ARLA/CLUSTER: O futuro da rádiodifusão digital na Europa, no Brasil e no Mundo é completamente incerto.

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Quarta-Feira, 2 de Julho de 2014 - 14:18:22 WEST


O futuro da rádiodifusão digital na Europa, no Brasil e no Mundo é
completamente incerto.

A maioria das rádios difusoras comunitárias querem continuar a
transmitir em FM analógico. Se realmente fecham o FM analógico que
conhecemos, os ouvintes não vão migrar para o sistema DAB. Sobretudo
os jovens, que iriam para a Internet e não teriam interesse nesse
velho padrão estático. Eles receberiam mais oportunidades e
flexibilidade na Internet, sem dúvida. Também é uma questão de
gerações. Eu acho que a única possibilidade que existe para interessar
os jovens para a radiodifusão digital é o DRM+. Por isso lutamos na
Suécia para não gastar mais dinheiro publico com o DAB, um sistema
caro e que quase ninguém usa desde que se avaliou em 1995.

Resumo da entrevista com Christer Hederström do Forum Europeu da Mídia
Comunitária (CMFE) em 2012, dai para cá, as incertezas são cada vez
maiores.

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Na semana passada, aconteceu na cidade de Halle na Alemanha um
encontro de rádios comunitárias chamado “Zukunftswerkstatt Community
Radios” (Oficina do futuro de Rádios Comunitárias). Entre outras
coisas, os participantes também trocaram ideias e experiências sobre a
radiodifusão digital. Christer Hederström foi um deles. Ele chegou de
Estocolmo, Suécia, para compartilhar os seus conhecimentos e práticas.
Christer não somente organiza o grupo de trabalho sobre rádio digital
do Fórum Europeu da Mídia Comunitária (CMFE), mas também está
preparando um teste de transmissões com rádios comunitárias suecas no
próximo ano. A AMARC Brasil falou com ele depois a conferência em
Halle sobre o debate europeu e os distintos padrões em debate na
Europa e América Latina.

Christer, depois de dois dias de intensas falas e apresentações na
“Oficina do futuro de Rádios Comunitárias” na Alemanha, qual é a sua
impressão? As rádios comunitárias alemãs e europeias se apaixonaram
pela a ideia de um futuro digital ou não?

A minha impressão geral é de que as rádios alemãs estão num ponto onde
estiveram as rádios suecas há dez anos. As pessoas quase não sabem que
têm alternativas ao padrão digital DAB (Digital Audio Broadcasting)
usado atualmente na Alemanha. Acham que o DAB é a única forma de fazer
rádio digital, enquanto é somente um dos quatro padrões existentes no
mundo. A importância do seminário pra mim foi de deixar claro que
existem alternativas, por exemplo, o padrão DRM+ (Digital Radio
Mondiale). Isso é importante porque as autoridades da mídia alemã que
apoiam DAB dificultam a publicização de outras informações.

Relacionado a essa má informação está a vontade de vários Estados
Federais alemães de acabar com a banda FM. Mas na Alemanha, quando se
fala do plano de freqüências, isso é uma competência do Governo
Federal. E agora o Governo em Berlim deixou claro que os Estados
Federais não podem decidir sobre as freqüências FM sozinhos. Isso foi
uma boa notícia, pois não podem fechar a faixa FM com tanta facilidade
e colocar todas as estações em freqüências digitais (usando DAB) fora
do dial conhecido. Na Baviera, por exemplo, até pouco existia a
vontade explícita do Governo local de tirar as rádios comunitárias do
FM. Aqui em Halle acordamos que vamos lutar contra isso, porque não é
bom para rádio e menos ainda para as comunitárias.

Aqui no Brasil tem sobretudo dois padrões competindo, HD Radio e DRM+.
Diz-se que HD Radio vai garantir a futura existência do FM porque
prevê uma digitalização somente nessa faixa. Por outro lado se diz que
o HD Radio poderia ameaçar a futura existência de rádios comunitárias.
O que você acha desses argumentos?

