ARLA/CLUSTER: Estamos na Era de ouro da cosmologia mas conhecemos
apenas 4% do universo
Afonso Marques
amarques guiatel.net
Tera-Feira, 19 de Agosto de 2014 - 16:53:47 WEST
Ia jurar que este tema , se não este mesmo artigo, e de certeza o Lucio
Marassi , já tiveram por este cluster honras publicitárias . Até creio que
na altura os leitores pouca atenção lhe prestaram , talvez não só pelo
desvio temático , como pelas patranhices , pelo pouco interesse no assunto
, ou pelo desconhecimento do mesmo . Mas, á falta de melhor, há que repetir
porque dá um ar de certa cultura , e porque pode ser que alguém lhe pegue…
73
CT1RH
*De:* cluster-bounces radio-amador.net [mailto:
cluster-bounces radio-amador.net] *Em nome de *João Costa > CT1FBF
*Enviada:* terça-feira, 19 de Agosto de 2014 14:11
*Para:* Cluster-ARLA
*Assunto:* ARLA/CLUSTER: Estamos na Era de ouro da cosmologia mas
conhecemos apenas 4% do universo
A maneira como o ser humano vê o universo está mudando. Cada vez mais, fica
claro o quão pouco sabemos sobre ele. Na verdade, os cosmologistas têm a
resposta: 4%.
Os dados do observatório espacial Planck, desligado no fim de outubro
(2013), formam o capítulo mais recente da cosmologia. A sonda da Agência
Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) calculou com maior precisão a
idade do universo (13,8 bilhões de anos), estudou a radiação cósmica de
fundo – a qual se originou no Big Bang e envolve todo o universo -,
comprovou teorias anteriores e apontou números surpreendentes, como a taxa
de expansão do universo, que deve provocar discussão entre os
especialistas.
E isso é apenas o começo. “Em 2014, serão liberados novos resultados que
certamente irão marcar profundamente a cosmologia moderna”, afirma o
professor Lúcio Marassi*, doutor em cosmologia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em cosmologia computacional pelo
Instituto de Astrofísica de Paris.
A cosmologia é a ciência que estuda a origem, a estrutura e a evolução do
universo. Não se encarrega, portanto, de tarefa fácil. Mas descobertas
recentes estão revirando conceitos antigos, mudando o que se sabia até há
algum tempo e desdobrando um universo inimaginável – ou, pelo menos, digno
de ficção científica – poucos anos atrás. Trata-se de um universo repleto,
segundo a cosmologia atual, por matéria escura e energia escura, as quais
formam 96% do todo.
"Só começamos a nos tornar sábios quando aprendemos o quanto ignoramos.
Nesse sentido, sabendo que toda nossa ciência atual baseia-se em apenas 4%
de tudo o que existe, vemos que temos ainda muito o que descobrir”, aponta
Marassi. “Está começando a Era de Ouro da Cosmologia, e todo dia há uma
enxurrada de novas descobertas, desvendando o quanto nosso universo é
misterioso e maravilhoso".
A fim de descobrir um pouco mais sobre a Era de Ouro da Cosmologia, e o que
ela significa para a nossa compreensão do universo, o Terra entrevistou o
doutor Lucio Marassi, que se prestou a explicar, do modo mais acessível
possível, os recentes avanços, descobertas e perspectivas dessa fascinante
área da astronomia.
Terra - Por que você diz que uma era de ouro da Cosmologia está começando?
Lucio Marassi - A Cosmologia moderna iniciou-se com a Teoria da
Relatividade Geral de Einstein, no início do século 20. Quando Edwin Hubble
detectou que as galáxias estão afastando-se de nós, em 1929, iniciou-se a
hipótese de que o universo teve um início e expandiu-se continuamente até
hoje em dia; essa foi a hipótese do Big Bang, que começou a tornar-se
bastante sólida com as observações da Radiação Cósmica de Fundo (RCF). A
RCF, que é uma radiação de fundo que envolve todo o universo, e que
originou-se no início do Big-Bang, foi descoberta observacionalmente
primeiro por Penzias e Wilson em 1965 (apenas um ponto do espectro, nesta
época), e confirmada totalmente pelo satélite COBE (sigla em inglês de
“Cosmic Background Explorer”), lançado em 1989.
