ARLA/CLUSTER: Fwd: Oeiras - temos um problema ...

ARLA - Associação de Radioamadores do Litoral Alentejano cs1rla.arla gmail.com
Segunda-Feira, 9 de Julho de 2007 - 12:05:29 WEST


De: Mariano Gonçalves
Data:  08/07/2007 21:34
Assunto:  Oeiras - temos um problema ...

http://joelneto.blogspot.com/2005/12/reportagem-rdio-amadores-oeiras.html


GRANDE REPORTAGEM 219, 19 de Março de 2005

GRANDE PRÉMIO DE JORNALISMO

GAZETA DE OEIRAS 2006

Uma pequena associação de radioamadores, com sede numa vila de
subúrbio, prepara-se para pôr um grupo de estudantes a falar em
directo com os astronautas da Estação Espacial Internacional. Depois
quer criar um museu dedicado ao espaço e colocar em órbita o primeiro
satélite totalmente pensado e executado em português. O
radioamadorismo já não é só chats de walkie-talkie em riste, garantem.

O espaço é pequeno – uma sala apenas do desolado Centro de Juventude
da Câmara Municipal de Oeiras –, mas é a partir dele que a Associação
Portuguesa de Amadores de Rádio para a Investigação Educação e
Desenvolvimento, vulgo AMRAD, pretende reconduzir Portugal na
conquista do espaço.

Mais de dez anos depois do fogo de artifício lançado em torno do
PoSat1, o multinacional satélite de Carvalho Rodrigues que continua às
voltas pela estratosfera mas já quase ninguém usa, esta pequena
associação de radioamadores juntou-se a uma congénere brasileira para
colocar em órbita o primeiro satélite pensado e executado
exclusivamente em português.

À margem, vai desenvolvendo outros projectos: até ao final do ano
lectivo vai pôr um grupo de alunos da Escola Secundária Camilo Castelo
Branco em contacto com a nova tripulação da Estação Espacial
Internacional (a NASA já aprovou a candidatura), esperando ainda ter
pronto, até ao final do ano civil, um novo espaço museológico, munido
de centro espacial e radiotelescópio, na antiga Fábrica da Pólvora de
Barcarena. «Temos competências e temos determinação para isso. Vai
acontecer», garante Mariano Gonçalves, presidente da direcção e
fundador do projecto.

Para os radioamadores portugueses, tradicionalmente conservadores e
com uma actividade que muitas vezes não vai além do chatting através
de onda curta, é todo um novo universo que se abre. O que os
associados da AMRAD têm vindo a desenvolver desde que se reuniram pela
primeira vez, há quase quinze anos, é um verdadeiro trabalho
multidisciplinar envolvendo acções tão díspares como a monitorização e
a comunicação através de satélites, a teledetecção e a
radiolocalização de espécies animais ou a formação técnica, na área
das telecomunicações, de operacionais ligados à protecção civil, aos
bombeiros e mesmo à Defesa Nacional.

«Está provado que o modelo de radioamadorismo desportista dos anos 70
e 80 tem os dias contados, porque a rádio é cada dia menos atractiva e
menos necessária às pessoas. Toda a gente tem hoje um telefone
celular», explica Mariano Gonçalves.

Simplesmente já não há grande margem de progressão, diz o presidente
da AMRAD, para o radioamador de walki-talkie ou cb-radio na mão,
contactando o vizinho do lado ou um desconhecido nos antípodas apenas
pelo prazer do próprio contacto – os chamados «concursos DX», no
fundo. «A riqueza disciplinar do radioamadorismo é determinante para o
seu sucesso.

 Respeitamos em absoluto o direito à diferença. Mas ao longo dos anos
ocorreram erros administrativos que remeteram os amadores licenciados
pela administração (cerca de 5.500 no total) para níveis de
qualificação onde poucos possuem mais do que as competências básicas
de ligar e falar a um rádio transmissor», sublinha. «Nada disto é
alarmante. Só que o radioamadorismo não é uma pista de corridas. O
radioamadorismo deve ter na rádio um meio e não um fim em si mesma, e
o nosso objectivo é uma abordagem tecnológica de valorização das
sociedades do conhecimento», explica. «Até porque o amador de Rádio
não pode ocupar o imenso espectro radioeléctrico dos 50 kHz aos 500
GHz, cada dia mais um bem escasso para as Nações, a troco de nada
fazer de utilidade pública, limitando-se às corridas e aos concursos
em troca de postais coloridos de QSL.»

