ARLA/CLUSTER: COSMOS: O "beija-flor" cósmico que emite entre os 50 e 200 MHz

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Terça-Feira, 3 de Abril de 2018 - 14:17:33 WEST


*Portugal tem assumindo um papel significativo e está a trabalhar para se
tornar membro do SKA, colaborando ao nível da ciência, inovação e
indústria. O SKA está classificado com de alta prioridade no Roteiro
Nacional de Infraestruturas de Investigação de Relevância Estratégica
(IIRE) através da IIRE ENGAGE SKA. Apesar de ainda não ser um país membro,
Portugal tem um histórico de participação em actividades do SKA, com
parcerias desde o 6º e 7º Programa-Quadro da União Europeia, tendo sido
membro do Comité de Ciência e Engenharia do SKA (SSEC), em representação da
Europa. De momento, a colaboração Portuguesa provem de instituições
académicas e industriais dos sectores das TICE, Energético e Espacial. Por
seu lado, os cientistas portugueses estão envolvidos na investigação de
Cosmologia, Evolução das Galáxias, Física Solar e Origem do Sistema solar.*

*O ENGAGE SKA é constituído pelo Instituto de Telecomunicações,
Universidade de Aveiro, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto,
Universidade de Évora e Instituto Politécnico de Beja. É apoiado pelo
TICE.pt e por um Consórcio Industrial. Durante a fase de Pré-construção, o
envolvimento português estendeu-se a diversas atividades de especificação
do projeto. Sendo que, o ENGAGE SKA é membro do SKA Telescope Manager
Consortium (SKA-TMC) liderado pelo NCRA (Ãndia), do SKA Dish Consortium
(SKADC) liderado pelo CSIRO (Austrália), do INFRA-SKA Consortium liderado
pelo SKA-SA (Ãfrica do Sul), e dos Consórcios SKA Signal and Digital
Transport (SADT) e Processamento de Dados em Software (SDP) liderados pela
Universidade de Manchester e pela Universidade de Cambridge. Está
igualmente envolvido num programa de tecnologias avançadas, o Aperture
Array MID Consortium Frequency (AAMID).*


_____________________________________________02 de abril de 2018

Caros Amigos da Cosmologia,

Veremos aqui a instigante história do *beija-flor cósmico* que abanou
freneticamente as asas para nos informar *quando ocorreu a formação das
primeiras estrelas no universo*. Verdadeira ou falsa, a história é bastante
interessante, tem muita física envolvida, um radiotelescópio engenhoso e um
grupo de físicos, astrônomos e engenheiros aplicados.

A seção *“Cosmology and Nongalactic Astrophysicsâ€* do repositório
eletrônico de artigos científicos arXiv.org <https://arxiv.org/> tem
apresentado, nas últimas semanas, um número muito grande de artigos sobre
as consequências das observações realizadas pelo projeto *EDGES*, que
investiga uma das épocas do Modelo Padrão da Cosmologia (MPC), qual
seja, a *Época
da Reionização* (EoR, sigla em inglês, *Epoch of Reionization*).
Apresentarei o que são estas observações que, dentro do paradigma do MPC,
determinam pela primeira vez *quando ocorreu a formação das primeiras
estrelas* que encerrou a chamada “Idade das Trevas†cósmica (*Cosmic “Dark
Agesâ€*) e deflagrou a reionização do universo. Este COSMOS pretende ser o
último de uma trilogia iniciada em COSMOS:09mar18
<http://lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/cosmos/18/cosmos4.htm> e seguida por
COSMOS:27mar18 <http://lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/cosmos/18/cosmos5.htm>,
os quais devem ser lidos para uma compreensão melhor do que se segue.

A discussão do EDGES será feita quase que inteiramente baseada no filme de
divulgação produzido pela agência federal americana *National Science
Foundation* (NSF), que apoia pesquisa fundamental e educação. O filme foi
escrito e apresentado por *Peter Kurczynski* (PK), diretor de programas em
tecnologia avançada e instrumentação da NSF. O filme é falado e legendado
em inglês, tem 5 minutos e 15 segundos e está em The birth of the first
stars <https://www.youtube.com/watch?v=wU6KXoO0NEE> (“O nascimento das
primeiras estrelasâ€).

Vamos por etapas.


   1) O que é a colaboração EDGES? Na página eletrônica do LoCo (*-frequency
   Cosmology Grou <http://loco.lab.asu.edu/>p*


   2) As observações do EDGES são interpretadas à luz dos eventos descritos
   a seguir.
      (I) As primeiras estrelas se formam.
   (II) Copiosa radiação ultravioleta é produzida por estas estrelas.
   (III) O gás HI é mais frio do que a Radiação de Fundo (RF) remanescente
      do Estrondão, cuja temperatura naquele z vale T(z) = To(1 + z), onde T
      o é a temperatura da RF hoje e vale 2,725 K (kelvin), quase zero
      absoluto.
   (IV) A RF possui ondas de rádio em sua distribuição de frequências,
      inclusive em torno da frequência de 1420 MHz (ondas de 21 cm).
   (V) O hidrogênio neutro (HI) interage com a radiação ultravioleta das
      primeiras estrelas e passa a absorver a RF em 1420 MHz, cujo espectro
      deverá apresentar uma absorção naquela frequência. Este espectro
é o que se
      acredita ter sido observado pelo radiotelescópio do EDGES.
   Vemos que há uma sequência tormentosa de eventos e acontecimentos até se
   chegar na observação do EDGES e que o evento descrito em (V) é invocado
   para se afirmar a realidade do evento (I). A mencionada tormentosa
   sequência de eventos intermediários é bastante complexa e ainda não
   completamente entendida.


