ARLA/CLUSTER: COMO É QUE SABEMOS QUE A VOYAGER ALCANÇOU O ESPAÇO INTERESTELAR?

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Terça-Feira, 17 de Setembro de 2013 - 13:15:49 WEST


   *COMO É QUE SABEMOS QUE A VOYAGER ALCANÇOU O ESPAÇO INTERESTELAR?*

O se e quando a sonda Voyager 1 da NASA, o objecto mais distante feito pelo
Homem, rompeu pelo espaço interestelar, o espaço entre as estrelas, tem
sido um assunto aceso. Durante o último ano, surgiram alegações a cada
poucos meses de que a Voyager 1 tinha "deixado o Sistema Solar." Porque é
que a equipa da missão só agora veio a público dizer que a sonda alcançou o
espaço interestelar?

"Nós temos sido cautelosos porque estamos a lidar com um dos marcos mais
importantes na história da exploração espacial e da Humanidade," afirma Ed
Stone, cientista do projecto Voyager no Instituto de Tecnologia em
Pasadena, no estado americano da Califórnia. "Só agora é que temos os dados
- e a análise - que precisávamos."

Basicamente, a equipa precisava de mais dados sobre o plasma, gás ionizado,
a mais densa e lenta das partículas carregadas no espaço (o brilho de neón
numa montra é um exemplo de plasma). O plasma é o indicador mais importante
que distingue se a Voyager 1 está dentro da bolha solar, conhecida como
heliosfera, que é preenchida por plasma que flui na direcção oposta à do
Sol, ou se está no espaço interestelar e rodeada por material expelido pela
explosão de estrelas gigantes vizinhas há milhões de anos atrás. Somando ao
desafio: não sabiam como seriam capazes de o detectar.
  <http://www.nasa.gov/sites/default/files/pia17046red-full.jpg> "Você está
aqui": impressão de artista que coloca as impressionantes distâncias do
Sistema Solar em perspectiva. A escala é medida em Unidades Astronómicas
(UA), com cada distância para lá de 1 UA representando 10 vezes a distância
anterior. Cada UA é igual à distância entre a Terra e o Sol. A sonda
Voyager 1
Crédito: NASA/JPL-Caltech
(clique na imagem para ver versão maior)

"Nós procurámos os sinais previstos pelos modelos que usam os melhores
dados disponíveis, mas até agora não tínhamos medições do plasma pela
Voyager 1," afirma Stone.

Os debates científicos podem levar anos, até mesmo décadas, a resolver,
especialmente quando são necessários mais dados. Os cientistas levaram
décadas, por exemplo, a compreender a ideia das placas tectónicas, a teoria
que explica a forma dos continentes da Terra e a estrutura do fundo do mar.
Introduzida pela primeira vez na década de 1910, a deriva continental e
ideias relacionadas permaneceram controversas durante anos. A teoria madura
das placas tectónicas só emergiu durante as décadas de 1950 e 1960. Só
depois dos cientistas recolherem dados que mostravam que o fundo do mar
lentamente se espalhava para fora das dorsais oceânicas é que finalmente
começaram a aceitar a teoria. A maioria dos geofísicos mais activos só
aceitaram as placas tectónicas no final da década de 1960, embora alguns
nunca o tenham feito.

A Voyager 1 está a explorar um lugar ainda mais estranho que o fundo do mar
da Terra - um local a mais de 17 mil milhões de quilómetros do Sol. Tem
enviado tantos dados inesperados que a equipa científica tem lutado com a
questão de como explicar toda a informação. Nenhum dos poucos modelos que a
equipa da Voyager usa como esquema explica em detalhe as observações sobre
a transição entre a nossa heliosfera e o meio interestelar. A equipa sabia
que podia levar meses, ou até mais, para compreender na totalidade os dados
e tirar as suas conclusões.

"Nunca tínhamos alcançado o espaço interestelar até agora, é como viajar
com guias turísticos que estão incompletos," afirma Stone. "Ainda assim, a
incerteza é parte da exploração. Nós não partiríamos à descoberta se
soubéssemos exactamente o que iríamos encontrar."