Muitas associações já começam a aderir aos valores e às causas da
cultura, da educação e do serviço público como alternativa à mera
recreação.

A origem da AMRAD remonta a 1991, na sequência de iniciativas de uma
associação ambientalista interessada em teledetecção e
radiolocalização de espécies animais. Hoje, cinco anos depois da
constituição oficial da associação, a grande obsessão chama-se
Projecto Espacial Camões.

A proposta nasceu de uma instituição brasileira similar (AMRASE), e a
AMRAD respondeu positivamente logo aos primeiros contactos. O
objectivo: lançar para a estratosfera o primeiro satélite totalmente
concebido, executado e operacionalizado em língua portuguesa. Ao todo,
serão pelo menos dez anos de trabalho, incluindo uma série de ensaios
com satélites em balões atmosféricos e a definição de parcerias de
todo o tipo. No final deverá ser lançado um satélite em torno da
Terra, em órbita polar de baixa altitude (1.700km), com a missão de
favorecer a comunicação entre todos os países da CPLP.

Escolas, institutos politécnicos, universidades, centros de formação
profissional, instituições ligadas à investigação espacial – todas as
plataformas passíveis de produzirem trocas de informações estratégias
nas áreas do desenvolvimento tecnológico, com fins pacíficos e sem
intenções lucrativas, serão convidadas a participar.

«Nunca houve um projecto exclusivamente em língua portuguesa. Nem
sequer o foi o PoSat, projecto que de resto terminou sem
consequências», explica Mariano Gonçalves.

O protocolo foi assinado a 12 de Fevereiro, no mesmo dia em que, a
partir da Guiana, a European Space Agency (ESA) lançava para o espaço
o primeiro foguete da nova geração Ariane 5 ECA. «Para nós, a questão
fulcral não é o satélite em si. Se quiser ele está feito – ou se faz,
ou se compra... A questão é desenvolver uma estrutura técnica e
educativa de voluntários que queiram, durante estes anos todos, e
tendo o radioamadorismo por base, coordenar todo um programa cultural
e de desenvolvimento, sempre em língua portuguesa, para encorajar
jovens a enveredar pelas áreas da tecnologia, nomeadamente em países
que não possuem foguetes mas têm tremendas necessidades de
desenvolvimento.» Os fins, sintetiza, são tão simples quanto
complexos: a educação e a pré-profissionalização de jovens, com o
objectivo de despertar vocações.

Porque entende o radioamadorismo como um universo em constante mutação
– e com constantes desafios –, a AMRAD tornou-se entretanto numa
espécie de tabu entre os radioamadores portugueses. Associados durante
vários anos da Rede de Emissores Portugueses (REP), uma das 49
associações nacionais da actividade, Mariano Gonçalves e os colegas
acabariam por ser alvo de discriminações de todo o tipo até decidirem,
no ano 2000, fundar o seu próprio organismo.

«Como não fazíamos nem "DX" nem concursos para a obtenção de diplomas,
fomos perseguidos. Alguns dos directores entenderam que nenhuma das
nossa acções era "radioamadorismo puro" e acabaram por impedir-nos,
por exemplo, de criar, no seio da REP, o departamento educativo que
pretendíamos promover», conta Gonçalves.

Vítor Paulino, presidente cessante da Rede de Emissores, garante que
não foi isso que aconteceu, mas recusa avançar a sua versão sobre a
cisão. «Cuidado com esses senhores. Os tribunais existem para alguma
coisa…», limita-se a dizer. Mariano insiste: «Na REP, como em outras
associações, há uma visão completamente redutora e fechada do
radioamadorismo que, na verdade, pode conduzi-lo à destruição.»

No quinto ano de actividade, a AMRAD funciona como uma pequeníssima
organização não governamental para o desenvolvimento e é suportada
sobretudo pelos próprios associados que, em regime de voluntariado, se
quotizam para levar a cabo cada uma das suas actividades. Num universo
de mais de 250 associados, há três categorias: sócios efectivos, todos
com qualificação técnica e superior em engenharia, (electrónica,
rádio, telecomunicações, comunicações tácticas, informática, física,
aeronáutica, biologia e oceanografia…) e os únicos membros elegíveis
para os órgãos sociais; sócios beneficiários, na sua esmagadora
maioria jovens até aos 25 anos, estudantes ou recém-licenciados à
procura do primeiro emprego; e ainda sócios curadores, cidadãos de
todas as origens e sectores de formação, mas com as mesmas
preocupações sobre a necessidade de desenvolvimento de uma cultura
científica e tecnológica.