Não tem uma diferencia entre um possível uso compartilhado da banda FM
entre transmissões analógicas e digitais usando HD Radio ou DRM+. É
possível continuar sob ambos os padrões. Isso é uma vantagem
importante no debate europeu onde disputam o DRM+ e o antigo padrão
DAB, que não permite transmissões compartilhadas. Mas é importante
lembrar também que DRM+ funciona em todas as faixas. Poderiam-se usar
também faixas não usadas atualmente na América Latina.

Mas, comparando HD Radio e DRM+, deve-se notar que DRM+ é um sistema
muito mais moderno e flexível. A sua introdução e manutenção seria
muito mais barata. Além disso, o HD Rádio é inferior tecnologicamente,
e isso não é uma surpresa por se tratar de um sistema mais velho.
Escolher o HD Radio no Brasil seria um erro horrível. Seria muito
caro. Anualmente se paga uma licença para usar o HD Radio à sua
companhia Ibiquity. Isso não acontece com o DAB ou o DRM+ que são
abertos. Podem ser usados por tudo mundo em todas partes.

Isso é certo? No Brasil também existem preocupações sobre os royalties
que se tem de pagar pelo uso de DRM+. Não é 100% aberto não…

Isso me surprende porque ninguém paga pelo uso de DRM na Europa.
Porque deveria ser assim no Brasil?

Na página web do DRM publicaram os custos de royalties para produzir
transmissores e receptores. Por exemplo, o códice de áudio AAC+ não é
livre de royalties. O preço pode ser negociado pelo governo talvez,
mas existem custos sim.

Ahh, você está falando de produzir equipamento e não do uso do
equipamento. Claro, isso é outra coisa. Eu falei que, no caso de
escolha do HD Radio, você teria de pagar pelo uso do equipamento
também. Essa é a diferença. Pagar royalties no processo de construção
não é uma coisa insólita. Pagar pelo uso sim. Tem que ficar claro: os
usuários são tanto as pessoas que transmitem, quanto as que recebem a
programação, e nenhum deles deve pagar. Claro, indiretamente todo
mundo paga comprando equipamentos radiofônicos. Mas têm muitos
royalties que você também paga comprando um carro, por exemplo. Esses
custos únicos não se discutam na Europa realmente.As coisas que se
deveriam discutir mais no Brasil são os possíveis desenvolvimentos dos
padrões em debate. Eu falo, por exemplo, muito com Lars Liljeryd, que
colaborou no desenvolvimento do códice de áudio AAC+ usado pelo padrão
DRM+. Lars vai ajudar nos testes que vamos fazer com rádios
comunitárias na Suécia no próximo ano e ele prevê um custo muito
barato para usar AAC+ no futuro e facilitar uma produção independente
e massiva de transmissores de tipo DRM+. E isso não acontecerá nem com
DAB ou HD Radio. Eu calculo que já atualmente se pode construir um
transmissor DRM+ por menos de 5.000 Euros. Isso é um ponto que deve
importar às rádios comunitárias: apoiar a tecnologia mais simples e
mais barato no seu uso. É a mesma coisa com o padrão FM que virou
popular com rádios comunitárias por essa razão. A coisa mais parecida
a um transmissor FM que se pode usar no campo digital hoje é um
transmissor DRM+.

No Brasil se falava muito também de um padrão digital nacional como
uma alternativa aos dois padrões em debate atualmente. Porque partindo
de uma posição de princípios, nenhum dos dois padrões oferece uma
tecnologia 100% aberta e sem custos. O que você acha dessa critica?
Tem países na Europa que também sonham com um padrão nacional?

Não, nunca ouvi disso na Europa, somente no Brasil e África do Sul
quando se debatia um padrão de televisão digital 100% independente e
nacional. Mas isso hoje em dia não é possível. O único problema que
sofre DRM+ é a falta de receptores no mercado. DAB e HD Radio têm a
vantagem de já venderem receptores. Isso é um passo crucial para DRM+.
Tecnicamente é pronto, um sistema estável. Nosso teste em Estocolmo
vai ser mais uma exibição (show case) para os países Escandinavos como
uma alternativa barata ao DAB atualmente em uso.