As duas sondas Voyager foram lançadas em 1977 e, entre elas, visitaram
Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno até 1989. O instrumento de plasma da
Voyager 1, que mede a densidade, temperatura e velocidade do plasma, parou
de funcionar em 1980, logo após o seu último "flyby" planetário. Quando a
Voyager 1 detectou a pressão do espaço interestelar sobre a nossa
heliosfera em 2004, a equipa científica não dispunha do instrumento que
podia fornecer as medições mais directas do plasma. Em vez disso,
concentraram-se no sentido do campo magnético como substituto para a fonte
do plasma. Dado que o plasma solar viaja sobre as linhas do campo magnético
que emana do Sol e o plasma interestelar viaja através das linhas do campo
magnético interestelar, esperava-se que as direcções dos campos magnéticos
solares e interestelares fossem diferentes.

A maioria dos modelos indicou à equipa científica da Voyager que esperasse
uma mudança brusca na direcção do campo magnético à medida que a Voyager
passava das linhas do campo magnético solar, dentro da nossa bolha, para as
linhas do campo magnético do espaço interestelar. Os modelos também
disseram para esperar que os níveis de partículas carregadas provenientes
de dentro da heliosfera caíssem e que os níveis de raios cósmicos
galácticos, originários de fora da heliosfera, aumentassem.

Em Maio de 2012, o número de raios cósmicos galácticos fez o seu primeiro
salto significativo, enquanto algumas das partículas no interior fizeram a
sua primeira queda significativa. O ritmo de mudança acelerou rapidamente a
28 de Julho de 2012. Após cinco dias, as intensidades voltaram ao normal.
Este foi o primeiro "cheiro" de uma nova região, e nessa altura os
cientistas da Voyager pensaram que a sonda poderia ter tocado brevemente a
orla do espaço interestelar.

A 25 de Agosto, quando, como sabemos agora, a Voyager 1 entrou
definitivamente nesta região, todas as partículas de baixa-energia do
interior desapareceram. Algumas partículas diminuíram mais de 1000 vezes em
comparação com os valores de 2004. Os níveis de raios cósmicos galácticos
saltaram para o valor mais elevado de toda a missão. Estas seriam as
mudanças esperadas caso a Voyager 1 tivesse cruzado a heliopausa, que é a
fronteira entre a heliosfera e o espaço interestelar. No entanto, a análise
subsequente dos dados do campo magnético revelaram que embora a intensidade
do campo magnético tivesse saltado 60% neste limite, a direcção tinha
mudado menos de 2 graus. Isto sugeria que a Voyager 1 não tinha deixado o
campo magnético do Sol e tinha apenas entrado numa nova região, ainda
dentro da bolha solar, que não continha partículas interiores.

Então, em Abril de 2013, os cientistas receberam outra peça do puzzle por
acaso. Durante os primeiros oito anos de exploração desta camada exterior
heliosférica, o instrumento de ondas de plasma da Voyager não detectou
nada. Mas a equipa científica deste instrumento, liderada por Don Gurnett e
Bill Kurth da Universidade de Iowa, em Iowa City, EUA, tinha observado
surtos de ondas de rádio em 1983 e 1984 e novamente em 1992 e 1993. Eles
deduziram que essas explosões foram produzidas pelo plasma interestelar
quando uma grande libertação de material solar colidiu com esse mesmo
plasma interestelar e o fez oscilar. Estes surtos solares demoraram 400
dias a chegar ao espaço interestelar, levando a uma distância estimada de
117-177 UA (117 a 177 vezes a distância da Terra ao Sol) até à heliopausa.
Eles sabiam, porém, que seriam capazes de observar as oscilações de plasma
directamente assim que a Voyager 1 estivesse cercada por plasma
interestelar.

