ARLA/CLUSTER: RE: Amadores de Rádio, cultura e competência

Miguel Andrade ct1etl clix.pt
Domingo, 26 de Novembro de 2006 - 18:23:17 WET


Olá Mariano,

Aproveito para desta forma pública felicitar esta forma lúcida de ver a
questão.
Quando escrevi que deveríamos em primeiro lugar definir o Radioamadorismo,
referia-me precisamente a estas definições, as quais se enquadram na minha
forma de descrever os possuidores do Certificado de Amador Nacional.
É também minha opinião que o problema de « inserir toda esta diversidade de
saberes, de conhecimentos e competências, e que são tão vagos e
multifacetados, no mesmo pacote legislativo, com regras, com deveres e com
direitos iguais para todos os amadores, quanto todos são afinal tão
diferentes », é um desafio que está longe de ser ganho, tanto aqui como em
muitos países.
Não sei se concordarão todos comigo, mas parece-me que o Serviço de Amador
tem sido ao longo dos anos negligenciado pelo poder político.

73's de Miguel Andrade ( CT1ETL )
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-----Mensagem original-----
De: Mariano Gonçalves [mailto:ct1xi  sapo.pt]
Enviada: domingo, 26 de Novembro de 2006 9:45
Para: Resumo Noticioso Electrónico ARLA; ct1etl  clix.pt; Carlos Mourato
CT4RK
Assunto: Amadores de Rádio, cultura e competência
Importância: Alta


Bom dia,

Meu caro Mourato, eu peço-te desculpas de me intrometer no Vosso diálogo,
acerca deste assunto.
Mas o cota, também gostaria de contribuir para esse debate, com um pouco do
meu ponto de vista pessoal.

Sou amador de rádio desde 1965, iniciei-me como rádio-escuta ainda muito
jovem, e só depois, por motivos conjunturais, quer técnicos, quer
financeiros, eu pude fazer o exame, construir e instalar a estação que me
permitiu passar a ser rádio-emissor.

Eu fui detido em 1966 pelos fiscais radioeléctricos da DSR dos CTT, por ter
construído e empregue um emissor clandestino. Eu morava a cerca de 1.500
metros do centro de fiscalização de Barcarena.
Foram os próprios fiscais e ainda o antigo director do centro de
fiscalização o Sr. Vardasca, quem me ajudaram a resolver legalmente este
assunto, e foram eles depois que me ofereceram mais material de rádio e
incentivaram para continuar.
Isso marcou a minha opção e vida profissional.

Durante estes tempos, com a passagem dos anos de 1960 para os anos de 1980 e
1990 ou sejam dos tempos da auto-construção da estação, para a compra da
estação de rádio, acabámos todos nós por nos apercebermos que afinal os
amadores de rádio não são todos iguais e que existem tipos diferentes de
amadores a fazer diversas formas de radioamadorismos. Uma diversidade
cultural que nos enriquece, e que devemos respeitar, mas que deve ser
regulada.

Considero que poderão existir hoje três formas de ser amador da Rádio:

Radioamadorismo Técnico - dirigido para os aspectos da cultura da ciência e
tecnologia, está na géneses legal e cultural do Radioamadorismo, e que é
geralmente praticado por auto-didactas das ciências, por estudantes e
profissionais dos ramos da electrónica e rádio, informática, física, das
telecomunicações e do aeroespacial, entre outras.

Radioamadorismo Desportivo - o amador da competição (comporta já alguma
componente lucrativa e comercial, algum profissionalismo mesmo) está
dirigido para os concursos e a competição entre amadores desportistas (do
QSL, diplomas, taças e etc.) é geralmente praticado pelas outras profissões
que não são necessariamente do sector técnico, os melhores DXers portugueses
eram médicos, advogados, comerciais, hoje são executivos e etc.

Radioamadorismo de Lazer e Tempos Livres - praticado por quem não sabe
técnica, nem quer fazer competição ou desporto, mas por alguém que se gosta
de intercomunicar (agora já o faz pela Internet e até pelo GSM) por quem
gosta de operar através de meios radioeléctricos. Por quem se inicia na
rádio como amador, em geral são jovens e ou já cidadãos jubilados. Por quem
apenas quer passar algum do seu tempo livre ligado em torno da rádio, seja
como receptor ou como emissor. Antigamente ele era praticado por fazendeiros
e pessoas que careciam das radiocomunicações de âmbito mais pessoal,
sobretudo em África e na América, nos grandes territórios onde não existem
as telecomunicações nem as estruturas dos meios exteriores de transmissão
(telefones, televisão, Internet e etc.).