Os associados, hoje distribuídos por geografias tão distintas como a
Grande Lisboa, Leiria, Porto, Aveiro, Madeira, Açores, Holanda,
Inglaterra, Estados Unidos e África do Sul, dividem-se por sectores
temáticos, os quais são geridos por coordenadores que reportam
directamente à direcção.

A adesão à AMRAD tem sido selectiva: os candidatos são apresentados em
reunião, ouvem uma explicação detalhada dos objectivos e actividades
da associação, ficam a saber que não auferem quaisquer benefícios ou
serviços comuns aos clubes vulgares e, regra geral, desistem – só
cerca de cinco por cento dos candidatos mantêm a firmeza de ficar a
colaborar como voluntários.

 Mariano Gonçalves, 55 anos, um agente técnico de electrotécnica e
máquinas com mais de 35 anos de serviço numa empresa investigação e
desenvolvimento de electrónica, foi um dos operacionais do serviço de
telecomunicações militares do Exército entre 1972 e 1975 em Angola.
Apaixonado desde criança pelas telecomunicações, foi detido aos 16
anos por ter construído em casa um emissor ilegal – situação de que
veio a sair com a ajuda dos próprios fiscais radioeléctricos e de um
alto quadro dos CTT. Tem desempenhado sucessivas missões em África, na
Bósnia e no Kosovo, sob a égide da ONU e da NATO, na qualidade de
assessor técnico de organismos governamentais e administrações
dedicadas à meteorologia, às telecomunicações e à defesa nacional.

 No dia em que fala à GRANDE REPORTAGEM tem a seu lado Diogo Sentieiro
e Tiago Oliveira, o primeiro um ex-repórter de imagem da SIC, agora
professor numa escola técnico-profissional, e o segundo a acabar o
projecto final de licenciatura em Engenharia Electrónica e de
Telecomunicações. «Não impomos uma "tara" pelas ciências. A educação e
a vida devem ser salutares e diversificadas. Mas gostamos de brincar
com tecnologias …», sintetiza o presidente.

Os meios são os concentrados na tal sala do Centro de Juventude da
Câmara Municipal de Oeiras, na ala dedicada ao Observatório Ambiental
de Teledetecção Atmosférica e Comunicações Aeroespaciais – e a que
alguns chamam «Observatório Aeroespecial de Oeiras».

 É um espaço modesto, mas bem equipado: no tecto há um balão de hélio
em forma de Space Shuttle – trazido por um associado de uma recente
visita às instalações da NASA – e pelas mesas há um pouco de tudo: de
sistemas de rádio e comunicação em onda curta e muito altas
frequências a computadores para rastreio e monitorização de satélite,
de um espaço de televisão de amador a minúsculos emissores construídos
à mão por alunos das escolas da região, de estações de comunicações
tácticas e de emergência para protecção civil a um pequeno e
laboratório de estudos e desenvolvimento de electrónica, passando por
variadíssimos ítens de tecnologia obsoleta e mesmo material para
experiências no domínio da aviação e do radiomodelismo.

As instalações são cedidas gratuitamente pela autarquia, o que leva
Mariano Gonçalves a elogiar as actuais políticas de juventude do
executivo municipal.
Quanto ao Governo e aos programas nacionais de fomento, é outra
conversa. «O Ciência Viva apoiou um projecto no ano 2000, mas só pagou
metade, por falta de dinheiro. Ao Ministério da Ciência e do Ensino
Superior, enviámos uma carta em Dezembro de 2003 a pedir um apoio
pontual, para podermos colaborar num projecto internacional, em
parceria com a Agência Espacial Europeia, destinado à instalação da
estação da ARISS no módulo Columbus da ISS.

 Até hoje, nem sequer uma resposta recebemos», explica o presidente da
AMRAD, numa informação sobre a qual o Ministério de Graça Carvalho não
faz comentários. Para além das quotas dos próprios associados, o
grande apoio da associação tem sido a boa-vontade de algumas empresas
que respondem positivamente a pedidos de material, equipamentos de
laboratório e/ou serviços. Recentemente, a RTP aceitou oferecer à
AMRAD as duas mega antenas parabólicas situadas no edifício da Avenida
5 de Outubro – um privilégio quase incontabilizável, para uma
associação cujo orçamento anual anda normalmente na ordem dos quinze
mil euros.