Mas voltando a sua pergunta de uma padrão nacional, isso me parece
muito errado. Porque se queremos realmente um sistema mundial de
comunicação isso vai ficar mais difícil de realizar com cada padrão
nacional que se introduz. Um padrão nacional nunca vai poder ser 100%
independente também não. Num momento ou em outro tem que se fazer
compromissos com o mercado mundial ou com quem quer que seja. O padrão
do futuro deveria ser um só. Eu ouvi falar das ambições do Brasil, que
queria construir o padrão próprio, produzir nas próprias fábricas,
primeiro pelo mercado nacional e também para o mercado da América
Latina, seguindo também para Ásia e África. Isso é um sonho
imperialista, eu acho.

Mas deveria ter possibilidades de produzir o equipamento da
radiodifusão digital no Brasil também, não é? Senão, importar tudo de
Europa poderia parecer um sonho colonialista, para retomar a sua
imagem…

Bom, a postura de Ibiquity (HD Radio) é essa mesma. É por isso que o
Canadá não gosta da ideia de introduzir HD Radio. O Canadá não
permitiu nem a introdução do padrão HD Radio dos EUA, nem a aplicação
do antigo padrão europeu, o DAB. A indústria dos EUA fez muito lobby
pela introdução do HD Rádio, mas a introdução no México se deve
provavelmente mais a fortes pressões económicas e políticas que a um
debate bem informado. Oxalá que no Brasil não se repita a mesmo coisa.

Se falamos de um debate bem informado. O que deve oferecer a
radiodifusão digital a uma rádio comunitária? Quais são as
expectativas na Europa?

Bom, na Europa temos mais ou menos 2.300 rádios comunitárias nesse
momento. E a postura do Fórum Europeu de Mídia Comunitária (CMFE) e
também da AMARC Europa é respeitar e defender a decisão da maioria das
rádios comunitárias que querem continuar a transmitir em FM. E querem
continuar por um bom tempo ainda porque esse é o único padrão em uso
que é verdadeiramente global. Mas começando com uma digitalização
complementar, as rádios comunitárias apoiarão o DRM+. É a única opção.
Porque o DAB provavelmente mataria a radiodifusão comunitária. Porque
com o DAB você tem que participar de maneira forçada num sistema de
multiplexing (multiplicador de canais), dentro do mesmo sistema de
transmissões, como a rádio pública e comercial.

E considerando o argumento que uma rádio comunitária poderia obter
mais de um canal usando o DAB, pergunto: qual a razão disso? Elas já
têm bastante trabalho para organizar uma programação em FM e talvez um
canal de streaming na Internet. Essa combinação de repetir o conteúdo
é perfeita e suficiente. Os defensores do DAB falam que é muito
barato, o que é correto caso sejam usados todos os 46 canais
disponíveis. Mas tem de haver essa demanda e deve-se considerar que
produzir conteúdo para manter o sistema de transmissão barato também
tem um custo. E quem pode garantir isso? As rádios comunitárias não
podem, e por isso o DAB não é uma vantagem para elas.

No caso do DRM+, pelo menos podemos considerar algumas vantagens
tecnológicas reais para as rádios comunitárias. Por exemplo, o gasto
de energia seria 10 vezes mas baixo que agora com um transmissor FM,
tendo o mesmo alcance. Você pode economizar energia e isso é um ponto
considerável num pais com altos custos de energia. E existem outras
vantagens. Por exemplo, a criação de uma rede por meio de uma
freqüência só (single frequency networks). Na Suécia ou Franca, por
exemplo, existem estações que por razões geográficas têm que organizar
três transmissores com três freqüências distintas para conseguir uma
cobertura na comunidade inteira. Com DRM+ você poderia usar uma
freqüência só e seria mais fácil encontrar seu sinal. Isso seria uma
grande vantagem.

E falando do conteúdo, você está vendo já alguns usos novos no ambiente digital?

Realmente isso é difícil de predizer. Eu valorizo mais esse ponto, que
com DRM+ vai ficar fácil construir e operar o seu próprio transmissor.
É um sistema transparente e as rádios comunitárias ficariam com o
controle da tecnologia. Isso é muito importante porque vai preservar
uma caraterística conhecida já no FM.

Mas se fala também que o DRM+ poderia oferecer um canal de retorno
para permitir um uso interativo e que se poderiam mandar também
imagens e vídeos. O que você acha dessas opções?

