ARLA/CLUSTER: Artigo de opinião para a CQ Radio Amateur por Mariano Goncalves, CT1XI.

João Costa > CT1FBF ct1fbf gmail.com
Quarta-Feira, 30 de Julho de 2008 - 19:04:49 WEST


Artigo de opinião a publicar na  CQ Radio Amateur, versão espanhola,
por Mariano Goncalves, CT1XI.

Nem tudo o que luz é Ouro, isto veio a propósito do Colóquio da
AMSAT-UK, porque em boa verdade, no radioamadorismo contemporâneo,
centrado nas sociedades da IARU, o que vimos é que «o rei vai nu».


Faz parte de nós mesmos, dos latinos, falar do passado recente, isso é
rever culturas, coisas da vida e do próprio Radioamadorismo, uma
cultura que nos motiva, ou se quisermos, recordar apenas a evolução
técnica das sociedades recentes e afirmar a busca por novos rumos.
Porque a questão fundamental é a afirmação dos valores universais que
emergem do próprio Radioamadorismo, e, não permitir que interesses de
grupo os possam diminuir e distorcer, quando mais deles necessitamos.

É importante compreender que há lugar para todos, onde o desporto e a
competição podem progredir, da forma que acharem mais divertida e
competitiva, mas com absoluta igualdade de competências, com direitos
e deveres iguais, considerando que a missão, a excelência e o desígnio
maior do Radioamadorismo universal, é, o seu papel educativo, o da
qualificação, do treino e da auto aprendizagem, veículos e promotores
da ciência e tecnologia radioeléctrica.



Longe vão os tempos em que o Radioamadorismo se repartia em dois
sectores essenciais, 1) os amadores que construíam os seus
equipamentos, aqueles que estavam tecnicamente habilitados a construir
os seus próprios sistemas emissores e receptores de rádio mas sempre
em parceria, estes com os outros amadores com os quais se repartiam
conhecimentos, 2) juntos todos aqueles que partilhavam as formas de
exploração radioeléctrica, esses eram os operadores amadores de
radiocomunicações em telefonia e telegrafia. A diversidade hoje é
maior, prosseguem os amadores referidos em 1) e existem muitos mais,
repartidos por outras disciplinas, sejam ocupacionais ou desportivas,
mas não é mais nem só, a telefonia e a telegrafia.

Outrora, quando era jovem, os operadores amadores exploravam as ondas
de rádio, entre os anos de 1950 e 1970, pelas poucas faixas de
frequência a que tínhamos acesso, em virtude das restrições políticas
dos regimes, e das limitações tecnológicas da época, não iriam além
das ondas-curtas entre 3,5 e 30 MHz, poucos acediam às outras faixas
situadas acima dos 144 MHz e muito raramente aos 432 MHz, com os seus
modestos emissores controlados a cristal.

De recordar que nesses anos, em todo o território português do
continente e ilhas, só cerca de 35 a 40 estações de amador estavam
habilitadas para poder emitir e receber nas faixas de frequência de
144 MHz e umas escassas 4 ou 5 estações poderiam fazer o mesmo na
faixa dos 432 MHz, isto quando em todas elas, apenas se operavam dois
modos de transmissão, radiotelegrafia e radiotelefonia, nos modos de
CW (A1A) e AM (A3E), incluindo a televisão de amador, cujos pioneiros
foram CT1NB e CT1IH, a operar nos 431.250 MHz em AM, sem supressão de
faixa vestigial. Ainda recordo os antigos QSO's com EA4AU e EA4CY, as
estações de Espanha mais próximas de Lisboa.

Só alguns anos depois surgem os emissores de SSB e FM, que rapidamente
se industrializam no Japão e EUA, e se comercializam em Portugal, logo
após a revolução do 25 de Abril de 1974, altura em que se liberalizam
estes produtos.

Esta introdução serve para nos situarmos nas tecnologias
contemporâneas, e conhecer que há apenas 40 anos, apenas se exploravam
serviços em fonia (AM) e telegrafia (CW) exclusivamente nas faixas das
ondas-curtas.
Longe vai esse tempo, é imperativo compreender que radiocomunicações
são cada vez mais, formas de comunicação por meios radioeléctricos,
mas que graças à introdução da computação, cada vez mais incorporam a
comunicação digital, a transmissão de dados, com e sem a voz humana
gerada por CODEC's.



Por motivos de conjuntura e manifesta incapacidade de difusão da
cultura da ciência e da tecnologia, a verdade é que a generalidade das
sociedades filiadas na IARU, salvo as excepções das organizações
profissionalizadas e geridas por tecnólogos, por peritos e engenheiros
das radiocomunicações, os únicos órgãos aliás, que estão dotados e são
portadores das competências necessárias e essenciais a uma correcta
avaliação da contemporaneidade, são as únicas estruturas dotados da
capacidade técnica necessária para as negociações junto de organismos
como a ITU, estes são os únicos organismos que na verdade apostaram na
evolução da tecnologia. Ao invés, todas as outras sociedades e clubes
de DX, ainda se pautam pelas radiocomunicações em fonia, e no máximo
até aos 30 MHz, ignoram a tecnologia, arrepiam a ciência, por troca da
diversão e do recreio.