A 9 de Abril de 2013, aconteceu: o instrumento de ondas de plasma da
Voyager 1 detectou oscilações locais de plasma. Os cientistas pensam que
provavelmente foi o resultado de uma libertação de actividade solar um ano
antes, uma explosão que ficou conhecida como as Tempestades Solares do Dia
de São Patrício. As oscilações aumentaram de tom até 22 de Maio e indicaram
que a Voyager movia-se para uma região cada vez mais densa de plasma. O
plasma tinha as assinaturas do plasma interestelar, com uma densidade mais
de 40 vezes superior à observada pela Voyager 2 no revestimento
heliosférico.
  <http://www.nasa.gov/sites/default/files/pia17460heliosheathlayers.jpg>
Camadas
de intriga: esta ilustração mostra as camadas exteriores da nossa bolha
solar, ou heliosfera, e o espaço interestelar que a Voyager 1 está
actualmente investigando.
Crédito: NASA/JPL-Caltech
(clique na imagem para ver versão maior)

Gurnett e Kurth começaram a vasculhar os dados recentes e descobriram um
conjunto de oscilações mais fracas e de baixa frequência entre 23 de
Outubro de 27 de Novembro de 2012. Quando extrapolaram para trás, deduziram
que a Voyager tinha encontrado este denso plasma interestelar pela primeira
vez em Agosto de 2012, consistente com as fronteiras nítidas nos dados das
partículas carregadas e do campo magnético de dia 25 de Agosto.

Stone reuniu-se três vezes com a equipa da Voyager. Tinham que decidir como
definir a fronteira entre a nossa bolha solar e o espaço interestelar e
como interpretar todos os dados que a Voyager 1 tinha enviado de volta.
Houve um consenso geral de que a Voyager 1 estava detectando plasma
interestelar, com base nos resultados de Gurnett e Kurth, mas o Sol ainda
tinha influência. Um sinal persistente de influência solar, por exemplo,
foi a detecção de partículas exteriores que atingiam a Voyager a partir de
certas direcções, mais do que noutras. No espaço interestelar, esperava-se
que as partículas atingissem a Voyager uniformemente em todas as direcções.

"Agora que tínhamos medições reais do ambiente de plasma - por meio de uma
inesperada tempestade solar - tivémos de reconsiderar o porquê de ainda
haver influência solar no campo magnético e plasma do espaço interestelar,"
afirma Stone.

"O caminho para o espaço interestelar tem sido muito mais complicado do que
imaginávamos."

Stone discutiu com a equipa científica se achavam que a Voyager 1 já tinha
cruzado a heliopausa. Que nome deveriam dar à região onde se encontra a
Voyager 1?

"No final, havia um consenso geral de que a Voyager 1 estava de facto de
fora, no espaço interestelar," acrescenta Stone. "Mas esse local vem com
alguns alertas - estamos numa região mista, de transição, do espaço
interestelar. Nós não sabemos quando vamos chegar ao espaço interestelar
livre da influência da nossa bolha solar."

Então, a equipa da Voyager 1 afirma que deixou o Sistema Solar? Não
exactamente - e isso é parte da confusão. Desde a década de 1960, a maioria
dos cientistas define o nosso Sistema Solar até à Nuvem de Oort, o local de
origem dos cometas que passam pelo Sol ao longo de enormes escalas de
tempo. Esta área é onde a gravidade das outras estrelas começa a vencer a
gravidade do Sol. A Voyager 1 demorará cerca de 300 anos até alcançar a
orla interna da Nuvem de Oort e possivelmente outros 30.000 até a cruzar
completamente. Informalmente, claro, "sistema solar" significa normalmente
o "bairro" planetário em torno do nosso Sol. Por causa desta ambiguidade, a
equipa da Voyager tem ultimamente favorecido falar sobre o espaço
interestelar, que é especificamente o espaço entre a esfera de influência
do plasma de cada estrela.

"O que podemos dizer é que a Voyager 1 está a ser banhada por matéria de
outras estrelas," afirma Stone. "O que não podemos dizer é exactamente que
descobertas aguardam a viagem da Voyager. Ninguém foi capaz de prever todos
os detalhes que a Voyager 1 já viu. Por isso esperamos mais surpresas."

