ARLA/CLUSTER: N = R* fp ne fl fi fc L - A equação mais intrigante do Universo

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Sábado, 6 de Maio de 2017 - 19:08:32 WEST


Ela é a capaz de prever o número de civilizações inteligentes na Via
Láctea. Conheça a história da equação de Drake.


Só existem duas possibilidades: ou estamos sozinhos no Universo ou não
estamos. Ambas são igualmente assustadoras. (ARTHUR C. CLARKE)

Em novembro de 1961, um grupo de 11 cientistas brilhantes se reuniu em
Green Bank, na Virgínia Ocidental, Estados Unidos, para discutir um
tema no mínimo pouco ortodoxo: “vida extraterrestre inteligente”. O
evento foi proposto por J. Peter Pearman, da Academia Nacional de
Ciências dos Estados Unidos, para “examinar, à luz do conhecimento
atual, as perspectivas de existência de outras sociedades na galáxia
com as quais comunicações poderiam ser possíveis; tentar estimar seu
número; considerar alguns dos problemas técnicos envolvidos no
estabelecimento de comunicação; e examinar modos pelos quais nossa
compreensão do problema possa ser melhorada”.

Apesar do caráter informal e do pequeno número de participantes, a
reunião representava a nata da sociedade científica. Para que se tenha
uma ideia do nível do encontro, o menos prestigiado dos académicos
presentes era um jovem astrónomo de 27 anos, ainda em seu
pós-doutorado, chamado Carl Sagan.

Para organizar a reunião, Pearman contou com a colaboração do
radioastrônomo Frank Drake, que no ano anterior havia conduzido a
primeira busca sistemática de sinais de rádio contendo mensagens de
origem extraterrestre. Entre abril e julho de 1960, o cientista havia
usado o radiotelescópio do Observatório Nacional de Radioastronomia de
Green Bank para observar as estrelas Tau Ceti e Epsilon Eridani, ambas
relativamente próximas e similares em idade e tamanho ao nosso Sol.
Durante seis horas por dia, Drake apontaria a enorme antena de 26
metros na direção de cada uma das estrelas e procuraria emissões na
frequência de 1,42 GHz (GigaHertz). Essa sintonia foi escolhida por
Drake porque era a mesma emanada pelo hidrogénio – o elemento mais
abundante do Universo – no espaço interestelar. Considerando que esse
comprimento de onda, 21 centímetros, era relativamente livre de
interferência cósmica, exigia pouca energia para transmissão e
atravessava com facilidade atmosferas similares à terrestre, o
cientista supôs que seria o escolhido por alienígenas inteligentes
para enviar mensagens a seus potenciais vizinhos.

Podia ser um chute no escuro, mas pelo menos seres inteligentes de
proveniência terrestre pensavam mais ou menos do mesmo jeito. Em 19 de
setembro de 1959, o italiano Giuseppe Cocconi e o americano Philip
Morrison, ambos então ligados à Universidade Cornell, nos Estados
Unidos, escreveram um artigo para a prestigiosa revista científica
Nature sugerindo a “busca por comunicações interestelares” na mesma
frequência escolhida de forma independente por Drake no ano seguinte.
Os alvos também foram parecidos. Cocconi e Morrison sugeriram que a
busca começasse por observações de Tau Ceti, 02 Eridani, Epsilon
Eridani e Epsilon Indi.

Sabendo do tamanho da controvérsia que seria tratar cientificamente a
busca por civilizações alienígenas, os autores do artigo dedicam o
último parágrafo a se defender.

“O leitor pode querer consignar essas especulações totalmente ao
domínio da ficção científica. Propomos, em vez disso, que essa linha
de argumentação demonstra que a presença de sinais interestelares é
inteiramente consistente com tudo que sabemos, e que, se os sinais
estiverem presentes, os meios para detectá-los estão agora à
disposição. Poucos negarão a profunda importância, prática e
filosófica, que a detecção de comunicações interestelares teria. Nós,
portanto, sentimos que um esforço discriminado por sinais merece uma
atenção considerável. A probabilidade de sucesso é difícil de estimar;
mas, se nunca buscarmos, a chance de sucesso é zero.”

Em dois dedos de prosa, Cocconi e Morrison apresentaram a
justificativa clássica para todos os esforços hoje coletivamente
conhecidos como SETI (Busca por Inteligência Extraterrestre, na sigla
em inglês). Não que os financiadores governamentais de pesquisa
concordem com eles.