É exatamente neste ponto, com o lançamento do COBE, o primeiro satélite
dedicado unicamente à obtenção de dados cosmológicos, que começa minha
afirmação de que iniciamos a “era de ouro da Cosmologia”. Com o COBE
descobrimos que o universo é extremamente homogêneo e isotrópico em grandes
escalas, mas há anisotropias na radiação de fundo (ou seja, há variações,
irregularidades); são destas pequenas irregularidades iniciais que surgiram
todas as galáxias, todos os aglomerados e superaglomerados de galáxias que
vemos hoje. Todas as teorias sobre formações de aglomerados galáticos
começaram a ter suporte observacional a partir dos dados do COBE,
divulgados em 1992.
Logo após o COBE, em menos de vinte anos, diversos outros projetos
dedicados à obtenção de dados observacionais do universo foram realizados:
em 1991, o Compton Gamma Ray Observatory mapeou as fontes de explosões de
raios Gama no universo; em 1998, tivemos dois projetos, o High-z Supernova
Search Team e o Supernova Cosmology Project, que mudaram a cosmologia
moderna, provando que o universo está acelerando sua expansão, iniciando
estudos observacionais sobre uma possível Energia Escura, de pressão
negativa, que seria a responsável por esta aceleração atual; em 2000,
tivemos o experimento BOOMERanG (que descobriu que o universo é plano e
aprimorou medidas da RCF) e também demos início ao megaprojeto SDSS (Sloan
Digital Sky Survey, que ainda hoje libera dados, explorando milhões de
objetos a grandes distâncias de nós no universo, contribuindo para a
compreensão da formação dos aglomerados e superaglomerados galáticos); em
2001, foi lançado o satélite WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe),
que estimou com precisão jamais vista antes diversos parâmetros
cosmológicos, a partir de um profundo e preciso estudo da RCF); em 2002,
iniciou-se o projeto LIGO (Laser Interferometer Gravitational Wave
Observatory), que funcionou até 2010 e procurou detectar as fugidias ondas
gravitacionais, previstas pela teoria de Einstein; em 2003, tivemos a
finalização do “2dF Galaxy Redshift Survey” (um catálogo determinando a
distância e a distribuição de mais de 200 mil galáxias, contribuindo
enormemente para a compreensão da formação das grandes estruturas do
universo); em 2009 foi lançado o satélite Planck (também estudando com uma
precisão nunca antes alcançada a RCF, e que foi desativado apenas agora, em
outubro de 2013, embora ainda leve alguns anos para se analisar todos os
dados coletados); em 2012, foi iniciado o projeto Dark Energy Survey, que
pretende, em cinco anos, estudar a fundo a aceleração do universo; para
2014, está prevista a releitura do antigo projeto LIGO (chamado de Advanced
LIGO, ainda no encalço das fugidias ondas gravitacionais).
Na verdade, seria necessário quase um livro para enumerar as atuais frentes
de pesquisa da cosmologia nos últimos vinte anos. Não citei os diversos
catálogos de fontes de raio-X de aglomerados galáticos, nem os catálogos de
Fração de Massa do Gás usados até hoje para estimar parâmetros
cosmológicos; também nada falei sobre os catálogos de lentes gravitacionais
em andamento; não citei nenhum dos avanços do LHC (Large Hadron Collider,
que dentre outras coisas pretende descobrir um candidato para a
subpartícula da Matéria Escura, e talvez ainda detectar indiretamente
indícios de dimensões extras); também seria extenuante analisarmos as
centenas de projetos gerados na Cosmologia Computacional, que através da
simulação de N-Corpos desenvolvem catálogos de superaglomerados galáticos,
e estudam sua evolução do Big Bang até os dias atuais.
