ARLA/CLUSTER: Existe um planeta na zona de habitabilidade a 4 anos-luz de distância do Sistema Solar
João Costa > CT1FBF
ct1fbf gmail.com
Quarta-Feira, 24 de Agosto de 2016 - 18:55:47 WEST
Encontrado planeta na zona de habitabilidade da estrela mais próxima
A campanha Pálido Ponto Vermelho revela um mundo com a massa da Terra
em órbita da Proxima Centauri
24 de Agosto de 2016
Com o auxílio dos telescópios do ESO e doutras infraestruturas, os
astrónomos encontraram evidências claras de um planeta em órbita da
estrela mais próxima da Terra, a Proxima Centauri. Este mundo, há
muito procurado, designado por Proxima b, orbita a sua estrela
progenitora, vermelha e fria, a cada 11 dias, possuindo uma
temperatura que permite a existência de água líquida à sua superfície.
Este mundo rochoso é um pouco mais massivo que a Terra e trata-se do
exoplaneta mais próximo de nós — podendo também ser o mais próximo a
albergar vida fora do Sistema Solar. Um artigo científico descrevendo
esta descoberta marcante será publicado na revista Nature a 25 de
agosto de 2016.
A estrela anã vermelha chamada Proxima Centauri situa-se a apenas
cerca de 4 anos-luz de distância do Sistema Solar, sendo por isso a
estrela mais próxima da Terra, com excepção do Sol. Esta estrela fria,
localizada na constelação do Centauro, é demasiado ténue para poder
ser vista a olho nu, situando-se perto do par de estrelas muito mais
brilhante conhecido por Alfa Centauri AB.
Durante a primeira metade de 2016, a Proxima Centauri foi regularmente
observada com o espectrógrafo HARPS, montado no telescópio de 3,6
metros do ESO, instalado em La Silla, no Chile, e simultaneamente
monitorizada por outros telescópios em todo o mundo [1]. Tratou-se da
campanha Pálido Ponto Vermelho, durante a qual uma equipa de
astrónomos liderada por Guillem Anglada, do Queen Mary University of
London, procurou uma oscilação minúscula da estrela, que seria causada
pela atração gravitacional de um possível planeta que a orbitasse [2].
Uma vez que este é um tópico que gera muito interesse entre o público,
de meados de janeiro a abril de 2016 o progresso da campanha foi
partilhado publicamente no website do Pálido Ponto Vermelho e nas
redes sociais. Relatórios regulares foram acompanhados por diversos
artigos de divulgação escritos por especialistas de todo o mundo.
Guillem Anglada-Escudé contextualiza esta busca única: “Os primeiros
indícios da existência de um possível planeta em torno da Proxima
Centauri foram observados em 2013, no entanto a detecção não foi
convincente. Desde essa altura que temos trabalhado arduamente de modo
a obter mais observações a partir do solo com a ajuda do ESO e doutras
instituições. Estivemos a preparar a recente campanha Pálido Ponto
Vermelho cerca de dois anos.”
Os dados do Pálido Ponto Vermelho, quando combinados com observações
anteriores obtidas nos observatórios do ESO e noutros lados, revelaram
o sinal claro de um resultado verdadeiramente excitante. Há alturas em
que a Proxima Centauri se aproxima da Terra com uma velocidade de
cerca de 5 km/hora — a velocidade normal de andamento de um ser humano
— e outras alturas em que se afasta à mesma velocidade. Este padrão
regular de variação nas velocidades radiais repete-se com um período
de 11,2 dias. Uma análise cuidada dos minúsculos desvios de Doppler
resultantes mostrou que estes desvios indicam a presença de um planeta
com uma massa de pelo menos 1,3 vezes a massa da Terra, orbitando a
cerca de 7 milhões de km da Proxima Centauri — apenas 5% da distância
Terra-Sol [3].
Guillem Anglada-Escudé comenta a excitação dos últimos meses:
“Verifiquei a consistência do sinal todos os dias durante as 60 noites
da campanha Pálido Ponto Vermelho. Os primeiros 10 eram muito
promissores, os primeiros 20 eram consistentes com as expectativas e a
partir de 30 dias o resultado era praticamente definitivo, por isso
começámos a escrever um artigo!”
As anãs vermelhas como a Proxima Centauri são estrelas ativas, podendo
por isso apresentar variações que reproduzem a presença de um planeta.