Drake, sem saber do artigo da dupla, seguiu os mesmos passos, com seu
esforço de observação de Tau Ceti e Epsilon Eridani. Ele também não
era ingênuo de imaginar que obteria sucesso imediato, o que fica
demonstrado pelo nome que deu à tentativa: Projeto Ozma. A inspiração
era a obra literária de L. Frank Baum, escritor que supostamente
mantinha comunicação com Oz por rádio para então escrever o que se
passava naquela terra mágica e distante. Mas Drake ficou surpreso ao
ouvir, logo no primeiro dia de observação, 8 de abril de 1960, um
sinal forte e pulsado. “Será possível que é tão fácil assim?”,
perguntou-se o radioastrônomo, num misto de pavor e empolgação.

Acabou que era só um sinal produzido por uma aeronave militar secreta,
o primeiro de uma longa lista de falsos positivos colecionados pela
SETI nas últimas cinco décadas. “Mas claro que não identificamos isso
até algumas semanas mais tarde, e naquele momento ficamos muito
empolgados. Não podíamos acreditar no tamanho da nossa sorte.”

Encerrado após cerca de 200 horas acumuladas de escuta de Tau Ceti e
Epsilon Eridani, o Projeto Ozma fracassou em estabelecer contacto com
alienígenas. Mas despertou a atenção da Academia Nacional de Ciências
dos Estados Unidos, o que motivou Pearman a promover a conferência de
Green Bank. Naturalmente, Cocconi e Morrison foram convidados a
participar.

Além de Pearman, Drake, Cocconi, Morrison e Sagan, estiveram presentes
Dana Atchley, especialista em comunicações que colaborou com o Ozma;
Melvin Calvin, bioquímico que identificou o papel da clorofila na
fotossíntese e foi agraciado com o Prêmio Nobel em Química exatamente
durante a reunião; Su-Shu Huang, astrónomo sino-americano que naquela
época foi um dos primeiros a conduzir análises detalhadas dos tipos de
estrelas capazes de permitir o surgimento da vida; John Lilly, médico
e neurofisiologista que se engajou numa tentativa de compreender a
linguagem dos golfinhos; Bernard Oliver, fundador da Hewlett Packard
que nos anos 80 se tornaria o chefe do programa SETI na NASA; e Otto
Struve, astrónomo russo-americano, diretor do Observatório de Green
Bank e entusiasta da hipótese de vida inteligente fora da Terra.

A ORDEM DO GOLFINHO

No começo da reunião, depois que os convidados se sentaram e tomaram
um cafezinho, Frank Drake foi à lousa e escreveu:

N = R* fp ne fl fi fc L

Mal sabia ele que estava escrevendo uma das mais famosas equações da
história da ciência, que perdia em apelo somente para E = mc2, do
inigualável Albert Einstein. Drake tinha ambições muito mais modestas.
Para ele, a expressão matemática era praticamente conversa de bar.
Sério. Reza a lenda que uma das primeiras vezes que essa sequência de
fatores foi escrita aconteceu num pub defronte à Universidade do
Arizona. O estabelecimento, chamado 1702, tem a tradição de deixar os
clientes escreverem em suas paredes, e Drake não teria perdido a
chance (pelo menos de acordo com os funcionários do bar).

O objetivo da equação era dar um norte ao primeiro encontro científico
sobre civilizações alienígenas. “Conforme eu planeava a reunião,
percebi alguns dias antes que precisaríamos de uma agenda. Então eu
escrevi todas as coisas que alguém precisa saber para prever quão
difícil será detectar vida extraterrestre. E olhando para elas ficou
bem evidente que, se você multiplicasse todas, você obteria um número
N, que é o número de civilizações detectáveis em nossa galáxia. Isso
era focado na busca por rádio, e não em procurar formas de vida
primitivas”, recontou o cientista, durante um debate promovido pela
NASA em 2003.

A equação de Drake, como acabou conhecida, é basicamente uma sequência
de probabilidades que ajudou – e ainda ajuda – pesquisadores ligados à
busca por extraterrestres a compreender a complexidade da questão. Ela
reúne, em forma matemática simples, estimativas de astronomia,
biologia e sociologia. Para perceber isso, basta uma olhada no
significado de cada um dos termos.