Para os próximos cinco anos, temos ainda uma miríade de empreendimentos a
serem realizados na Cosmologia Física: satélites novos a serem lançados,
telescópios com tecnologia de ponta a serem construídos, melhoramentos sem
precedentes na Cosmologia Computacional a serem implementados e muitas
outras novidades... Não dá para citar tudo de uma vez. Estamos mesmo
vivendo a Era de Ouro da Cosmologia.
Terra - O observatório espacial Planck foi desativado em 2013, após quatro
anos e meio de atividade. Nesse tempo, quais foram suas maiores
descobertas? O que ainda se pode esperar de dados futuros do Planck?
Lucio Marassi - O Planck representa um avanço imenso no mapeamento da
Radiação Cósmica de Fundo (RCF), em relação ao mesmo mapeamento antes
realizado por seu antecessor, o satélite WMAP. Ele tem muito maior
sensibilidade e resolução do que o anterior. Com muito maior precisão, o
Planck analisou as diminutas flutuações de temperatura da RCF, e essas
flutuações, embora mínimas, representam padrões de irregularidades
originais no universo. Podemos relacionar essas irregularidades de
temperatura às irregularidades nas densidades de matéria, e portanto o mapa
da RCF representa assim as sementes que, bilhões de anos depois, evoluíram
nos aglomerados e superaglomerados de galáxias atuais.
Dos dados do Planck, podemos obter com maior precisão a idade do universo
(agora estabelecida em 13,8 bilhões de anos), as quantidades mais precisas
de matéria escura e de energia escura no universo, podemos testar os atuais
modelos de inflação que mais combinam com a distribuição original da
matéria, podemos igualmente indicar quais modelos cosmológicos combinam com
os dados atuais da RCF (e descartar os modelos teóricos que não explicam
tais dados), assim como estabelecer com grande precisão diversos parâmetros
cosmológicos separadamente. Em 2014, serão liberados novos resultados que
certamente irão marcar profundamente a cosmologia moderna. Enquanto por um
lado o Planck tenha não só comprovado, mas melhorado, diversos resultados
anteriormente já determinados por outros testes cosmológicos, ele apontou
algumas conclusões novas e inusitadas, que ainda estão sendo discutidas no
momento. Por exemplo, o valor da taxa de expansão do universo dada pelo
Planck vai de encontro a todas as demais estimativas dos mais recentes
testes cosmológicos independentes, e isso vai certamente gerar muita
discussão.
Outro ponto em que o Planck certamente está inovando é no estudo da
polarização da radiação cósmica de fundo. O estudo dessa polarização pode
desvendar pistas de como o universo evoluiu do Big Bang até cerca de 380
mil anos depois (época aproximada da separação entre a radiação e a
matéria, chamada pelos cosmólogos de época do desacoplamento, ou “última
superfície de espalhamento”). Até recentemente, este período dos 380 mil
anos iniciais de nosso universo não podia ser estudado observacionalmente
por nenhuma via possível, e portanto o Planck trará muitas novidades em
relação a esse período também.
Terra - A energia escura e a matéria escura ainda são hipóteses? Como se
pode provar sua existência?
Lucio Marassi - O status da energia escura é bem diferente do status da
matéria escura. A energia escura é um componente que precisa entrar no
modelo teórico do universo, que chamamos “modelo cosmológico”, para
permitir sua aceleração atual. Essa aceleração do universo foi descoberta
observacionalmente em 1998 a partir do estudo das Supernovas Ia. A
necessidade da existência de uma energia escura, para explicar a aceleração
do universo, só é necessária se basearmos nossa Cosmologia na Teoria da
Relatividade Geral de Einstein. Se, contudo, mudarmos a Teoria da
Relatividade Geral, podemos teoricamente explicar o efeito observado da
aceleração do universo sem a necessidade de um termo adicional de Energia
Escura nas equações. Ou seja, usando a Relatividade de Einstein precisamos
cogitar a existência de uma Energia Escura, que ocuparia cerca de 70% do
universo, e que seria gravitacionalmente repulsiva (tendo pressão
negativa); mas se desenvolvermos uma Relatividade Geral Modificada, podemos
talvez explicar a aceleração do universo sem esse componente tão bizarro e
esquisito. Mas teorias de gravidade modificada ainda estão sendo testadas
observacionalmente, e nenhuma delas está nem perto ainda de ocupar o lugar
de honra da Relatividade Geral original de Einstein. Portanto, a Energia
Escura é a opção do momento para explicar as observações atuais do universo.