   3) Obviamente que o EDGES não observa 1420 MHz, mas sim 1420/(1 + z),
   pois o espectro foi produzido no desvio para o vermelho z. As previsões
   teóricas do MPC colocam este z na faixa de 6 a 30 como vimos. Após alguns
   anos de trabalho, obteve-se a observação da absorção em 78 MHz, implicando
   no desvio z = 17, ou seja, 180 milhões de anos após o Estrondão, datando
   assim a época da formação das primeiras estrelas. O artigo relatando as
   observações, de autoria de *Judd Bowman, Alan Rogers, Raul Monsalve,
   Thomas Mozdzen e Nivedita Mahesh*, foi publicado na revista britânica
   *Nature*, a mais conceituada publicação científica do mundo, no dia 28
   de fevereiro de 2018 e tem o título *“An absorption profile centred at
   78 megahertz in the sky-averaged spectrumâ€*. As primeiras palavras do
   resumo do artigo sintetizam de forma brilhante a putativa descoberta:

   *“After stars formed in the early Universe, their ultraviolet light is
   expected, eventually, to have penetrated the primordial hydrogen gas and
   altered the excitation state of its 21-centimetre hyperfine line. This
   alteration would cause the gas to absorb photons from the cosmic microwave
   background, producing a spectral distortion that should be observable today
   at radio frequencies of less than 200 megahertz.†*



   4) O radiotelescópio é bastante simples e barato, semelhante a uma mesa
   cujo tampo possui aproximadamente 2 × 1 m2. A frequência procurada está
   numa faixa muito contaminada por fontes humanas (lembrem-se, por exemplo,
   que as rádios FM emitem entre ∼80 e ∼110 MHz e as emissoras de TV abaixo de
   ∼80 MHz). Então, o telescópio foi levado para o meio de um deserto
   australiano. A contaminação por fontes externas (a Via Láctea, o Sol, a
   Lua, entre outras) teve também que ser considerada e eliminada da *melhor
   forma possível*, pois elas representam um ruído cerca de 10.000 vezes
   mais intenso do que o sinal procurado. PK afirma que encontrar o sinal de
   rádio procurado é tão difícil quanto *“estar no meio de um furacão e
   tentar ouvir o bater das asas de um beija-flor.â€*


   5) Alguns números: a temperatura da RF quando houve a emissão do sinal
   observado pelo EDGES era T(z=17) = 2,725(1 + 17) = 49 K [cf. item 2-(III)
   acima]. O gás era muito mais frio, com temperatura de 3 kelvin. Lembrem-se
   que as escalas kelvin e celsius se relacionam por T(celsius) = T(kelvin) −
   273,15 e que zero kelvin, igual a −273,15 graus celsius, representa o zero
   absoluto, i.e., a temperatura mais baixa que se pode atingir. Um resultado
   estranho dentro de toda esta estranheza é que o hidrogênio parece ser mais
   frio do que o previsto pelos modelos teóricos (a absorção é duas vezes mais
   profunda do que o esperado). Já pululam no meio acadêmico as tentativas de
   se explicar esta discrepância, recorrendo-se à matéria escura, energia
   escura e outros exotismos.


   6) O nosso beija-flor cósmico está realmente fazendo muito barulho. A
   seguir apresento alguns artigos recentes que discutem as consequências de
   seu voo cosmológico: arxiv/1803.06698 <https://arxiv.org/abs/1803.06698>,
   arxiv/1803.06944 <https://arxiv.org/abs/1803.06944>, arxiv/1803.07048
   <https://arxiv.org/abs/1803.07048> e arxiv/1803.07555
   <https://arxiv.org/abs/1803.07555>. Estes são apenas alguns exemplos que
   recolhi nas últimas semanas. A repercussão tem sido enorme. O orçamento do
   projeto está muito longe dos bilhões de dólares de alguns megaprojetos em
   cosmologia.

PK afirma otimisticamente que com esta descoberta *“agora nós sabemos
quando o universo emergiu da Idade das Trevas para a Alvorada Cósmica.â€*
Muito bonito, mas não esqueçamos que é tudo apenas mais uma história bem
contada pelos grandes cientistas e engenheiros do MPC. Não é isto, de fato,
o que se pode fazer?

Imprescindíveis complementos a este COSMOS são: (i) ver o filme de PK
indicado acima e (ii) ler a notícia para imprensa do Observatório Haystack
do Instituto de Tecnologia de Massachusetts intitulada Astronomers detect
earliest evidence yet of hydrogen in the universe
<http://news.mit.edu/2018/astronomers-detect-earliest-evidence-yet-hydrogen-universe-0228>.


Durmam bem, se puderem, com o barulho deste beija-flor…

Um abraço a todos.

Saudações Cosmológicas,

Domingos

PS: Quem quiser ler o artigo de Bowman et al. é só me escrever que eu envio
uma cópia em *pdf*.

=========================
Domingos Sávio de Lima Soares
*FLORESTA COSMOS* <http://lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/fc.htm>
=========================


------------------------------
-------------- próxima parte ----------
Um anexo em HTML foi limpo...
URL: http://radio-amador.net/pipermail/cluster/attachments/20180403/a8998139/attachment.htm


Mais informações acerca da lista CLUSTER