O problema da legislação, é conseguir inserir toda esta diversidade de
saberes, de conhecimentos e competências, e que são tão vagos e
multifacetados, no mesmo pacote legislativo, com regras, com deveres e com
direitos iguais para todos os amadores, quanto todos são afinal tão
diferentes.

Pessoalmente entendo que não se querendo, nem se sabendo dos aspectos
técnicos da radioeléctricidade, no mínimo, que se saiba ser Operador Amador
de Rádio, e para tanto, que se dominem todos os requisitos e procedimentos
exigíveis legais e técnicos, de igual forma que a um qualquer profissional
treinado, seja militar ou civil.
Os amadores de rádio, no geral, revelaram em muitos aspectos e ao longo de
mais de 100 anos, possuírem mais e melhores competências, que muitos
profissionais dos sectores. Não é nada que não se possa ter como objectivo
cultural.

Entendo que todo o Amador de Rádio deve necessariamente prestar Serviço
Público e de Voluntariado. É um direito e um dever de todos os cidadãos.

Considero o código de Morse um património e uma cultura a não perder.

Reconheço que o Morse não deveria ser mandatório, contudo, quem o domina e o
quer treinar e praticar, deveria ser reconhecido e contemplado por esse
esforço pessoal e cultural.
Acho adequado que seja limitado o acesso a uma classe A, para quem não saiba
nem queira praticar o código Morse ou outra disciplina das
radiocomunicações. É apenas isto, aquilo que afinal ainda distingue aqueles
que se esforçaram e quiseram aprender de todos os restantes que nunca o
fizeram.

Considero que não se deve impedir o acesso de todos os amadores e todas as
classes a todas as faixas de frequência e serviços, pelo mero facto de estes
não estarem habilitados à prática do Morse ou outras disciplinas. Existem
outras formas de limitar e regular as diferenças entre competências e
dedicação de cada amador.

De referir que do meu tempo, diversos amigos pessoais e colegas que são
professores universitários e catedráticos da área da engenharia, foram
impedidos pela DSR e ICP de prosseguirem a sua trajectória de amadores de
rádio, isto por não terem querido fazer os exames de Morse da classe E para
a C, nos anos de 1970, refiro por exemplo CT1ZK - Prof. Carlos Neta do ISEL
e CT1ZO - Prof. Dr. Eng. Simões Piedade do IST.

Agora eu pergunto: quantos milhares de amadores passaram depois de 1975 para
as classes C, B e até para a classe A falsamente habilitados e qualificados
para a prática de Morse, que na realidade nunca souberam praticar Morse,
agravados do facto de que nem sequer possuem conhecimentos de técnica.
Alguma coisa esteve e continua mal durante estes últimos 30 anos.

O modelo antes imposto pela DSR e seguido pelo ICP nos últimos 30 anos,
reflecte hoje o laxismo e a incapacidade estrutural do radioamadorismo em
Portugal (ainda pior em Espanha). Isto comparativamente com a excelência
cultural e tecnológica do radioamadorismo que se desenvolve e pratica nos
EUA, Japão e Alemanha por exemplo.

Para concluir:

Parece-me que a ANACOM possui hoje um conjunto de pessoas e de profissionais
bem mais despertos e empenhados que outrora. Entendo que alguns deles são
pessoas muito competentes e interessadas, com elevado sentido cívico e
profissional, susceptíveis mesmo de conseguirem promover e gerar mudanças
essenciais ao desenvolvimento e modernização do Radioamadorismo em Portugal,
o mesmo seria dizer, pela elevação da Cultura da Ciência e da Tecnologia,
estes são factores determinantes para o desenvolvimento sócio-económico do
país mais pobre e do povo menos qualificado da União Europeia, esperemos que
sim, que seja possível.
Bom já o mesmo não se poderá dizer quanto ao movimento associativo e
federalista, que morreu ou está moribundo.

Um abraço,

Mariano, CT1XI







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