A matéria escura tem, contudo, uma posição bem mais sólida na Cosmologia
atual. Em 1933, Fritz Zwicky apontou que os aglomerados galáticos deveriam
ter mais massa do que sua massa luminosa observada (ele usou as observações
e cálculos de conservação de energia cinética e potencial para chegar a
essa conclusão). Na década de 1970, foram realizadas simulações
computacionais que determinaram que, para os discos galáticos ficarem
estáveis, eles precisavam de pelo menos 10 vezes mais massa do que tinham
(essa massa seria distribuída esfericamente em torno das galáxias). Também
nos idos de 1970, a cientista Vera Rubin estudou observacionalmente a Curva
de Rotação de diversas galáxias espirais, e determinou que a massa visível
das galáxias espirais não podia explicar esses gráficos; seria preciso uma
enorme quantidade de “matéria invisível” envolvendo essas galáxias para
explicar a saturação da Curva de Rotação observada. As observações das
Lentes Gravitacionais (previstas pela teoria gravitacional de Einstein,
onde a massa de aglomerados galáticos pode defletir a luz de objetos
luminosos atrás deles), todas elas, mostram que a luz defletida contorna os
aglomerados galáticos a uma apreciável distância dos mesmos, mostrando a
silhueta de uma estranha distribuição de matéria invisível em torno dos
aglomerados.
Temos ainda o caso maravilhoso do “Aglomerado Bala” (Bullet Cluster), que
leva esse nome porque mostra um “choque” entre dois aglomerados galáticos,
onde a figura resultante, junto ao gás aquecido em volta, forma a figura de
uma bala de revólver; pois bem, em todas as simulações computacionais
realizadas, o Bullet Cluster só adquire esta forma peculiar se assumirmos
que cada um dos aglomerados teria em torno uma “matéria invisível”,
esfericamente distribuída (o gás aquecido, visível a nossos olhos,
arrasta-se claramente em direção ao centro de massa das duas esferas
invisíveis de matéria escura, na colisão). Por fim, temos a evidência da
Radiação Cósmica de Fundo, cujas observações só podem ser explicadas se
considerarmos que o universo possui muito mais matéria do que a matéria
bariônica, determinada pela nucleossíntese primordial. Juntando todas estas
evidências, vemos que a Matéria Escura é um componente indispensável do
universo, e possui diversas comprovações observacionais. Portanto o
universo possui, sim, uma matéria escura, invisível, que envolve toda a
galáxia e todos os aglomerados galáticos, e não interage com a radiação
eletromagnética. É realmente um fantasma que nos envolve, está entre a
gente e não vemos nem sentimos. E isso é praticamente uma certeza na
Cosmologia Física.
Terra - A matéria escura e a energia escura formam 96% do universo. Houve
avanço recente em relação ao que se sabe sobre elas? Quais são, na sua
opinião, projetos ou missões que poderão solucionar esses mistérios ou
trazer mais "luz" à questão?
Lucio Marassi - Podemos grosseiramente estabelecer que o universo compõe-se
de cerca de 4% de matéria bariônica (ou seja, prótons, nêutrons e elétrons,
que compõem os elementos da Tabela Periódica, e que formam as estrelas, as
galáxias, as nuvens de gás intergalático, e inclusive os planetas e nossos
próprios corpos humanos). A matéria bariônica interage com a radiação
eletromagnética (como a luz, as ondas de rádio, o microondas, a radiação
ultra-violeta, os raios gama ou a radiação infra-vermelha). Portanto, como
nossos corpos biológicos interagem com a radiação, toda nossa ciência
evoluiu do contato com ela, e toda nossa tecnologia atual usa a radiação
eletromagnética como base. Podemos seguramente dizer que toda nossa
ciência, todo o nosso saber, toda a nossa compreensão filosófica do mundo
baseia-se apenas em 4% de tudo o que existe no universo. Pense nisso.