R* é a taxa anual de produção de estrelas na Via Láctea, a nossa galáxia.

fp é a fração de estrelas que têm planetas.

ne é o número de planetas habitáveis por sistema planetário.

fl é a fração de planetas habitáveis que efetivamente desenvolvem vida.

fi é a fração de planetas vivos que desenvolvem vida inteligente.

fc é a fração de planetas com vida inteligente que atingem o estágio
tecnológico necessário para se comunicar por rádio com outras
civilizações.

L é o tempo de vida médio de uma civilização capaz de se comunicar por
ondas de rádio.

Nos dias subsequentes, Drake e seus colegas discutiram detidamente
cada um dos termos. Como se podia esperar , quanto mais se avança na
equação, mais complicado se torna estimar números para colocar nela.

O grupo, que se auto proclamou a Ordem do Golfinho – inspirado pelos
trabalhos de Lilly, que sugeriam que esses cetáceos poderiam ser uma
segunda espécie inteligente a emergir na Terra –, duelo com a equação
em busca de uma resposta.

R* é o número que causa menos controvérsia e o único que já permitia
uma estimativa mais ou menos segura em 1961, pois exige basicamente
dividir o total de estrelas presentes na Via Láctea pela idade da
galáxia. Mas a Ordem do Golfinho optou por uma estimativa
conservadora, restringindo-se apenas àquelas estrelas similares ao
Sol. Imaginava-se que só para essas estrelas o Sistema Solar – o único
conhecido na época – pudesse ser um exemplo típico, o que teria
implicações importantes na estimativa dos termos seguintes. Por isso,
para aquele grupo pioneiro de cientistas, R* = 1 estrela por ano.

O termo fp era, na época, bem mais controverso, uma vez que nenhum
planeta fora do Sistema Solar havia sido descoberto ainda. Os
cientistas tinham de se escorar nas teorias disponíveis para explicar
a formação dos nossos planetas e então extrapolar isso para as demais
estrelas. O grupo preferiu mais uma vez ser conservador, imaginando
que apenas de 20% a 50% das estrelas acabavam abrigando planetas – uma
estimativa baseada na suposição de que somente estrelas solitárias,
como o Sol, minoria na galáxia, tinham estabilidade suficiente para
ter um sistema planetário. Estrelas binárias ou trinarias então eram
tidas como inadequadas (conclusão que foi contestada por pesquisas
recentes). Daí a estimativa de que fp ficava entre 0,2 e 0,5.

Para ne, a Ordem do Golfinho nem sabia por onde começar e não chegou a
um consenso. Usando o exemplo fornecido pela Terra, eles podiam
afirmar que um planeta por sistema seria adequado, mas até cinco
poderiam ter condições para a vida. Segundo o grupo, ne ficaria em
algum lugar entre 1 e 5.

E aí, conforme deixamos o campo da astronomia para mergulhar na
biologia, os chutes começam a ser ainda menos calibrados.
Ironicamente, quanto mais controverso, mais facilmente os membros da
Ordem do Golfinho começaram a convergir para um número de consenso.
Sem levar em conta quaisquer complexidades envolvidas nos processos
que conduzem à origem da vida, eles se calcaram no registo fóssil
terrestre para fazer sua estimativa. Os sinais mais antigos de vida na
Terra remontam a quase 4 bilhões de anos atrás – a mesma época em que
o ambiente planetário teria se estabilizado e se tornado favorável à
atividade biológica. O fato de que isso se deu com relativa rapidez
fez os cientistas imaginarem que, uma vez que as condições certas se
apresentam, a vida logo aparece. De forma destemida, calcularam que fl
= 1. Ou seja, em todos os lugares em que a vida pode surgir, ela acaba
aparecendo.

O item seguinte diz respeito a vida complexa e inteligente. Enviesados
pelo exemplo terrestre, que sabiamente possui uma civilização
tecnológica e pode ter pelo menos mais um grupo de espécies
inteligentes (os cetáceos, segundo as controversas pesquisas de
Tully), os membros da Ordem do Golfinho imaginaram que a inteligência
era um desfecho natural da evolução biológica. Para eles, fi = 1.
Otimismo a toda prova.