Isso são possibilidades para um debate futuro. Não se precisa disso no
momento. Já existe a televisão. Para que incluir vídeos no rádio? O
rádio deveria continuar uma mídia simples e barata, oferecendo um bom
sinal. O lado forte do rádio é essa simplicidade. Fazendo as coisas
mais complicadas vai fazer migrar os ouvintes para outros lados.

Falamos disso agora em Halle também. Se realmente fecham o FM
analógico que conhecemos, os ouvintes não vão migrar para o sistema
DAB. Sobretudo os jovens, que iriam para a Internet e não teriam
interesse nesse velho padrão estático. Eles receberiam mais
oportunidades e flexibilidade na Internet, sem dúvida. Também é uma
questão de gerações. Eu acho que a única possibilidade que existe para
interessar os jovens para a radiodifusão digital é o DRM+. Por isso
lutamos na Suécia para não gastar mais dinheiro publico com o DAB, um
sistema caro e que quase ninguém usa desde que se avaliou em 1995.

Para desenvolver DRM+ temos muito tempo. Escolhendo DRM+, depois
provavelmente teremos anos e anos de debate social sobre a sua
implementação. Essa participação é importante.

Entendo bem, DRM+ ajudaria manter aberta a questão sobre como
socializar essa tecnologia, enquanto outros padrões fechariam o debate
muito rapidamente.

Certo. E tomando uma decisão equivocada agora deixaria as pessoas
muito infelizes no futuro. Eles se perguntariam, como poderíamos
escolher um sistema tão antigo e ruim? Por isso deve-se ter muito
cuidado agora.

Outra coisa importante é ter a consciência de que o DRM teve uma rede
global desde o início. Na onda curta (OC), onde foi aplicado
inicialmente, mas também nas ondas médias. Hoje já tem um uso da
versão DRM 30 em muitos países como Índia e Rússia para transmitir nas
OC. DRM+ seria uma prorrogação dessa experiência global, uma
modernização da versão anterior. DAB e HD Radio não têm essa rede e
essa experiência. A Índia em pouco tempo vai ter 4.000 estações
convencionais em FM e também um número importante de rádios
comunitárias. Eles provavelmente vão optar pelo DRM+ no futuro. Eles
hoje têm uma grande estação de 1000KW para prestar um serviço público
em quase toda a Índia. Enquanto eles digitalizam este sinal, mantendo
a mesma potência, vão cobrir não somente India, mas também o Paquistão
e parte de outros países vizinhos. E isso com um só transmissor. Para
fazer a mesma coisa com o DAB você precisaria minimamente 15.000
transmissores.

Você tem mais alguma coisa para compartilhar com o público Brasileiro?

Uma coisa importante a lembrar é que a produção massiva de
transmissores e receptores de DRM+ é lucrativo. Isso também deveria
ser debatido abertamente no Brasil. Eu gostaria de ver equipamento
feito no Brasil que permita transmitir e ouvir programas em DRM+ ou
ainda melhor, em radio FM e em DRM+ ao mesmo tempo. Além disso, quero
compartilhar uma informação que recebi ontem de Coreia do Sul. Eles
ofereceram um equipamento receptor barato para ser testado por nossas
rádios em Estocolmo. Funcionam como pequenos dispositivos USB e vão
custar menos de 20 Euros. Isso é um ponto de partida para os jovens
que usam o computador.

Mas o caso do Brasil é mais interessante ainda. Eles realmente
poderiam ficar na frente desse desenvolvimento digital. Poderiam ser
os melhores produtores do equipamento de DRM+ escolhendo o padrão mais
cedo ou juntos com os outros países de grupo BRIC (Brasil, Índia,
Rússia, China) e África de Sul. Isso significaria realmente uma
independência de decisão no futuro e acabaria com a velha configuração
entre Norte e Sul. E não se pode esquecer que no único país onde foi
introduzido massivamente HD Radio,os EUA, não se chegou nenhuma
notícia sobre rádios comunitárias usando este padrão até agora. Eu
acho muito saudável lutar contra o HD Radio no Brasil. Ninguém tem
pressa. Temos muito tempo ainda para aproveitar a faixa FM enquanto
continuamos o debate…

A entrevista foi realizado por Nils Brock.

Fonte: AMARC Brasil



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