Se acreditarmos que a Relatividade Geral de Einstein está correta (até
hoje, é nossa melhor teoria da gravidade), então todas as atuais
observações cosmológicas conjuntas estariam corretas: os dados das
Supernovas Ia mostrando a aceleração do Universo; os dados da Radiação
Cósmica de Fundo mostrando que o universo é plano topologicamente; as
estimativas dinâmicas dos aglomerados galáticos vindas da conservação de
energia e a Fração de Massa do Gás (dentre outros testes) mostrando que a
matéria gravitante possui cerca de 30% do conteúdo total , etc. E se
confiarmos em todas estas observações juntas, então podemos seguramente
inferir que o universo possui cerca de 23% de Matéria Escura, cerca de 73%
de Energia Escura, e apenas 4% de matéria bariônica (da qual somos
formados). Portanto, o universo é praticamente todo invisível a nossos
olhos, e formado de algo que não sabemos o que é, nem interage conosco de
forma alguma. Isso é, de fato, impressionante.
Todos os projetos mencionados anteriormente por mim, na resposta à sua
primeira pergunta, servem ao mesmo propósito, que é determinar do que é
feito o universo e como o mesmo evoluiu do Big Bang até hoje. Alguns
analisam apenas a cinemática (como os dados de Supernovas, que provam a
aceleração do universo), outros analisam a geometria local do espaço-tempo
(como os estudos das lentes gravitacionais, que estudam propriedades dos
modelos cosmológicos a partir da deflexão da luz em volta de galáxias ou
aglomerados galáticos), outros estudam a radiação residual do Big Bang que
ainda nos envolve (como os satélites COBE, WMAP, e o Planck), mas todos em
conjunto se combinam para formar o grande quadro que ora estamos desenhando.
Experimentos ou observações para tentar descobrir do que seria feita a
Energia Escura ainda estão em estágio embrionário. Como disse antes, a
Energia Escura tem um status bem mais hipotético, e depende do fato da
Relatividade Geral ser exatamente a teoria perfeita da gravidade, ponto que
está ainda em discussão. Além disso, somente notamos a influência da
Energia Escura em escalas muito muito grandes, para que a aceleração do
universo seja perceptível. Por fim, esse componente seria um tipo de
energia, um campo, com propriedades antigravitacionais, nenhuma interação
com a radiação eletromagnética, e pressão negativa. É de fato um componente
bastante bizarro no universo, e detectá-lo está muito além de nossa
tecnologia atual, baseada em sentir primordialmente a radiação
eletromagnética.
Em relação à matéria escura, já citei várias evidências observacionais de
sua existência real (dinâmica das galáxias, curva de rotação de galáxias
espirais, o Aglomerado Bala, as Lentes Gravitacionais e a Radiação Cósmica
de Fundo). Sabemos hoje que ela se distribui esfericamente em torno das
galáxias e aglomerados galáticos, não interage com a matéria bariônica nem
com a radiação eletromagnética. Ela possui massa e é gravitacionalmente
atrativa. Também sabemos, baseados no espectro de potência das Estruturas
de Grande Escala, que a partícula da matéria escura não pode se mover muito
rapidamente (a velocidade dela deve ser muitíssimo menor do que a da luz, o
que no jargão dos cosmólogos significa que ela seria “fria” – se a
velocidade dela chegasse a frações apreciáveis da velocidade da luz, ela
seria rápida, ou no nosso jargão, seria “Quente”). Ou seja, o universo é
composto por Matéria Escura Fria.
