ARLA/CLUSTER: Hora Solar versus Hora Legal
João Costa > CT1FBF
ct1fbf gmail.com
Quinta-Feira, 1 de Agosto de 2019 - 10:17:55 WEST
Hoje que tanto se fala em manter a hora de Inverno ou a hora de Verão
"para sempre", convinha que todos tivessem presentes alguns factos
científicos incontornáveis nesta discussão.
No começo dos tempos, era a hora solar que comandava o tempo e durante
muitos séculos assim foi, alias, biologicamente a maioria dos
organismos vivos, incluindo os seres humanos, adaptaram-se às mudanças
diárias de iluminação, exceto os que vivem sem contato com a luz do
Sol e influência das marés, os seus Ritmos Circadianos à hora solar,
no entanto e com o advento da revolução industrial a sociedade humana
criou, entre outras coisas, a necessidade de definir uma hora legal.
No entanto, a maior parte dos portugueses ignora que há um
significativo, mesmo para alguns, enorme desfasamento entre a hora
legal e a hora solar. Esse desfasamento começou a fazer-se sentir mais
intensamente a 1 de Janeiro de 1912 com a adopção em Portugal da hora
do Tempo Médio de Greenwich - TMG, com um adiantamento efectivo de 30
minutos em relação à hora que naturalmente deveria ter sido adoptada
na altura, TMG -0:30, mais adequada à nossa situação geográfica, na
fronteira entre o fuso horário -1 e o fuso 0, e no seguimento da
anterior "hora legal", denominada por "hora local de Lisboa", no caso
TMG - 36m 44,68 s.
Convém aqui esclarecer e desde já, que historicamente o Tempo Médio de
Greenwich foi primeiramente adotado na Grã-Bretanha pela Railway
Clearing House, órgão responsável pelas tarifas ferroviárias, em 1847,
fazendo com que fosse adotado por quase todas as companhias
ferroviárias no ano seguinte e recebendo a alcunha de “tempo
ferroviário”. O horário foi gradualmente adotado para outros
propósitos, até ser oficializado legalmente na ilha em 1880. Mas, como
a rotação da Terra é irregular, portanto, um relógio atómico
constituiria posteriormente uma base de tempo muito mais estável. Em
1972, o GMT foi substituído como padrão internacional de tempo civil
pelo Tempo Universal Coordenado (UTC), mantido até hoje por um
conjunto de relógios atómicos ao redor do mundo.
Este desfasamento em Portugal continental, entre a hora solar e a hora
legal, agravou-se ainda mais desde 1916, com a introdução da
artificial “hora de Verão”, em que no período da Primavera / Verão, a
hora legal passou a estar adiantada 1:30 em relação à hora solar.
A história da Hora em Portugal.
Em princípios do séc. XIX e a par de outras nações europeias, Portugal
adoptou o Tempo Solar Médio que simplificou a definição da Hora Legal.
Os Reais Observatórios Astronómicos da Marinha (Lisboa) e de Coimbra
definiam a Hora Legal para a sua região de longitude.
A Carta de Lei de 6 de Maio de 1878, Número 111, estabelece no Artigo
2 que o Real Observatório Astronómico de Lisboa (criado em 1861) tem
como quarto (4º) objectivo: “Fazer a transmissão telegraphica da hora
official ás estações semaphoricas e outros pontos do paiz“.
O Dec. com força de Lei de 27 de Fevereiro de 1891 aprovou as
instruções regulamentares relativas às horas e duração de serviço nas
estações dependentes da Direcção Geral dos Correios, Telégrafos e
Faróis. Estabelecia que: “a hora, em todas as estações, seria a média
oficial contada pelo meridiano do Real Observatório Astronómico de
Lisboa; nas principais cidades do reino e em quaisquer pontos do país,
quando a conveniência do serviço público aconselhasse, seriam
estabelecidos postos cronométricos destinados a fazer conhecer a hora
média oficial“.
O Regulamento do Real Observatório Astronómico de Lisboa, em Dec. Lei
no 135 de 20 de Junho de 1903, estabelece no Art. 5o do Titulo I (Dos
Fins do Observatorio), que: “…deverá no Observatório proceder-se
regularmente, e de preferência a todos os outros serviços, ás segintes
observações: 1.o Determinação diária da correcção e marcha das
pêndulas e chronometros do Observatório, e especialmente da pêndula
que for considerada padrão, e estudo minucioso das diversas
influências que exerçam acção sobre essa marcha e leis a que
obedeçam“.
