ARLA/CLUSTER: Off Topico: A não ser que seja para usar na frase "espero que o Sporting perca", "perca" é um peixe.

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Quarta-Feira, 3 de Agosto de 2016 - 13:26:15 WEST


LUÍS RIBEIRO (Jornalista da Visão)

10 PALAVRAS E EXPRESSÕES QUE DEVIAM SER BANIDAS DA LÍNGUA

PONTO POR PONTO


Copo com água? Literalmente? Norte-americano? Perca? Não. Não. Não.
Por favor, não

Toda a gente tem duas ou três palavras que não aprecia por aí além,
porque as acha deselegantes, de mau tom e pior som. Eu tenho uma longa
lista. Só de repente, lembro-me de requeiro, caberão, compito, compila
e cômputo, cujo, blinda, brioche e broche, adição, vi-vos e fá-lo,
eslovaca, xaputa e disputa, pariu e podido. Umas percebo porquê,
outras nem por isso. Mas longe de mim querer bani-las. De que outra
forma poderia dizer "Requeiro uma xaputa e um brioche"?, ou "Eu
compito em disputa pelo primeiro lugar, mas caberão três pessoas no
pódio", ou "Fá-lo tu, que eu não tenho podido"? Há, no entanto, outras
palavras e expressões comummente (gosto de comummente) usadas na
língua portuguesa que me põem o sangue a ferver - porque são
disparates. E às vezes disparates sancionados por dicionários (os
linguistas rendem-se muitas vezes às massas). E hei de bater-me até ao
fim dos meus dias para os fazer desaparecer. Aqui e ali, com a ajuda
do Ciberdúvidas, o segundo melhor site português (depois da VISÃO,
claro).

10. NORTE-AMERICANO

Não, o país não se chama Estados Unidos da América do Norte. Chama-se
Estados Unidos da América. Logo, o seu povo é americano. Ou
estado-unidense, para os puristas. Norte-americanos são os naturais ou
habitantes do subcontinente América do Norte. "Ah, e tal, mas
americanos também são os brasileiros e os chilenos!" Sim? Então
digam-me uma vez em que tenha sido ambígua a frase "os americanos
bombardearam mais um país acabado em 'ão'". Uma vez que seja que
alguém tenha dito isto e o interlocutor tenha ficado efetivamente na
dúvida e perguntado "quais americanos? Os equatorianos?". Aliás, quem
é que, numa conversa de amigos ao jantar, diz "cá para mim o Trump vai
mesmo ser o Presidente norte-americano", sem, de seguida, levar um
carolo? Honestamente: quem? Além disso, se há 15 países
sul-americanos, há 23 norte-americanos (a América Central é uma região
da América do Norte, não um subcontinente). Portanto, escrever
"norte-americano" não resolve dúvida nenhuma. Só cria. Já agora, as
mesmas pessoas que escrevem "norte-americano" escrevem
"afro-americano". Por uma questão de coerência, não deviam escrever
"afro-norte-americano"? Dito isto, O PAÍS NÃO SE CHAMA ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA DO NORTE!

9. PERCA

A não ser que seja para usar na frase "espero que o Sporting perca",
"perca" é um peixe. "Perca de peso" é, portanto, um peixe gordo.

8. COPO COM ÁGUA

O preferido dos chicos-espertos. A prova mais imediata de que a língua
é o primeiro veículo da presunção.
"Quero um copo de água, se faz favor"
"Ah, e tal, quer um copo de água ou um copo com água? É que o copo é
feito de vidro. Eh eh."
"Caro senhor, quando peço um copo de água, a palavra que está
subentendida é "cheio", não "feito".
"O que é que quer dizer subentendida?"
"Esqueça. Ia demorar muito tempo a explicar. Voltando ao essencial,
também pede (como exemplifica o Ciberdúvidas) uma chávena com chá ou
um maço com tabaco? É que o maço não é feito de tabaco, pois não? Pois
não?"
"A torneira está avariada. Se quer água, compre uma garrafa. De água."

7. PARA ALÉM DISSO

Ou é "além de" ou "para lá de". Este é o terceiro dente da forquilha
pleonástica do diabo: "Para além disso, há uns anos atrás subi para
cima."