Um bom candidato a Matéria Escura com todas as propriedades que citei veio
da teoria de Supersimetria: uma subpartícula chamada teoricamente de
“neutralino”. O LHC, o Grande Colisor de Hádrons, é um acelerador de
partículas que talvez possa identificar partículas previstas nos modelos
supersimétricos, e talvez detecte alguma com propriedades tais que possamos
chamá-la de “neutralino”. Mas detectar o neutralino neste acelerador de
partículas, apesar de ser um feito científico fantástico e que irá mudar o
mundo da física de partículas, não significará ainda a descoberta
definitiva da Matéria Escura. Para isso a assinatura desse neutralino
deveria ser identificada também em algum lugar do universo. Ou seja, isso
não será tarefa fácil, pode ter certeza.
Terra - O que são aglomerados e superaglomerados galáticos?
Lucio Marassi - Quando temos de dezenas a centenas de galáxias aglomeradas
em um certo local do universo, chamamos este conjunto unido de “aglomerado
galático”. Quando temos milhares de galáxias juntas, geralmente assim
formadas unindo em um certo local do universo vários aglomerados galáticos,
chamamos esta estrutura gigante de “superaglomerados galáticos”. O universo
em grande escala se assemelha a uma “esponja”, ou a “bolhas de sabão”, onde
tridimensionalmente vemos grandes regiões vazias, sem nada (chamadas de
“vácuo”), e filamentos em volta, ligando-se entre si, que são os
aglomerados ou superaglomerados galáticos. Já vi quem descrevesse o
universo em grande escala como semelhante à estrutura dos neurônios no
cérebro. Sabemos hoje, pelas observações cosmológicas, que o universo
desenvolveu-se das pequenas para as grandes estruturas. Ou seja, primeiro a
matéria se aglomerou formando nuvens, depois estrelas; as estrelas se
uniram gravitacionalmente formando galáxias; as galáxias se juntaram
formando os aglomerados galáticos; e apenas recentemente (em termos
cosmológicos) estamos presenciando a formação em grande escala dos
superaglomerados galáticos.
Terra - O que suas pesquisas recentes sobre a distribuição original de
massa no universo revelaram?
Lucio Marassi - Tenho estudado nos últimos anos exatamente como aquelas
irregularidades que eu descrevi na Radiação Cósmica de Fundo foram
distribuidas, no início do Universo.
Após o Big Bang, durante frações ínfimas de tempo, o Universo era composto
pelo Campo Ínflaton (um campo escalar que promoveu o breve, mas impactante,
período da Inflação Cósmica, quando o universo se esticou de nada até
praticamente todo o tamanho que possui atualmente). As granulações
quânticas do campo ínflaton, após a mudança de fase, transformaram-se em
matéria e energia. A distribuição da densidade de matéria no início do
Universo, portanto, seguiu a assinatura original das granulações do Campo
Ínflaton. Dessa distribuição original de densidade de matéria, o Universo
seguiu expandindo e interagindo gravitacionalmente. Regiões de mais
densidade atraíram cada vez mais matéria em volta; regiões de pouca
densidade foram com o tempo perdendo mais e mais matéria para as regiões de
mais atração. Assim, regiões de mais matéria cada vez aglomeravam mais
massa, e regiões de vazio cada vez ficaram mais vazias, e isso se processou
por 13,8 bilhões de anos, grosseiramente falando, formando assim todo o
quadro dos aglomerados e superaglomerados galáticos do Universo atual.
Existe um método analítico para estudarmos essa evolução das grandes
estruturas do universo. Chama-se Função de Massa dos Aglomerados Galáticos.
Foi desenvolvido por Press e Schechter em 1974, e embora tenha sido
concebido para estudar apenas o início da formação de estruturas, ele pode
misteriosamente ser usado sem problemas para tratar toda a evolução, até os
dias atuais. Durante as últimas décadas, o aprimoramento das observações e
das simulações de N-Corpos obrigou os pesquisadores a ajustar e alterar o
método original de Press-Schechter. Inúmeras propostas foram elaboradas,
algumas sendo apenas meras curvas de ajuste numérico da Função de Massa,
sem sentido físico, outras são propostas baseadas em aglomerados oblatos, e
não esféricos, etc. Mas a imensa maioria das propostas não resolveu um
grave problema do método original de Press-Schechter: ele só conta metade
de toda a massa que deveria ser ligada gravitacionalmente no universo! Para
resolver o problema, a maioria das curvas de Função de Massa propostas
atualmente apenas multiplica o resultado pelo número 2, para normalizar
corretamente o processo (esse foi, aliás, a solução original do próprio
Press e Schechter para o problema em questão).