Já o termo fc foi um dos que causaram maior debate entre os membros da
Ordem do Golfinho. Segundo Morrison, a história humana sugeria que a
emergência de sociedades tecnológicas poderia ser um fenómeno
convergente. As antigas civilizações na China, no Oriente Médio e na
América apareceram independentemente e seguiram linhas gerais de
desenvolvimento similares. Ainda assim, ao fim das contas elas
trilharam caminhos diferentes, e não estava claro quais seriam os
impulsores dessas mudanças sociais e dos progressos tecnológicos.

Um exemplo: embora os chineses tenham desenvolvido tecnologias como a
pólvora, a bússola, o papel e a imprensa bem antes dos europeus, isso
não os conduziu à exploração do Novo Mundo, ao Renascimento ou à
Revolução Industrial. Ou seja, a expansão de uma civilização não
depende apenas de seu desenvolvimento tecnológico, mas também de um
fator de escolha. Os chineses optaram por não navegar e colonizar o
mundo, embora estivessem em posição para fazê-lo muito antes dos
europeus.

Da mesma maneira, é impossível prever se uma civilização tecnológica,
além de poder, decidirá efetivamente transmitir mensagens para as
estrelas – um empreendimento para lá de especulativo. Por conta disso,
a Ordem do Golfinho imaginou que apenas 10% a 20% de todas as
civilizações tecnológicas se disporiam a tentar comunicação
interestelar.

Restava o último – e mais importante – fator da equação: L, o tempo de
vida médio de uma civilização comunicativa. Isso causava imensa
apreensão entre os membros da Ordem do Golfinho. Drake acreditava que
o número total de civilizações estava atrelado indissoluvelmente a seu
tempo de vida. Se houvesse espécies inteligentes muito longevas, elas
acabariam se acumulando pela galáxia, mesmo que sua ocorrência fosse
bem rara. Inversamente, se civilizações comunicativas se auto
destruíssem quase imediatamente após atingir esse estágio, mesmo que
elas fossem comuns, provavelmente jamais encontraríamos outra, nem
estaríamos por aqui por muito tempo para procurá-las.

Philip Morrison temia muito por isso, depois de ter trabalhado no
Projeto Manhattan, que levou à criação das primeiras bombas atómicas,
durante a Segunda Guerra Mundial. Ele apontou durante a reunião que os
humanos desenvolveram radiotelescópios e foguetes interplanetários
mais ou menos na mesma época em que criaram as armas de destruição em
massa. Talvez as sociedades alienígenas seguissem o mesmo caminho,
tornando-se visíveis ao resto do Universo na mesma época em que
adquiriam o poder de autodestruição. Morrison sugeriu que, se o tempo
de vida médio de uma civilização comunicativa fosse de dez anos,
provavelmente jamais encontraríamos alguém lá fora. Essa era, para
ele, a principal razão para procurarmos ETs: caso encontrássemos
algum, isso por si só seria motivo de esperança para os humanos. Pelo
menos alguém lá fora teria conseguido sobreviver à “adolescência
tecnológica”.

Carl Sagan era bem menos pessimista. Ele acreditava ser muito possível
que uma civilização encontrasse estabilidade global e prosperidade
antes ou mesmo depois de desenvolver armas de destruição em massa.
Essas sociedades evoluiriam para explorar os recursos naturais de seu
sistema planetário e poderiam ser virtualmente “imortais”, alcançando
uma sobrevivência em escala astronómica – centenas de milhões a
bilhões de anos.

Entre o pessimismo de Morrison e o otimismo de Sagan, a Ordem do
Golfinho estimou o valor de L entre mil e 100 milhões de anos.

Adotando os valores mais pessimistas das estimativas da Ordem do
Golfinho, temos a seguinte solução:

N = 1 x 0,2 x 1 x 1 x 1 x 0,1 x 1.000

N = 20 civilizações comunicativas na Via Láctea.

Trata-se de um valor baixo, que coloca a SETI em posição difícil.
Afinal de contas, se por um lado havia alguém transmitindo lá fora, a
chance de encontrarmos uma das 19 sociedades alienígenas (sendo a de
número 20 a nossa!) em meio a 100 bilhões de estrelas era bem baixa.

Em compensação, usando as estimativas mais otimistas, teríamos:

N = 1 x 0,5 x 5 x 1 x 1 x 0,2 x 100.000.000

N = 50 milhões!