Para excluir esta possibilidade, a equipa monitorizou também de forma
cuidada a variação do brilho da estrela durante a campanha, com o
auxílio do telescópio ASH2, instalado no Observatório de Explorações
Celestes de San Pedro de Atacama, no Chile, e da rede de telescópios
do Observatório Las Cumbres. Os dados de velocidade radial obtidos na
altura em que a estrela sofria erupções foram excluídos da análise
final.
Embora o planeta Proxima b orbite muito mais próximo da sua estrela do
que Mercúrio o faz do Sol no nosso Sistema Solar, a estrela
propriamente dita é muito mais ténue que o Sol, o que faz com que
Proxima b se situe bem dentro da zona de habitabilidade da estrela,
tendo uma temperatura de superfície estimada que permite a presença de
água líquida. Apesar da órbita temperada de Proxima b, as condições à
superfície podem ser fortemente afectadas pelas erupções de raios
ultravioleta e de raios X da estrela — que são muito mais intensas que
as sentidas na Terra vindas do Sol [4].
Dois artigos separados debatem a habitabilidade de Proxima b e o seu
clima possível. Pensa-se que água líquida possa existir à superfície
do planeta apenas nas regiões mais ensolaradas, tanto numa zona
situada do hemisfério do planeta que se encontra virado para a estrela
(rotação síncrona) ou num cinturão tropical (rotação de ressonância
3:2). A rotação de Proxima b, a forte radiação emitida pela sua
estrela e a história de formação do planeta fazem com que o clima seja
muito diferente do da Terra, sendo improvável que Proxima b tenha
estações.
Esta descoberta marca o início de observações extensas subsequentes,
tanto obtidas com os instrumentos atuais [5], como com a nova geração
de telescópios gigantes tais como o European Extremely Large Telescope
(E-ELT). Proxima b será o alvo principal para se procurar evidências
de vida noutros locais do Universo. Aliás, o sistema de Alfa Centauri
é também o alvo da primeira tentativa da humanidade de viajar para
outro sistema estelar, o projeto StarShot.
Guillem Anglada-Escudé conclui: “Descobriram-se já muitos exoplanetas
e irão descobrir-se muitos mais, no entanto a procura do mais próximo
potencial planeta análogo à Terra e a sua subsequente descoberta
constituíram na realidade uma experiência para toda a vida para toda a
equipa. A história e esforços de muitas pessoas convergiram nesta
descoberta. Este resultado é por isso também um tributo a todos eles.
A procura de vida em Proxima b é o passo seguinte...”
Notas
[1] Para além dos dados obtidos na recente campanha Pálido Ponto
Vermelho, o artigo incorpora ainda contribuições de cientistas que
observam a Proxima Centauri desde há muitos anos. Nestes incluem-se
membros do programa original anãs M UVES/ESO (Martin Kürster e Michael
Endl) e pioneiros na busca de exoplanetas como R. Paul Butler. Foram
também incluídas observações públicas obtidas durante muitos anos pela
equipa HARPS/Genebra.
[2] O nome Pálido Ponto Vermelho reflete a famosa referência de Carl
Sagan à Terra como Pálido Ponto Azul. Como a Proxima Centauri é uma
estrela anã vermelha, banhará o seu planeta com um brilho vermelho
pálido.
[3] A detecção divulgada hoje é tecnicamente possível desde há 10
anos. De facto, sinais com amplitudes menores foram já detectados
anteriormente. No entanto, as estrelas não são bolas de gás lisas e a
Proxima Centauri é uma estrela ativa. A detecção robusta de Proxima b
apenas foi possível após se atingir um conhecimento detalhado de como
a estrela varia em escalas de tempo de minutos a décadas e monitorizar
o seu brilho com telescópios fotométricos.
[4] A possibilidade deste tipo de planeta ter água e vida do tipo da
Terra é assunto de debate intenso mas essencialmente teórico. As
principais preocupações contra a presença de vida estão relacionadas
com a proximidade da estrela. Por exemplo, forças gravitacionais
manterão muito provavelmente o mesmo lado do planeta em luz perpétua,
enquanto o outro lado se manterá em noite perpétua. A atmosfera do
planeta pode também estar a evaporar-se lentamente ou pode ter uma
química mais complexa que a da Terra devido a radiação ultravioleta e
raios X muito fortes, principalmente durante o primeiro mil milhão de
anos de vida da estrela. No entanto, nenhum destes argumentos é
determinante, não se podendo tirar nenhuma conclusão sem evidências
observacionais diretas e caracterização da atmosfera do planeta.
Considerações semelhantes aplicam-se igualmente aos planetas
recentemente descobertos em torno de TRAPPIST-1.