Há propostas de função de massa que corrigem esse problema sério de
normalização, mas todas elas adotam procedimentos matemáticos, analíticos
e/ou numéricos, que de longe afastam o método da beleza e da simplicidade
original de Press e Schechter. Quanto maior a complexidade do processo,
menos se vislumbra a física por trás, e mais se permitem ajustes espúrios e
questionáveis.
Dito tudo isso, descobrimos recentemente uma forma de explicar a
distribuição original do campo de densidades de matéria (que posteriormente
gerou toda a estrutura em grande escala que vemos hoje), que gera uma
Função de Massa de Aglomerados Galáticos totalmente normalizada, sempre, e
apenas obedecendo aos critérios simples originais de Press e Schechter. A
única modificação real que fizemos foi alterar a distribuição Gaussiana (ou
seja, aleatória), adotada originalmente por Press e Schechter, por uma
distribuição de matéria não-Gaussiana (ou seja, um tanto menos aleatória).
O resultado ficou extremamente satisfatório. Já foi publicado um artigo com
o resultado teórico, mostrando nossa proposta de função de massa, e estou
no momento preparando novo artigo comprovando que a função de massa
proposta consegue explicar os atuais dados observacionais cosmológicos com
bastante êxito, sendo portanto uma alternativa válida e eficaz para
explicar de fato como o universo teria sido formado.
Mostramos neste artigo em preparação que a nossa proposta da distribuição
original do campo de densidades do universo explica os recentes dados do
satélite Planck e os dados de 3 e de 5 anos do satélite WMAP, em conjunto
com dados de aglomerados em raio-X.
Não pretendo com o artigo em preparação dizer que esta é a forma como a
matéria foi de fato distribuída no início de tudo. Claro que não. Mas é uma
proposta, e acho que é uma boa proposta, que merece ser estudada com calma,
pois corrige um sério problema do método original de Press-Schechter (a
normalização), e mantém a física simples, o que é fundamental.
Terra - O universo está mesmo se expandindo? O que isso quer dizer, na
prática? E como a distribuição original de massa se mantém nesse caso?
Lucio Marassi - Pelos dados recentes do WMAP e do satélite Planck, o
universo teria topologia plana, o que cinematicamente falando dita que ele
está se expandindo a uma taxa constante, e seguiria assim praticamente para
sempre. Mas de acordo com os dados das Supernovas Ia (de 1998 até os mais
recentes), o universo sofreu recentemente uma aceleração de sua taxa de
expansão padrão. Como nada sabemos sobre a Energia Escura, de acordo com o
tipo de Energia Escura possível, esta aceleração poderia ser continuada,
aumentar, ou parar (caso este componente sofra uma mudança de fase futura).
No atual momento, diversos modelos cosmológicos estão sendo exaustivamente
testados com os dados observacionais e numéricos, que cada dia aumentam
mais e mais. Será apenas uma questão de tempo até elegermos os melhores
modelos, e descartarmos a maioria esmagadora das demais proposições.
Pragmaticamente, hoje, podemos afirmar que o modelo cosmológico teórico que
melhor explica os atuais dados observacionais e numéricos seria o modelo
LCDM (Lambda Cold Dark Matter), onde o universo seria plano (expandiria a
uma taxa constante), mas teria um componente de energia escura na forma de
uma constante (a constante Lambda, no caso), e uma Matéria Escura Fria,
mais a bariônica, seriam as que formariam as grandes estruturas atuais
(aglomerados e superaglomerados de matéria). Baseado neste modelo, durante
as próximas dezenas de bilhões de anos, o universo continuaria expandindo,
e a matéria se comportaria como se comportou até agora, desde o Big-Bang:
ela irá se diluir cada vez mais à medida que o volume do espaço-tempo
aumentar.