6. COSTA DE CAPARICA

Da! Da! Qual de?! Essa é outra moda relativamente recente, de gente
que acha que assim é que se fala bem. Mas é ilegal dizer Costa de
Caparica! Bom, não sei se posso dizer que é ilegal, mas o decreto que
criou a freguesia da Costa da Caparica, em 1949, chamou-lhe,
precisamente, Costa da Caparica. Fim de discussão. Por uma vez que
seja, a lei está do meu lado.

5. ENTRE 10 A 20

Repitam comigo: de 10 a 20 MAS entre 10 e 20. De 10 a 20 MAS entre 10
e 20. Só isso. Não tenho nada a acrescentar.

4. LITERALMENTE

Uma das minhas palavras preferidas, mas que se tornou um ódio de
estimação - por causa do seguinte:
"Ah, e tal, estou literalmente morto de cansaço."
"Estás mesmo? Então como é que consegues falar? Os mortos não falam"
"Eu não queria dizer literalmente literalmente. Queria dizer só literalmente."
"Querias dizer metaforicamente, então?"
"Mas se eu disser metaforicamente, as pessoas vão achar que eu não
estou morto de cansaço."
"E não estás. Estás vivo."
"Mas há dicionários que já admitem o literalmente como forma de
reforçar uma ideia. Pumba! Toma lá que já almoçaste, literalmente."
"Primeiro, literalmente ainda não almocei. Segundo, pede lá ajuda a
esses dicionários para resolver esta: 'Um viajante percorreu
literalmente milhares de quilómetros a pé.' O que é que eu acabei de
dizer? Ele caminhou mesmo milhares de quilómetros? Ou estou só a dizer
que ele andou muito?"
"És literalmente parvo."
"Não tens nada que agradecer."

3. BILIÃO

Bilião existe, sim, mas não é o mesmo que em inglês. Billion é mil
milhões. Um bilião dos nossos é um trillion dos deles. "Ah, e tal, mas
os brasileiros traduzem billion para bilhão." É verdade. E se calhar
eles é que fazem bem. Mas a culpa não é minha. A língua já aqui estava
quando eu nasci. Queixem-se ao Camões.

2. SOLARENGO

Mais uma asneira reconhecida por alguns dicionários. Mas é uma
excelente forma de nos ajudar a separar o trigo do joio: abra o
calhamaço na letra S, dedilhe até "solarengo" e, se encontrar a
definição "Que tem sol; que é iluminado pelo sol; que está exposto à
luz e ao calor solar", fica a saber que tem nas mãos uma excelente
acendalha. Pode dar jeito para acender a lareira do solar, naqueles
dias menos soalheiros.

1. AH, E TAL

Nunca - nunca! - alguém soltou "Ah, e tal, vou ali comprar a VISÃO".
Mas toda a gente se lembra de alguém que disse "ah, e tal". É o
arquétipo da expressão órfã da língua portuguesa: é das mais usadas,
mas ninguém a usa.

LUÍS RIBEIRO

Jornalista

Entrei na VISÃO em 1999, bem verdinho, com 23 anos acabados de fazer.
De lá para cá, apanhei-me rodeado de chamas e de água a reportar
incêndios e inundações. Cobri o avião que se despenhou nos Açores e as
enxurradas na Madeira. Atravessei a pé a costa alentejana e mergulhei
ao lado de tubarões na barreira de coral australiana. Dormi no deserto
do Sahara e naveguei no mar do Ártico. Perdi-me nas quentes savanas de
Moçambique durante as cheias do Zambeze e nas geladas ruas de Kiev
durante a Revolução Laranja. Caminhei pelas pobres ruelas de Islamabad
em busca de testemunhas do ataque terrorista que matou Benazir Bhutto
e quase adormeci em dezenas das mais insuportáveis reuniões que se
pode imaginar. Conheci gente fascinante, louca, perigosa, sonhadora, e
gente que era tudo isto numa só pessoa. Para o mal e para o bem, foi a
VISÃO que fez de mim quem sou. Mas há muito, muito mais para aprender
e partilhar. A aventura ainda agora começou.



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