Quando um grupo de cientistas se reúne para estimar uma determinada
quantidade e, após alguns dias de reunião, conclui que esse valor gira
entre 20 e 50 milhões, temos de admitir que o pessoal não está muito
seguro da resposta. De forma surpreendente, esse é sem dúvida um dos
grandes apelos da equação de Drake. Ela não responde nada, só permite
que cada um coloque suas próprias estimativas a fim de calcular o
tamanho da nossa solidão cósmica. Mais que um cálculo sobre
alienígenas, ela ficou famosa como uma expressão do tamanho de nossa
ignorância. Apesar disso, diversos cientistas se arriscaram a realizar
esse exercício desde 1961.


O OTIMISTA E O PESSIMISTA

A solução mais entusiástica da equação de Drake parece ser a produzida
pelo cientista russo Iosif Shlovskii e pelo astrónomo americano Carl
Sagan, no clássico livro A Vida Inteligente no Universo, publicado em
1966.

Eles adotam uma interpretação mais ampla para R*, sugerindo que
praticamente todas as estrelas – salvo aquelas muito grandes, com vida
útil estimada em poucos milhões de anos – podem ser incluídas na
equação de Drake. Arredondando os números (100 bilhões de estrelas na
Via Láctea, nascidas nos últimos 10 bilhões de anos), eles chegam a R*
= 10.

Para fp, eles atribuem o valor 1, pois estão certos de que o desfecho
natural do nascimento de uma estrela é a produção de um sistema
planetário (os estudos atuais parecem corroborar essa hipótese). Para
ne, adotam o valor do Sistema Solar: 1 planeta habitável por sistema.
Esse valor pode até ser considerado conservador para Sagan, que nunca
abandonou a esperança de encontrarmos vida em Marte. Para fl, de novo
o valor 1. Sempre que a vida pode surgir, ela surge, argumenta a
dupla. Para fi, um falso pessimismo: 0,1. Ou seja, a cada dez planetas
com vida, apenas um produz seres inteligentes. Pode parecer
conservador, mas poucos biólogos concordariam com essa estimativa –
muito exagerada, eles diriam. Para fc, eles também atribuem o valor de
0,1, indicando que nem sempre uma civilização tecnológica evolui para
se tornar comunicativa.

Multiplicando tudo, temos N = 10 x 1 x 1 x 1 x 0,1 x 0,1 x L = 0,1 x L

Ou seja, sem estimar L, eles podem afirmar que a cada dez anos surge
uma nova civilização comunicativa na galáxia! Se usarmos o entusiasmo
de Sagan, que sugere que sociedades desse tipo podem sobreviver
tranquilamente por 10 milhões de anos, temos que há 1 milhão de
civilizações disparando sinais de rádio galáxia afora!

Mas para cada entusiasmado há um pessimista inveterado. Em 2000, o
paleontólogo Peter Ward e o astrónomo Donald Brownlee escreveram o
livro Sós no Universo?, sugerindo que planetas similares ao nosso –
supostamente necessários ao surgimento de vida complexa e multicelular
– seriam incomuns ao extremo, solapando quaisquer resultados otimistas
para a equação de Drake.

Em seu livro, eles sugerem que diversos fatores são importantes, como
a posição do sistema planetário na galáxia (nem muito perto do centro
galáctico, onde há muita radiação, nem muito longe, onde há baixa
quantidade de elementos pesados para a fabricação de planetas) e o
tipo de estrela em torno do qual o mundo orbita (não pode ser grande
demais, pois esgota seu combustível e explode antes que a vida tenha
tempo de evoluir em planetas ao seu redor, e não pode ser pequena
demais, caso em que o planeta localizado na estreita zona habitável da
estrela estará travado gravitacionalmente, mostrando a mesma face para
a estrela o tempo todo, com metade sob perpétua luz e metade sob uma
sombra eterna).

Além disso, o planeta teria de manter estabilidade ambiental por um
longo período de tempo, ter o tamanho certo para possuir atividade
tectônica (que é fundamental para manter o ciclo do carbono e produzir
um campo magnético que proteja a superfície de radiação cósmica) e
adquirir uma lua de grande porte, capaz de estabilizar seu eixo de
rotação. Essas coisas todas tornariam muito improvável encontrarmos um
planeta similar à Terra com uma biosfera tão rica quanto a nossa,
argumentam os cientistas.

Somente esses aspectos, que incidem sobre a equação de Drake nos
termos ne, fl e fi, já tornariam qualquer discussão sobre a busca de
outra civilização inócua. De acordo com Ward e Brownlee, a fração de
planetas habitáveis que chegam a ter vida animal seria de
0,00000000001. Mesmo que você multiplique esse número por outros
fatores bastante otimistas, ainda assim seria obrigado a concluir que
devemos estar sozinhos na Via Láctea.

