ARLA/CLUSTER: A onda curta e outros ataques ao serviço público

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Terça-Feira, 4 de Outubro de 2011 - 17:40:23 WEST


O Governo prepara-se para cortar um vínculo importante com as
comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, eliminando as emissões
em onda curta. O pior é que está a utilizar uma argumentação pouco
séria para justificar uma poupança que provavelmente não chega aos 600
000 euros anuais num contexto de custos operacionais da RTP que são
superiores a 250 milhões de euros por ano.

O fim das emissões em onda curta representa apenas um dos ataques ao
serviço público de comunicação social, a par dos que estão previstos
para a Agência Lusa e para a RTP. Se é absurdamente perigoso para a
liberdade de informar e o direito a estar informado entregar a Agência
Lusa a privados, a privatização de um canal de televisão terá sérias
consequências no panorama audiovisual e no perfil do serviço público
do futuro, muito provavelmente  empobrecendo-o. Não se consegue
perceber como é que o Governo quer fazer melhor com infinitamente
menos recursos financeiros e estruturas operacionais salamizadas e
enfraquecidas.

A primeira coisa que salta à vista na eliminação das emissões em onda
curta é que as comunidades portuguesas são completamente desprezadas.
Nem o ministro Miguel Relvas nem o presidente da RTP, nas recentes
audições que houve no Parlamento, se detiveram a pensar no prejuízo
que a eliminação das emissões em onda curta poderá causar às
comunidades portuguesas, nem à língua portuguesa nem à Lusofonia. Não
se mostraram minimamente sensíveis ao facto de, fora da Europa, haver
mais de três milhões de portugueses, sobretudo nas Américas e em
África, idosos e muito dispersos territorialmente.  Nem com o facto de
também na Europa se continuar a ouvir em onda curta, sobretudo nas
gerações mais antigas de portugueses residentes no estrangeiro e nos
que andam na estrada e estão no mar.

Se virmos a desgraça que ainda são (apesar de algumas melhorias) as
emissões da RTP-Internacional, deitadas literalmente ao abandono pela
administração da RTP, em profundo desrespeito pelas comunidades e com
a maior displicência pelas potencialidades que um canal global como
este pode ter, percebemos bem que eliminar as emissões em onda curta é
coisa de somenos.


O mais grave é que neste processo parece haver uma boa dose de
cinismo. O anterior Governo do PS anuiu à vontade da Administração da
RTP de suspender as emissões em onda curta a partir de Junho passado.
Mas, conforme o despacho do então ministro dos Assuntos Parlamentares,
era para recolher informação e avaliar a importância da onda curta.
Era uma medida de carácter temporário, mas que agora já aparece como
decisão definitiva, não obstante não ter sido feito qualquer estudo
que a possa sustentar. Revela-se assim uma intenção oculta por detrás
da decisão de suspensão, patente no deslize que o presidente da RTP
teve na audição na Comissão de Ética ao dizer: "Estamos a fechar uma
forma de distribuição da RDP Internacional." Um deslize aborrecido
este do "estamos a fechar".

Pouco sério é também o facto de o ministro Miguel Relvas dizer que a
tecnologia está em desuso, quando o Provedor do Ouvinte e muitos
outros responsáveis do grupo RTP afirmam que o Centro Emissor de
Pegões está entre os mais bem apetrechados do mundo e entre os
tecnicamente mais modernos. Tal como é pouco sério dizer que a onda
curta está a ser abandonada, quando há mais de oitenta países a
fazê-lo e perto de quinze que até têm emissões em língua portuguesa.


Para estes ataques ao serviço público os argumentos são ajustados à
medida da vontade de privatizar, justificados por números nem sempre
correctos e em factos pouco consistentes. O Governo desfaz-se de
património do Estado sem ponderar nem acautelar as consequências. É
uma lógica estranha que tem pouco a ver com aquilo que o actual
primeiro-ministro dizia na  ampanha: "O meu compromisso absoluto é com
a transparência." Será?"


Fonte http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2030642&seccao=Convidados




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