamente no sintonizador manual MFJ-969 (o qual está mesmo
encostado à janela para se divertir com as vistas e não morrer de tédio
quando não está em operação). O contrapeso é formado por um outro condutor
eléctrico unifilar, que repousa dentro da parede, esquecido por algum
electricista amnésico ao deixar uma das tomadas só com um condutor
(provavelmente num dia em que quis largar a obra à hora certa ou em que se
lhe acabou a matéria prima). Curiosamente o ditoso "fio do esquecimento"
sintoniza em 1.740 KHz!?!?!
Não dá para escutar as estações de Ondas Médias, pois o ruído captado é
ensurdecedor, mas é um óptimo "plano de terra" ou contrapeso.
Só para que conste, a fantástica antena da minha estação tem o magnífico
rendimento de... 20%!!!!
É no entanto imbatível na captação de tudo o que não interessa ao comum
Radioamador e Radioescuta, tendo apresentado sinas de "ruído branco" e
outros muito indesejáveis na ordem de 9+10, espeialmente entre as 22:15 e as
22:45... com atenuador ligado. A partir daí a "contaminação" decai a olhos
vistos até a um portentoso sinal de 7, durante a madrugada, voltado a
crescer assim que começa a actividade humana de novo.
Mesmo nestas condições, lá estivemos mais de 1 hora em confortável e amena
"cavaqueira", sintonizados em 1.840 KHz.
Se o meu drama era o incómodo das interferências, posso afiançar-vos que
escuto melhor a estação CT1FBF do João Costa em 160 metros do que em
qualquer outra banda abaixo dos 30 MHz. Até agora foi mesmo a forma mais
eficiente de comunicação via rádio entre as nossas estações excepto, claro
está, através das estações repetidoras de VHF e UHF ou da Internet.  
O sinal é extremamente cómodo e claro.
Infelizmente em amplitude modulada é que nem pensar.
Embora seja bem escutado do outro lado, só recebo uma sinfonia desastrosa de
ruídos diabólicos e ensurdecedores.     
A terminar o nosso QSO, fomos brindados com a presença do nosso colega José
Manuel Albuquerque, a transmitir com o indicativo CT1AOZ através de uma
antena cortada para a faixa dos 80 metros. Apesar de se situar a mais de 39
quilómetros de distância, ali para os lados de Torres Vedras (mais
propriamente no Varatojo), comunicámos ambos com sinais fortes e claros, com
uma nitidez que faria qualquer velhinha corar de vergonha.
Para vos incentivar a perderem a timidez, aqui ficam mais alguns dados para
aferirem a possibilidade de se juntem ao «mito urbano dos 160».
A distância coberta é curta mas em terreno pouco favorável, mesmo para a
onda de superfície de um comprimento físico tão elevado.
Segundo o meu amigo "Google Earth", as nossas antenas distam rigorosamente
8.930 metros uma da outra, mas o percurso em linha recta é algo problemático
e sinuoso (senão não tinha piada).
Para além dos edifícios próximos fica situado entre nós um dos pontos mais
elevados da cidade de Lisboa -  Monsanto - plantado mesmo no sitio mais
errado para nos entupir o azimute.
A minha antena está situada numa altitude próxima dos 99 metros do nível
médio das águas do mar e a do João a cerca de 28 metros do mesmo parâmetro.
O primeiro obstáculo é logo um prédio situado do outro lado da rua, 25
metros mais alto do que o meu.
A onda de superfície tem ainda que transpor muito outros edifícios, alguns
ainda mais elevados, antes de chegar a Monsanto, onde a quota máxima se
situa nos 178 metros no ponto mais alto da linha recta traçada entre as 2
antenas, isto é 79 metros acima da minha antena e 150 metros acima da antena
da estação CT1FBF, ou seja, quase 1 cumprimento de onda à frequência em que
estamos a trabalhar.
Como se não bastasse, do lado do João, há um obstáculo geográfico cuja quota
mais alta atinge os 65 metros acima do nível médio das águas do mar (fora a
altura dos prédios que aí estão edificados, isto é, um obstáculo com mais 37
metros de altura situado a relativamente pouca distância.
Depois de tudo o que para trás ficou escrito, penso que podemos chegar à
conclusão que caçámos o elefante. 
Mais testes se seguirão nas próximas semanas, pelo quem estiver interessado
em participar é só fazer-se presente nos 1.840 KHz.
Falta-nos essa estação de referência que dá pelo indicativo CT2JWK, a única
estação que consegui receber com sinal de 9+60 até hoje (com atenuador) na
"top band".
Se quiserem agendar algum QSO aproveitem este tópico... e até breve!


73's de Miguel Andrade ( CT1ETL )
IM58js - 38º44'57" N/009º11'26" W
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