[5] Alguns dos métodos para estudar a atmosfera de um planeta dependem
desse planeta passar em frente da sua estrela e a radiação estelar
passar através da atmosfera no seu percurso até à Terra. Atualmente
não temos evidências de que Proxima b transite em frente ao disco da
sua estrela progenitora e as hipóteses disso acontecer parecem
pequenas, no entanto estão em progresso mais observações para
verificar esta possibilidade.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “A
terrestrial planet candidate in a temperate orbit around Proxima
Centauri”, de G. Anglada-Escudé et al., que será publicado na revista
Nature a 25 de agosto de 2016.
A equipa é composta por Guillem Anglada-Escudé (Queen Mary University
of London, Londres, RU), Pedro J. Amado (Instituto de Astrofísica de
Andalucía - CSIC, Granada, Espanha), John Barnes (Open University,
Milton Keynes, RU), Zaira M. Berdiñas (Instituto de Astrofísica de
Andalucia - CSIC, Granada, Espanha), R. Paul Butler (Carnegie
Institution of Washington, Department of Terrestrial Magnetism,
Washington, EUA), Gavin A. L. Coleman (Queen Mary University of
London, Londres, RU), Ignacio de la Cueva (Astroimagen, Ibiza,
Espanha), Stefan Dreizler (Institut für Astrophysik,
Georg-August-Universität Göttingen, Göttingen, Alemanha), Michael Endl
(The University of Texas at Austin and McDonald Observatory, Austin,
Texas, EUA), Benjamin Giesers (Institut für Astrophysik,
Georg-August-Universität Göttingen, Göttingen, Alemanha), Sandra V.
Jeffers (Institut für Astrophysik, Georg-August-Universität Göttingen,
Göttingen, Alemanha), James S. Jenkins (Universidad de Chile,
Santiago, Chile), Hugh R. A. Jones (University of Hertfordshire,
Hatfield, RU), Marcin Kiraga (Observatório da Universidade de
Varsóvia, Varsóvia, Polónia), Martin Kürster (Max-Planck-Institut für
Astronomie, Heidelberg, Alemanha), María J. López-González (Instituto
de Astrofísica de Andalucía - CSIC, Granada, Espanha), Christopher J.
Marvin (Institut für Astrophysik, Georg-August-Universität Göttingen,
Göttingen, Alemanha), Nicolás Morales (Instituto de Astrofísica de
Andalucía - CSIC, Granada, Espanha), Julien Morin (Laboratoire Univers
et Particules de Montpellier, Université de Montpellier & CNRS,
Montpellier, França), Richard P. Nelson (Queen Mary University of
London, Londres, RU), José L. Ortiz (Instituto de Astrofísica de
Andalucía - CSIC, Granada, Espanha), Aviv Ofir (Instituto de Ciência
Weizmann, Rehovot, Israel), Sijme-Jan Paardekooper (Queen Mary
University of London, Londres, RU), Ansgar Reiners (Institut für
Astrophysik, Georg-August-Universität Göttingen, Göttingen, Alemanha),
Eloy Rodriguez (Instituto de Astrofísica de Andalucía - CSIC, Granada,
Espanha), Cristina Rodriguez-Lopez (Instituto de Astrofísica de
Andalucía - CSIC, Granada, Espanha), Luis F. Sarmiento (Institut für
Astrophysik, Georg-August-Universität Göttingen, Göttingen, Alemanha),
John P. Strachan (Queen Mary University of London, Londres, RU),
Yiannis Tsapras (Astronomisches Rechen-Institut, Heidelberg,
Alemanha), Mikko Tuomi (University of Hertfordshire, Hatfield, RU) e
Mathias Zechmeister (Institut für Astrophysik,
Georg-August-Universität Göttingen, Göttingen, Alemanha).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para
a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico
mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 16 países: Alemanha,
Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França,
Holanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa,
Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO
destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado
na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos
terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes
descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na
promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O
ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La
Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large
Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e
dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio
do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o
maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no
visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto
astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do
Paranal, o ESO está a construir o European Extremely Large Telescope
(E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o
céu”.
Links
Artigo científico na Nature
Dois novos artigos sobre habitabilidade em Proxima b
Blog do Pálido Ponto Vermelho
Fotografias do VLT
Fotografias do HARPS e do telescópio de 3,6 metros do ESO
Fotografias dos telescópios LCOGT
Imagens e vídeos adicionais do PHL @ UPR Arecibo
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