E a coisa ainda piora. O prestigiado biólogo Ernst Mayr (1904-2005)
considera o salto que parte de vida animal elementar para vida
inteligente tão complicado quanto, se não for ainda mais difícil. “A
elaboração do cérebro dos hominídeos começou menos de 3 milhões de
anos atrás, e a do córtex do Homo sapiens ocorreu apenas há cerca de
300 mil anos. Nada demonstra melhor a improbabilidade da origem de
alta inteligência do que o fato de que milhões de linhagens
filogenéticas fracassaram em atingi-la”, afirmou Mayr, em um célebre
debate com Carl Sagan sobre o valor da pesquisa SETI, em 1995.

Mayr segue adiante para atribuir números a essa singularidade humana.
“Se há 30 milhões de espécies vivas hoje, e se a expectativa média de
vida de uma espécie é de 100 mil anos, então pode-se postular que
houve bilhões, talvez até 50 bilhões de espécies desde a origem da
vida. Apenas uma delas atingiu o tipo de inteligência necessária para
estabelecer uma civilização.”

Adotando, portanto, uma probabilidade da ordem de uma em 1 bilhão para
o surgimento de vida inteligente, somos novamente obrigados a concluir
que não haverá transmissões de rádio alienígenas que possamos
detectar.

Em resposta a Mayr, Sagan admite aquilo que qualquer olhada mais séria
para a equação de Drake mostra: apesar de sua popularidade, ela
realmente é pouco informativa.

“A noção de que podemos, por argumentos apriorístico, excluir a
possibilidade de vida inteligente nos planetas possíveis dos 400
bilhões de estrelas da Via Láctea soa estranha aos meus ouvidos. Ela
me lembra uma longa série de preconceitos humanos que nos colocavam no
centro do Universo, ou diferentes não só em grau mas em qualidade do
resto da vida na Terra, ou mesmo afirmavam que o Universo foi
produzido para nosso benefício. A começar por Copérnico, foi
demonstrado que cada um desses preconceitos não tinha mérito. No caso
da inteligência extraterrestre, admitamos nossa ignorância, coloquemos
de lado argumentos a priori, e usemos a tecnologia que somos
afortunados de ter para tentar de fato encontrar a resposta. Isso
seria, penso eu, o que Charles Darwin – que foi convertido da religião
ortodoxa para a biologia evolutiva pelo peso das evidências
observacionais – teria defendido.”

E assim prossegue a pesquisa SETI, em busca de qualquer sinal de
possíveis inteligências alienígenas que ajude a colocar estatísticas
reais na equação de Drake. Enquanto isso não acontece, somos obrigados
a lidar cientificamente apenas com os fatores mais conhecidos e usar
os desconhecidos como elementos de contemplação. Assumidamente, Drake
jamais presumiu responder quantas civilizações existem na Via Láctea.
Sua equação foi só um instrumento – extraordinariamente bem-sucedido –
para permitir que os cientistas refletissem sobre a natureza da vida e
seu contexto no Universo.

Em resposta ao desafio central proposto pela equação, vários
pesquisadores produziram versões alternativas que julgavam ser mais
adequadas para uma estimativa concreta do nível de presença de
inteligências na Via Láctea. Glen David Brin, da Universidade da
Califórnia em San Diego, por exemplo, sugeriu em 1983 que a equação
deveria levar em conta os efeitos de colonização interestelar por
civilizações avançadas, cada uma com uma velocidade de expansão v e um
tempo de vida L. O resultado é um conjunto de três equações ligadas
entre si. Já o russo Aleksandr Zaitsev sugeriu, em 2005, que um novo
fator deveria ser incluído, para levar em conta qual a fração das
sociedades comunicativas – como nós – que de fato se engaja na
transmissão de sinais a sistemas vizinhos. Os humanos têm sido
notoriamente tímidos nesse aspecto, embora algumas mensagens
específicas tenham sido direcionadas ao espaço cósmico. E esses são
apenas dois exemplos. Mais recentemente, Nicolas Glade, da
Universidade Joseph Fourier, na França, e seus colegas sugeriram a
necessidade de um tratamento estatístico mais rigoroso e que levasse
em conta o fator tempo para a obtenção de resultados relevantes com a
equação de Drake.

