ARLA/CLUSTER: A Rádio Astronomia encontra-se ameaçada pela mesma tecnologia que lhe deu origem.

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Sexta-Feira, 13 de Abril de 2018 - 14:08:44 WEST


*A Rádio-Poluição*Em apenas algumas décadas, a Rádio Astronomia
revolucionou o conhecimento do Universo através de importantes descobertas
como, por exemplo: a descoberta dos longínquos quasars, das rádio-galáxias
(ver exemplo na figura 1), ou da radiação cósmica de fundo constituída
pelos mais velhos fotões do Universo.
O nascimento e desenvolvimento da Rádio Astronomia têm estado intimamente
ligados aos avanços tecnológicos. Tal interligação tem permitido o
desenvolvimento de novos e melhores sistemas de detecção. Hoje, através de
interferometria é possível obter imagens com resolução de 10 micro segundos
de arco, o que equivale a conseguir distinguir uma bola de golfe na
superfície lunar (i.e. a uma distância de 400 000 km). Refira-se que este
poder de resolução não tem, por enquanto, par nos outros comprimentos de
onda. É também no rádio que se consegue detectar os sinais mais fracos do
Universo. Por exemplo, o Hubble Deep Field (pequena região do céu que foi
detalhadamente observada pelo Hubble Space Telescope) tem sido mapeado ao
nível dos micro Janskies (1Jy = 10-26Wm-2Hz-1), i.e. as mais baixas
densidades de fluxo que se tem detectado em todo o espectro
electromagnético.
Infelizmente, a Rádio Astronomia encontra-se ameaçada pela mesma tecnologia
que lhe deu origem. De facto, a potencialidade das ondas rádio tem sido
aproveitada para outros fins, fins comerciais que implementaram o uso das
ondas rádio na vida quotidiana. Os exemplos são variadíssimos, aqui ficam
alguns: o forno microondas, o comando para abrir a porta da garagem, os
sistemas de navegação GPS, a rede de telecomunicações por satélite, ou o
tão popular telemóvel. A emissão proveniente de aparelhos terrestres
interfere gravemente com os fracos sinais oriundos do Cosmos. Como exemplo
aprecie-se o poder da emissão de um simples telemóvel relativamente a
objectos astronómicos (como o da figura 1): se Neil Armstrong tivesse
transportado para a Lua um telemóvel, a emissão do telemóvel a partir da
superfície lunar seria vista da Terra como a quarta fonte mais brilhante em
rádio em todo o céu! Na verdade os sinais em rádio provenientes do Cosmos
são extremamente fracos. Aqui fica outro exemplo ilustrativo: a radiação
captada por todos os rádio-telescópios do mundo, ao longo da sua existência
(aproximadamente 40 anos), totaliza a energia necessária para acender uma
lanterna de bolso durante um milésimo de segundo! Dito isto, é fácil
perceber quão difícil se torna observar o Universo no meio da actual "selva
electromagnética".

Fig. 1 *Rádio-galáxia 3C31. A fotografia é composta pela sobreposição de
duas imagens: 1) imagem em rádio do objecto 3C31 obtida pelo VLA (a 1.8
GHz), 2) imagem óptica do (e à volta do) objecto 3C31, proveniente do
Digitized Palomar Sky Survey. Na imagem estão sobrepostas algumas das rádio
antenas do VLA. Imagem reproduzida, sendo a autoria de Alan Bridle.*

A figura 2 ilustra a poluição em rádio detectada nas imediações do
observatório de Jodrell Bank. Este é um dos mais importantes rádio
observatórios do mundo, pois alberga uma das maiores rádio-antenas (o
Lovell Telescope, com um diâmetro de 76 m), estando localizado no Reino
Unido. Ainda que Jodrell Bank se encontre numa zona em que existem
restrições ao uso de aparelhos emissores no rádio (por ex. o uso de
telemóveis é estritamente proibido) a figura 2 revela bem a rádio-poluição
que rodeia qo observatório. A intensidade destas emissões é várias ordens
de grandeza mais forte que os sinais provenientes do Universo, sinais que
os rádio-astrónomos tentam estudar.
Poder-se-ia argumentar que a colocação de rádio-observatórios em zonas
extremamente isoladas resolveria o problema da interferência de sinais -
uma prática comum adoptada pelos observatórios dedicados à observaçãono
óptico, de forma a evitar a poluição luminosa. Infelizmente a solução não é
tão simples para a Rádio Astronomia.