Outra mudança relevante foi o Dec. Lei de 26 de Maio de 1911: definiu
que a partir de 1 de Janeiro de 1912, a Hora em Portugal deixava de
ser local (meridiano de Lisboa, determinado pelo Observatório
Astronómico de Lisboa) senfo adoptados os Fusos Horários da Convenção
de Washington (1884), colocando a hora do continente no Fuso das 00:00
horas (Greenwich). Estabelece ainda este Dec. Lei no seu Art. 4º que
as horas entre o meio-dia e a meia-noite sejam designadas com os
números das 13 às 23, e que “A meia-noite, neste caso designa-se por
zero” horas. Assim, a Hora Legal em Portugal Continental foi adiantada
de 36m 44,68s, ou seja a diferença de longitudes entre os meridianos
do OAL e de Greenwich.
O Dec. Lei nº 1469, de 30 de Março de 1915, regulamenta o Serviço da
Hora Legal relativo ao novo relógio público (no Cais do Sodré em
Lisboa) e outros meios de difusão da hora. Diz no seu ponto 1o
(primeiro): “Ao Observatório Astronómico de Lisboa compete enviar
constantemente os sinais para a regulação do relójio público…“.
No ano de 1916 são publicados diversos decretos (nº 2515-B de 15 de
Julho, nº 2712 de 27 de Outubro e nº 2922 de 30 de Dezembro) que
regulamentam o aparecimento da hora de Verão. Nas décadas seguintes
alteram-se regularmente as datas de início e fim do período da Hora de
Verão, e do valor do adiantamento da hora.
O Dec. Lei nº 34.141, de 24 de Novembro de 1944, extingue o Serviço da
Hora e cria a Comissão Permanente da Hora (CPH), cuja presidência é do
Director do Observatório Astronómico de Lisboa. Competia-lhe a estudo
da todas as questões relacionadas com a determinação, a difusão, e a
fiscalização da Hora. A Comissão Permanente da Hora dependia da
Direcção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes e tinha sede no
OAL, a cujos serviços competia assegurar a expediente da Comissão.
Pelo Dec. Lei nº 279/79, de 9 de Agosto, a Comissão Permanente da Hora
“passou a depender directamente do OAL, tendo por finalidade estudar,
propor e fazer cumprir as medidas de natureza científica e
regulamentar ligadas ao regime de Hora Legal e aos problemas da hora
científica“. Estabelece a composição da CPH tendo como Presidente o
Director do OAL, o astrónomo mais antigo desta instituição, e um
representante de cada Ministério (alguns). Estabelece as obrigações e
competências da dita Comissão, entre as quais: fixar o regime da Hora
Legal no país, a coordenação dos processos de difusão da hora na
comunicação social, fiscalização de relógios públicos, etc..
O Dec. Lei nº 44-B/86, de 7 de Março vem adaptar a definição de Hora
Legal estabelecendo uma relação directa com o Tempo Universal
Coordenado UTC, já em uso legal na maior parte dos países, e em
conformidade com as directivas da Comunidade Europeia. O UTC é
estabelecido e mantido pelo Bureau International des Poids et Mesures.
O Dec. Lei nº 17/96, de 8 de Março estabelece a relação entre UTC e
Hora Legal no Continente e Ilhas da Madeira e dos Açores, ou seja,
define quando (dia do ano) se fazem os adiantamentos e atrasos entre
Hora Legal e UTC. Actualmente, estas mudanças e definições estão
regulamentadas pela coordenação exigida dentro da União Europeia
(Sétima Directiva no 94/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de
30 de Maio de 1994).
Por tudo aquilo que se disse anteriormente e a querer-se politicamente
adoptar uma hora permanente a escolha vai efectivamente para a hora de
Inverno que é aquela que menos se afasta da hora solar.
João Costa (CT1FBF)
Nota - Este artigo teve o contributo de diversas fontes, sendo a mais
importante o sitio da Internet do Observatório Astronómico de Lisboa
em www.oal.ul.pt
Mais informações acerca da lista CLUSTER