A Voyager 1, que trabalha com uma fonte de energia finita, tem energia
suficiente para continuar a operar os instrumentos científicos dos campos
magnéticos e partículas até pelo menos 2020, quando atingir os 43 anos de
operação contínua. Nessa altura, os gestores da missão terão que começar a
desligar os instrumentos um a um de modo a conservar energia, com o último
a desligar por volta de 2025.

A Voyager 1 vai continuar a enviar dados de engenharia durante mais alguns
anos após o último instrumento científico ser desligado, mas depois disso
ficará navegando como um embaixador silencioso. Daqui a cerca de 40.000
anos, estará mais perto da estrela AC +79 3888 do que do nosso Sol (AC +79
3888 viaja mais depressa na nossa direcção do que nós viajamos na dela, por
isso embora Alpha Centauro seja de momento a estrela mais próxima do Sol,
não o será daqui a 40.000 anos). E para todo o sempre, a Voyager 1
continuará a orbitar o coração da nossa Via Láctea, o Sol sendo apenas um
pequeno ponto de luz entre muitos outros.

*Links:*

*Núcleo de Astronomia do CCVAlg:
*2013/09/13 - É oficial: Voyager 1 deixa Sistema Solar e entra no espaço
interestelar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2013/09/13_voyager_1.htm>
*
*2013/08/16 - Novo estudo argumenta que Voyager 1 já saiu do Sistema
Solar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2013/08/16_voyager_1.htm>
*
*2013/07/02 - Voyager 1 explora fronteira final da nossa "bolha
solar"<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2013/07/2_voyager_1.htm>
*
*2012/12/04 - Voyager 1 da NASA encontra nova região no espaço
profundo<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2012/12/4_voyager_1.htm>
*
*2012/10/09 - Voyager 1 pode já ter deixado o Sistema
Solar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2012/10/9_voyager_1.htm>
2012/06/19 - Dados da Voyager 1 apontam para futuro
interestelar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2012/06/19_voyager_1.htm>
2011/12/02 - Sondas Voyager detectam radiação Lyman-Alpha da Via
Láctea<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2011/12/2_voyager_lyman-alpha.htm>
2011/06/10 - Uma grande surpresa no limite do Sistema
Solar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2011/06/10_voyager_bolhas.htm>
2011/03/11 - Voyager 1 procura resposta que sopra ao
vento<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2011/03/11_voyager_1.htm>
2009/12/25 - Resolvido mistério nos confins do Sistema
Solar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2009/12/25_voyager_nuvem_interestelar_local.htm>
2007/12/12 - Sistema Solar é
"esborrachado"<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2007/12/12_voyager.htm>
2005/05/27 - Voyager alcança fronteira do Sistema
Solar<http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2005/05/27_voyager.htm>

*Notícias relacionadas:*
NASA (comunicado de
imprensa)<http://www.nasa.gov/mission_pages/voyager/voyager20130912f.html#.UjgRb8ashLc>
Space Daily<http://www.spacedaily.com/reports/How_Do_We_Know_When_Voyager_Reaches_Interstellar_Space_999.html>
Scientific American<http://www.scientificamerican.com/podcast/episode.cfm?id=voyager-1-is-officially-out-there-13-09-16>
SPACE.com<http://www.space.com/22785-voyager-1-interstellar-space-discoveries.html>

*Sonda Voyager 1:*
Página oficial (NASA) <http://voyager.jpl.nasa.gov/>
Heavens Above<http://www.heavens-above.com/SolarEscape.aspx?lat=0&lng=0&loc=Unspecified&alt=0&tz=CET>
Voyager 1 (Wikipedia) <http://en.wikipedia.org/wiki/Voyager_1>

*Sistema Solar:*
Núcleo de Astronomia do
CCVAlg<http://www.ccvalg.pt/astronomia/sistema_solar/introducao.htm>
Wikipedia <http://en.wikipedia.org/wiki/Solar_System>

*Espaço interestelar:*
Wikipedia <http://en.wikipedia.org/wiki/Interstellar_medium>
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