Fig. 2 *Espectro das emissões entre 0 e 2 GHz oriundos de engenhos
terrestres, detectados no observatório de Jodrell Bank (U.K.). Imagem
reproduzida, sendo a autoria de Jim Cohen.*

De facto, neste momento o problema ambiental mais preocupante para a Rádio
Astronomia vem dos satélites de telecomunicações e navegação, um problema
que cresce, pois anualmente são lançados para o espaço cerca de 100
satélites. A figura 3 apresenta a emissão detectada em Jodrell Bank (dados
de 1992) originada por um satélite de navegação. O pico de emissão
corresponde a uma densidade de fluxo de 10 000 000 Jy, que significa uma
emissão milhões de vezes mais forte que a emissão detectada proveniente dos
mais brilhantes quasars (ordem dos Jys; a tracejado mostra-se a emissão
correspondente a uma densidade de fluxo de 1 Jy). Não se pense que o
problema apenas reside na intensidade da emissão. Na verdade, um grave
problema para a Rádio Astronomia é o facto dos satélites não emitirem
apenas em frequências bem definidas, mas também emitirem sinais secundários
em frequências adjacentes (como aliás se pode observar na figura 3). Estes
sinais secundários não são aproveitados pelas telecomunicações, sendo
apenas "ruído", o qual pode literalmente obliterar sinais de interesse
astronómico. É fácil assim perceber que de nada serve construir rádio
observatórios em zonas isoladas de forma a evitar a poluição em rádio. Não
deixa de ser caricato que os países que investem milhões de dólares na
construçãode observatórios, arruinem, simultaneamente, os mesmos projectos
através da participação ou motivação de outras actividades incompatíveis.

Fig. 3.*Imagem reproduzida, sendo a autoria de Jim Cohen (JBO).*

O problema da coabitação da indústria de telecomunicações e da Rádio
Astronomia tem sido discutido no âmbito de organizações internacionais como
sejam a International Astronomical Union (IAU), International
Telecommunications Union (ITU), Union de Radio Science Internationale
(URSI), entre outras. Cada 2 a 3 anos decorre uma conferência mundial sobre
comunicação na banda rádio (World Radiocommunication Conference; WRC).
Nesta conferência os países membros da ITU reúnem-se para dividir o
espectro de frequências rádio entre várias aplicações, tais como
comunicações pessoais, emissão por satélites, Rádio Astronomia e
investigação espacial. A WRC também coordena a partilha entre serviços na
mesma banda de rádio. As decisões da WRC são incorporadas nos regulamentos
que governam os serviços mundiais que utilizam as ondas rádio. As decisões
decorrentes da última WRC, na Turquia, foram extremamente importantes para
a Rádio Astronomia. Desta feita, foram decididas medidas que protegem a
banda entre os 71 e 275 GHz para fins astronómicos. Esta zona do espectro
ainda se encontra livre da "selva electromagnética", pois a tecnologia
comercial só agora começa a desenvolver-se acima dos 50 GHz. É relevante
que medidas de protecção tenham sido tomadas a tempo, pois esta banda do
espectro começa a ter grande impacto na Astronomia. Veja-se, por exemplo, o
projecto de construção do Atacama Large Millimeter Array (ALMA) no Chile,
um consórcio que envolve os EUA e a Europa. É de todo o interesse que
medidas desta natureza continuem a ser implementadas no futuro.

(1) Técnica que permite a combinação de dados de diferentes
rádio-telescópios com o fim de se aumentar a resolução.

*Doutora Sónia Anton *
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