É aí que se enquadram e dominam, os operadores desportistas, raramente
são técnicos e construtores dos próprios equipamentos, provém de uma
sociedade moderna e consumidora, estão ávidos de acção, carenciados
pela ocupação dos tempos livres e alternativos das actividades e dos
perfis profissionais que desempenham. São cidadãos ávidos de lazer e
desporto competitivo, isso é bom, mas protagonizam o vedetismo próprio
das competições, do quem mais fala a um microfone, porque muitos
deles, nem a telegrafia deseja aprender e praticar. Apenas fazem isso,
a fonia, nem se querem assumir como operadores amadores das
radiocomunicações.



Não dominam a técnica, nem outras formas de operação e exploração dos
meios radioeléctricos. Não fazem QSO, apenas trocam números de série,
recebem e dão um indicativo, que nem é o seu, muitas vezes, mas aquele
indicativo que foi escolhido por ser apelativo e comercial (essencial
na troca de IRC's por QSL e troféus). São os indicativos que requerem
aos organismos oficiais, são os indicativos que alugam nos hotéis que
frequentam, e neles se instalam, em ilhas e lugares exóticos, com
todos os meios, rádios, torres e antenas, para em dois dias, ou pouco
mais, ali poderem fazer dezenas de milhares de contactos, em segundos
apenas, é essa a sua vocação.
A sua missão é individual, sem equipas, tem por fim estar na topo
daquilo a que ousam chamar de DX, aquilo que todos os amadores fazem
há mais de 100 anos (comunicar com lugar indeterminado) e se possível
a grande distância. Uma verdadeira deturpação do espírito do autêntico
e original amador da Rádio, daquele que antes fazia DX e fazia QSO's,
em telefonia e telegrafia, aquele que estudava e construía o seu
próprio rádio e antenas, aquele que conhecia os fenómenos da
propagação, sem consultar a Internet.

Estas particularidades do radioamadorismo dos anos de 1980 a 2000,
ilustram bem do quanto o amador da rádio é tolerante, pela diferença e
multidisciplinaridade da sua ocupação centrada na cultura científica.
Onde esta componente recente, tem sido assumida como uma forma
contemporânea de fazer um outro amadorismo, de quem busca, natural e
legitimamente, no radioamador, uma forma de ocupação e lazer. Mas que
se distingue do Amador da Rádio.

É bom que se compreenda da importância que o radioamadorismo autêntico
e tradicional desempenha nesta particular, ao acolher tais actividades
e diferenças. Tais acolhimentos permitem incorporar novos elementos,
deixando que se identifiquem mais e melhor com a cultura da ciência e
tecnologia, abrindo vocações e novas orientações profissionais. Um
factor de integração e protecção, que cada dia mais se recomenda que
seja elevado e levado às juventudes. Porque a educação é o factor
decisivo, quer em Portugal, quer em Espanha.

O que não pudemos, nem devemos fazer, os Amadores de Rádio, é permitir
a ocupação plena e a destruição desse espírito universal do
Radioamadorismo, onde os novos aderentes, por serem maioria e
contemporâneos, desejam inverter a ordem dos valores e das
competências legadas ao longo de gerações, e tornar a essência do
Amador da Rádio, em mais um meio de consumo, inadaptado e sem
qualificações, um meio cuja única função é usar e consumir rádio e
comunicações, sem aportar mais valias e competências. Quando todos
apelam, exigem mesmo a abolição de todos as formas e critérios de
avaliação, onde não há nem exames técnicos nem qualificações, querem
abolir até a secular telegrafia, o património dos operadores da rádio,
porque consideram um meio de transmissão tecnicamente ultrapassado,
quando ele é, entre todos os outros, tecnicamente o mais eficaz,
símbolo de dignidade, coesão e disciplina de rede. Um património que
se firmou e preserva, porque os autênticos Amadores de Rádio jamais o
deixarão morrer.

Aqui a questão é o laxismo, aquele que foi permissivo e tolerado pelas
entidades oficiais nos últimos 30 anos, aquele que é imposto e
restringido pelos organismos associativos, incluindo a maioria dos que
são filiados da IARU e que não se actualizam (por incapacidade
estrutural e técnica, por incapacidade científica e por mera
cristalização e desleixo), ou em ultima instância, a intolerância, a
atitude ou as tendências que preconizam ideias conciliatórias e pouco
severas, como aquela que é liminarmente imposta por todos aqueles que
não desejam aprender nem progredir cultural e tecnicamente, naquilo a
que um regular operador amador de radiocomunicações se obriga, pelo
dever e direito de saber explorar a Rádio e as Radiocomunicações, seja
em fonia, telegrafia e dados, em todas as faixas das frequência que
estão consignadas ao Serviço Emissor dos Postos de Amador e Amador de
Satélite, sem isso não haverá mais Radioamadorismo, nem o serviço e a
utilidade pública que este confere, livre e voluntariamente.


Em conclusão: a AMSAT-UK e todos nós, na ARISS e na AMSAT worldwide,
todos os amadores da Rádio, fazemos este apelo pela verdade e virtude
do Radioamadorismo, de base tecnológica e científica, capaz de acolher
outras vertentes, sem se deixar diminuir e perder.



Mariano Gonçalves, CT1XI
(ex. presidente da REP, 1999 a 2001)
Presidente da AMRAD (AMSAT-CT)

www.amrad.pt




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