Terra - Pelo que se sabe hoje, o universo é finito ou infinito?
Lucio Marassi - A palavra de Einstein ainda ecoa entre nós. O universo
seria finito, mas sem fronteiras. Ou seja, imagine uma formiga andando em
cima de um globo terrestre. Para a formiga ela jamais consegue achar os
limites do globo, porém ele é limitado. Para completar, se o Universo é
tudo o que existe por definição, o que haveria fora dele para nós?
Lembrando que nossa existência baseia-se no espaço-tempo gerado pelo
próprio universo desde o Big Bang. Se ele criou todo o espaço e todo o
tempo que concebemos, não dá para nosso cérebro e lógica saber o que
estaria fora disso, pois isso é tudo o que existe e onde existimos.
Terra - Na sua linha de pesquisa, é possível acreditar em "Deus"?
Lucio Marassi - Depende de como se definiria o conceito desse “Deus”. Cada
pessoa tem uma percepção diferente. Conheço amigos que estudam cosmologia e
são católicos, outros que são evangélicos. Alguns cosmólogos que conheci
são ateus, ou agnósticos. Conheci, no entanto, alguns poucos que possuem
uma religiosidade mais oriental, que poderia ser definida como
“religiosidade cósmica”. Acho que faço parte do último grupo. Acredito que
a religião ou a religiosidade é uma necessidade humana, pois somos seres
conscientes de nossa mortalidade, e estamos sempre buscando um sentido para
a vida, e idealmente uma sobrevivência a ela. A Cosmologia é um caminho
para compreendermos melhor o universo e nosso papel nele, mas não devemos
misturar fé e razão. Podemos ter os dois, no entanto, desde que saibamos
bem a diferença entre as duas.
Terra - Como você vê a evolução da cosmologia?
Lucio Marassi - Como disse no início, estamos em plena Era de Ouro da
Cosmologia. Tudo relacionado ao universo, sua origem e sua evolução, é
assunto extremamente excitante, e está mexendo com a cabeça de todos,
leigos, curiosos ou. Nos congressos e seminários, são discutidos Universos
Paralelos, paradoxos vinculados a viagens temporais, dimensões extras,
wormholes que poderiam ligar partes de nosso Universo entre si, ou nosso
universo a outro, são discutidos Matéria Escura, Energia Escura,
Componentes de Energia Fantasma (um tipo especial de Energia Escura que
teria “energia negativa”), dinâmica futura do universo... Todos esses temas
citados até agora, há pouco mais de vinte anos atrás, eram alvo apenas de
escritores de ficção científica (e apenas dos mais ousados)... Hoje tudo
isso é ciência. O que o futuro breve nos revelará?
Você me perguntou sobre religião anteriormente. Eu prevejo que a Cosmologia
estará em breve abrindo portas mais audazes do que qualquer filosofia
religiosa jamais ousou ir até hoje.
Não me surpreenderia se a religião do futuro for baseada na lógica e na
razão, mas amplamente esticadas em conceitos de dimensões extras, matérias
invisíveis e universos Paralelos. Quando tivermos uma tecnologia que
explore tudo o que hoje apenas ousamos cogitar teoricamente, que mundo
maravilhoso teremos!
* Prof. Dr. Lucio Marassi, pesquisador ativo em Astrofísica e Cosmologia,
com ênfase na formação de aglomerados e superaglomerados de galáxias e
modelos cosmológicos.
Formação acadêmica/profissional (Onde obteve os títulos, atuação
profissional, etc.)
Bacharelado em Física, Mestrado em Física - Astrofísica, Especialização em
Cosmologia Computacional no IAP (Paris - França), Doutorado em Física -
Cosmologia, Professor Adjunto de Física da ECT (UFRN).
Áreas de Interesse (áreas de interesse de ensino e pesquisa)
Cosmologia Física, Modelos Cosmológicos, Formação de Grandes Estruturas
(Aglomerados e Superaglomerados de Galáxias), Astrofísica.
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