Enquanto isso, outros astrônomos preferem “comer pelas beiradas” e
abordar o problema a partir de observações que não dependam da
colaboração de civilizações comunicativas. Para nossa felicidade, uma
versão adaptada (e mais contida) da equação de Drake sugere que eles
podem chegar a uma conclusão já na próxima década.

Uma proposta modesta

A astrofísica canadense Sara Seager começou a estudar atmosferas de
planetas fora do Sistema Solar muito antes que elas pudessem ser
investigadas por meios observacionais. Trabalhando com modelos
teóricos, ela tenta compreender que forma podem ter os invólucros de
ar dos estranhos e diferentes mundos que existem lá fora. Trata-se de
uma pesquisa da maior importância, e uma das perguntas que a
pesquisadora vem se fazendo é: que tipo de assinatura química poderia
ser detectada num planeta que tivesse vida?

Olhando para a Terra, mesmo de uma imensa distância, astrónomos
alienígenas poderiam concluir que há vida por aqui. Para isso, basta
ver que nossa atmosfera está bem longe do equilíbrio químico, o que só
pode ser justificado por algum tipo de atividade biológica. Os 20% de
oxigénio molecular que compõem o nosso ar só estão lá porque formas de
vida capazes de fotossíntese reabastecem constantemente a atmosfera
com o precioso gás que habilita nossa respiração. Além disso,
astrónomos extraterrestres poderiam encontrar sinais de quantidades
representativas de vapor d’água na nossa atmosfera, indicando o
importante fato de que se trata de um planeta “molhado”, com um ciclo
hidrológico. Considerando a importância da água como solvente para
reações químicas ligadas à vida (ao menos como a conhecemos), esse
seria outro indício da biosfera terrestre.

Seager concentrou seus estudos, conduzidos no MIT (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts), na investigação de assinaturas similares
que pudessem ser detectadas em planetas fora do Sistema Solar, e
finalmente está chegando o dia em que o ar desses estranhos mundos
poderá ser estudado.

Ela faz parte do grupo de cientistas envolvidos com a missão TESS, a
ser lançada pela NASA em 2017. Sigla para Transit Exoplanet Survey
Satellite, o projeto deve caçar planetas rochosos – similares, ao
menos em porte, à Terra – em torno de estrelas próximas, em todas as
regiões do céu. De certa forma, trata-se de uma continuação do
trabalho do satélite Kepler, sobre o qual já falamos um pouco, e
muitos dos pesquisadores envolvidos com a espaço nave lançada em 2009
estarão a bordo do novo projeto. O objetivo é identificar os mil
“melhores” planetas de pequeno porte, para a realização de futuras
sondagens de sua atmosfera.

O estudo do ar de exoplanetas só pode ser feito de maneira indireta.
Ele exige que o mundo a ser investigado passe à frente da sua estrela,
de forma que parte da luz estelar atravesse a borda da atmosfera e
carregue consigo as “assinaturas” dos gases que ela contém. Alguns
planetas excecionalmente favoráveis a esse tipo de observação já
tiveram componentes da atmosfera identificados com o Telescópio
Espacial Hubble, mas é tudo ainda muito incipiente. Para investigar a
sério planetas de tipo terrestre, em órbitas favoráveis à vida, será
preciso usar o sucessor do Hubble, o poderoso Telescópio Espacial
James Webb, com lançamento marcado para 2018.

Quais as chances de, usando a dupla TESS e James Webb, sermos capazes
de identificar um planeta com vida? Para responder a essa pergunta,
Seager desenvolveu uma versão alternativa da equação de Drake. Veja
como ficou:

N = N* Fq Fhz Fo Fl Fs

N é o número de planetas com bioassinaturas gasosas detectáveis: vida.

N* é o número de estrelas analisadas na amostra.

Fq é a fração de estrelas “quietas”, ou seja, com baixa atividade, o
que favoreceria a identificação e o estudo subsequente do planeta,
além de ajudar a preservar a vida nesses mundos.

Fhz é a fração de estrelas com planetas rochosos na chamada zona
habitável, onde a superfície planetária é capaz de preservar água
líquida.

Fo é a fração de sistemas observáveis.

Fl é a fração de planetas com vida.

Fs é a fração com assinaturas espectroscópicas detectáveis.