É utilizando essas duas antenas, outrora destinadas à recepção de
sinais de televisão no edifício da estação pública, que a associação
de Oeiras pretende agora partir para um novo projecto – um dos tais
que pretende ir gerindo enquanto, ao mesmo tempo, for fazendo os
ensaios necessários para o lançamento do satélite do Projecto Espacial
Camões.

Mais uma vez com a colaboração da Câmara Municipal, a AMRAD espera ter
pronto até ao final do ano, nas antigas instalações da Fábrica da
Pólvora de Barcarena, um espaço museológico (Museu de Ciências da
Rádio e do Espaço) centrado na rádio e nas ciências espaciais, com um
centro aeroespacial e um radiotelescópio para exploração do espaço
profundo.

Os objectivos são os de sempre: o desenvolvimento dos mais variados
programas de conhecimento, destinados a alunos de escolas de todo o
país e mesmo a adultos que se interessem – ou venham a interessar-se –
pelo conhecimento.

Para obter receitas, a associação pretende entretanto reactivar a
central hidroeléctrica da fábrica, datada de 1923, tornando-a num
museu vivo que, a partir das águas da ribeira de Barcarena, vai
produzir energia eléctrica para a EDP Esta incluí-la-á na rede normal,
a troco de uma verba destinada aos projectos educativos da AMRAD no
concelho de Oeiras – mas o projecto renderá provavelmente pouco mais
de mil euros mensais.

Paralelamente, continuarão as mais variadas acções de colaboração nas
áreas da educação, da protecção civil e da teledetecção ambiental
atmosférica ou oceanográfica – com escolas, centros de formação
profissional, organizações juvenis e de escuteiros, associações
ambientalistas, etc, etc.

 Mais: após as primeiras experiências em conjunto serão reforçadas as
acções de colaboração inscritas no plano de cooperação definido no
último ano com o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil.
«Portugal ainda não dispõe, no domínio das comunicações de emergência
para a Defesa e a protecção civil, de uma estrutura organizada e capaz
de responder a uma calamidade. Nem sequer as Forças Armadas ainda
estão dotadas de meios suficientes. Isto é matéria de grande
preocupação, até porque sobre este assunto, os deputados e a
administração central nunca estruturaram nada depois de 1974», comenta
Mariano Gonçalves. «Aliás, tem havido sempre uma grande incapacidade
do Estado para legislar ou aplicar medidas sobre qualquer uma destas
matérias, porque como sabemos os políticos só vêm votos no futebol.»

Mais ainda: depois de uma série de contactos com a Assistência Médica
Internacional, estão em estudo acordos que permitam o fornecimento de
formação e assistência técnica em telecomunicações avançadas em
campanha, com aplicação nos destinos mais remotos e inacessíveis aos
quais a AMI e outras organizações humanitárias venham a deslocar-se.
«Não queremos centrar-nos na tecnologia. A componente humana é
essencial…», insiste o presidente.

E ainda recentemente vários associados da AMRAD estiveram em África,
em países de língua portuguesa, desenvolvendo soluções que permitiram
a populações remotas dispor de novos meios de comunicação, incluindo
televisão e radiodifusão, nalguns casos encurtando em décadas o bem
estar desses povos. «Em alguns aspectos da cooperação, a solução é
simples: basta saber recuperar e reinstalar sistemas», explica Mariano
Gonçalves.

Mas o objectivo mais imediato está centrado na colocação de uma série
de estudantes em contacto com os tripulantes da Estação Espacial
Internacional. A bordo estão astronautas europeus, americanos e
russos, e ainda antes do Verão um grupo de alunos da Escola Secundária
Camilo Castelo Branco, de Carnaxide (concelho de Oeiras), juntar-se-á
para fazer perguntas aos (e ouvir as respostas dos) membros da nova
equipa da ISS – tudo em directo e via rádio. O projecto é desenvolvido
em parceria com a AMSAT (Radio Amateur Satellite Corporation) e a
ARISS (Amateur Radio on International Space Station), ambos apoiadas
pela ESA, pela Agência Espacial Russa (RSA) e pela NASA.

Melhor, mesmo, só o conseguido no passado mês de Outubro, em Coimbra,
com o lançamento em balão do satélite CINELSAT-2, com o qual a AMRAD
conseguiu bater o recorde do mundo em autonomia – nada menos de 16
horas de voo.

Os americanos prometem bater a marca. Até lá, porém, ela pertence a
uma pequena associação de radioamadores – o tais que, até aqui,
tentaram nunca limitar-se a matar a solidão nos botões de sintonia de
um rádio, com pouco mais a perguntar do que como ia o tempo do outro
lado do mundo.

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