Seager afirma que a equação serve para qualquer amostra de estrelas e
qualquer pesquisa bem definida. Além disso, ela elimina os termos mais
controversos da versão original de Drake, que falam sobre a emergência
de vida complexa, inteligência e sociedades comunicativas. Em resumo,
é preciso chutar bem menos para obter uma resposta cientificamente
significativa.

Com sua versão revisada, a astrofísica passa então a estimar todos os
termos para chegar a um valor para N, se concentrando na pesquisa de
estrelas anãs vermelhas — menores e mais numerosas que as de tipo
solar.


O primeiro termo, N*, é o número de estrelas anãs vermelhas que
poderão ser investigadas pelo TESS. Estimativas giram entre 30 mil e
50 mil, e Seager opta pela margem mais conservadora: 30 mil.

Os dados do satélite caçador de planetas Kepler permitem estimar
quantas dessas estrelas têm planetas do tipo rochoso (entre uma e duas
vezes o diâmetro da Terra) na zona habitável, região do sistema em que
o planeta pode abrigar água em estado líquido na superfície. Seager
optou por cruzar esses dados com os do nível de atividade estelar,
selecionando apenas as consideradas de baixa atividade. Portanto, ela
calcula que Fq x Fhz (número de estrelas “quietas” com planetas na
zona habitável) seja igual a 0,15.

Para estimar a fração de planetas efetivamente observáveis, Seager
combina tanto a probabilidade de o sistema estar alinhado
apropriadamente com a Terra para permitir sua observação, como a
capacidade do James Webb de estudar sua atmosfera. Daí ela estima que
a chance é de 1 em 1.000. Portanto, Fo é igual a 0,001.

E aí vem um chute. Como só conhecemos um planeta com vida, não temos a
menor ideia de qual a probabilidade de um outro mundo desenvolver uma
biosfera. Por isso, para Fl, Seager adota uma postura otimista e crava
o valor 100%, 1, o que significa dizer que, sempre que um planeta tem
condições adequadas para a vida, ela se desenvolve. É uma estimativa
defensável (dado o fato de que a vida se desenvolveu na Terra assim
que foi possível), mas ainda assim ela admite: “Esse fator é puramente
especulativo.”

Por fim, ela estima a chance de que um planeta com vida deixe sinais
de atividade biológica em sua atmosfera. Na Terra, isso obviamente
acontece. Mas Seager opta por um número até certo ponto conservador,
sugerindo que em apenas metade dos casos a vida produz traços
detectáveis de sua existência na atmosfera. Fs, portanto, seria 0,5.

Ao final temos:

N = 30.000 x 0,15 x 0,001 x 1 x 0,5

N = 2,25

Moral da história: é preciso investigar 15 mil estrelas anãs vermelhas
para encontrar um planeta com sinais de vida.

Um aspecto interessante é que, na época em que a equação de Drake foi
originalmente escrita, as anãs vermelhas não eram consideradas um bom
lugar para abrigar planetas com vida. Hoje, esse conceito está
mudando, o que abre perspectivas muito interessantes. Uma estrela como
o Sol tem tempo de vida estimado em cerca de 10 bilhões de anos. Já
uma anã vermelha, bem menor, pode durar por trilhões de anos. Para dar
uma ideia da escala, 1 trilhão de anos é cerca de cem vezes a idade
atual do Universo. Com todo esse tempo disponível para a evolução, até
os mais pessimistas podem imaginar que, em algum momento, vida
inteligente pode dar as caras. Principalmente porque as anãs vermelhas
são o tipo mais abundante entre as estrelas, respondendo por 76% do
total da Via Láctea.

Se Seager e seus colegas encontrarem um planeta com vida ao redor de
uma anã vermelha, não só darão a resposta científica definitiva sobre
a existência de extraterrestres como aumentarão bastante a chance
estatística de haver alienígenas inteligentes. Mas, enquanto eles não
chegam lá, não custa nos admirarmos com a complexidade da biologia,
que faz um monte de gente duvidar do fato de que ela seja de fato um
fenómeno comum no Universo.

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Este é um trecho do livro Extraterrestres, de Salvador Nogueira. No
próximo dia 05 de junho de 2017, Salvador dará uma aula sobre
exobiologia na Academia SUPER. Inscreva-se aqui
(http://academiadraft.com/astrobiologia-estamos-sozinhos-no-universo/).

Fonte: Revista SuperInteressante



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